Tomei uma decisão importante esses dias: tirei a balança do armário. Desde uma faxina realizada alguns meses atrás, quando foi movida para dar passagem ao aspirador de pó, a impiedosa contadora de quilos estava escondida no fundo de uma sapateira, longe dos olhos e incapaz de gerar culpa. Mas vi que era hora de voltar à realidade, de parar de me enganar. Tirei a danada do armário, removi a poeira e subi. Ela confirmou o que as roupas já me diziam havia algumas semanas: nunca estive tão gordo.
Nem adiantou a velha estratégia de me pesar de manhã, antes de comer qualquer coisa e depois de fazer xixi. É a hora do dia em que estamos mais leves (fica a dica). Ainda assim, a balança mostrou um número inédito aos meus gulosos olhos. Ultrapassei a marca atingida em janeiro de 2019, quando voltei de uma saborosa e preguiçosa viagem ao Chile. Naquela época, assustado, procurei uma professora de emagrecimento, também conhecida como nutricionista, que me deu o mapa para uma vida mais leve.
Durante meses segui a restrita dieta, que incluía abdicar das coisas que mais amo comer: derivados de leite, especialmente queijo derretido. Me esforcei e os resultados foram aparecendo. Me sentia melhor, respirava melhor, ficava menos cansado e as roupas diminuíram de tamanho. Mas aí chegou a pandemia e tudo mudou. Os doces e o queijo derretido voltaram à cena. E a sanfona que encolhia passou a expandir de novo.
Abro aqui um parêntese para confessar que, gordo de nascença (vim ao mundo com mais de 4kg), nunca entendi as críticas ao “efeito sanfona”. O que seria de mim se não tivesse períodos de emagrecimento nesse constante engordar? Calculo que hoje pesaria uns 300kg. Mas, voltando à sanfona expandida, comecei a refletir sobre o que me fez perder o controle de tal maneira.
A idade deve ser levada em conta, claro. Depois dos 40, emagrecer é mais difícil mesmo. Velhas táticas não funcionam mais e qualquer colherzinha de doce de leite à noite aparece em forma de curva extra no dia seguinte. Mas concluí que o recorde registrado na balança tem a ver com a pandemia, essa desgraçada que chegou para matar pessoas queridas e tornar a vida muito mais sem graça.
Ao passarmos mais tempo em casa, corremos o risco de virar extensão do sofá. A tevê na sala é o canto da sereia dos tempos pandêmicos. E as tentações se lançam sobre nós. Todos os restaurantes começaram a se oferecer na tela dos nossos celulares, pelos aplicativos de entrega. Pratos preferidos que para saborearmos exigiam algum deslocamento, agora, chegam à porta de casa após alguns cliques. Mas acho que — infelizmente, preciso admitir — o fator que mais contribuiu para o formato atual do meu corpo é a ausência do olhar alheio.
A vaidade, confesso, sempre foi meu maior freio. Muito gordo, me sentia feio aos olhos dos outros e segurava a onda. No isolamento, quase ninguém me vê. Só quem já me ama do jeitinho que sou. E danei a engordar. Mas aí chegou este momento, em que, mesmo sozinho, estou insatisfeito comigo mesmo. Fico cansado mais rápido, me sinto desconfortável constantemente e passei a ter medo de ter problemas de saúde graves. Por que é tão difícil fazermos bem a nós mesmos? Por que presto mais atenção ao julgamento dos outros sobre meu peso do que à minha vontade de levar uma existência mais saudável (e confortável)? Perguntas que resolvi enfrentar após sete meses de pandemia. E comecei tirando a balança do armário, indo ao cardiologista e contanto aqui para vocês. Torçam por mim, cara leitora, caro leitor!
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