Professor de loucura
Fui professor em uma faculdade particular durante oito anos. A cada início de semestre, eu sempre pedia aos alunos que escrevessem uma crônica. Era uma forma de conhecer os alunos. Porque a crônica revela o olhar, a sensibilidade e a alma.
Eu acho engraçados os planos de reforma de ensino no Brasil, que pretendem deixar o professor de fora. É algo de uma estupidez inominável. O professor é o centro da educação, não importa que o mundo seja mediado pelos computadores. Não admira que o nosso país ocupe os últimos lugares no ranking da educação.
Sem investimento na formação e na remuneração do professor, qualquer projeto pedagógico dará com os burros n’água. O mais competente mestre que tive sempre perguntava: “Vocês sabem por que eu escolhi ser professor?” Ninguém conseguia imaginar a razão, mas ele respondia: “É porque eu gosto de estudar. Professor bom é o professor que gosta de estudar”.
Só com mestres que tenham a obsessão de aprender incessantemente poderemos superar o estado atual de ignorância triunfante, que nos envergonha. Ao ser professor, tentei praticar o conceito de educação formulado pelo mestre. Segundo ele, educação é uma palavra que deriva do latim (educere), que significa extrair. Logo, educar seria extrair o que há de melhor no outro. Nem sempre fui bem-sucedido. Mas, algumas vezes, tive respostas que compensaram as frustrações, como a enviada por uma aluna: “Você me ensinou que escrever não é um ato mecânico; é um ato espiritual”.
Certa vez, uma aluna me apresentou uma crônica muito boa sobre um misterioso “professor de loucura”. No primeiro dia, o professor de loucura entrou na sala de aula e começou a expor seu plano de ensino. Antes de tudo, explicou no que consistia a disciplina da qual era titular: “Sou professor da disciplina loucura. De que matéria trata disciplina?”, indagou o excêntrico professor.
E ele mesmo respondeu: Loucura consiste em conhecer as principais vertentes e fontes da cultura brasileira e internacional, numa relação crítica. Conhecer, conviver e tornar-se íntimo dos personagens mais brilhantes da humanidade, deixar de ser maria-vai-com-as-outras e tornar-se um ser singular. Adquirir autonomia de estudo e tornar-se um verdadeiro autodidata. Extrair o que havia de melhor em cada um”.
Os alunos ouviram, mas ao tomar ciência do plano de ensino, informaram ao quixotesco personagem: “Professor, acho que o senhor se enganou e entrou na sala errada. Ninguém aqui está interessado nesta disciplina”.
E, ao entregar os comentários, levei tremendo susto: a autora disse que escrevera o texto em homenagem a meu “esforço dramático” em transmitir o conhecimento. Contou que a minha presença era polêmica, provocava comentários desencontrados: “É inteligentíssimo”. Ou: “Ele é louco”. Ou: “Viaja na maionese”. Entendia que eu “atirava pérolas aos porcos”. Só uns 20% aproveitavam.
Retifiquei que apenas a primeira parte da frase estava correta. Tentava compartilhar o que havia aprendido de mais precioso. Mas sempre deixava aberta a possibilidade de que eu tivesse errado em algum ou em vários momentos. Educar é difícil e dramático, e exige autocrítica permanente. Precisamos conferir dignidade a nossos professores.
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