Após quase um ano e meio da morte de Genir Pereira de Sousa, 47 anos, assassinada por Marinésio dos Santos Olinto, 41, o julgamento do caso não tem data para ocorrer. Na segunda-feira, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) denunciou o cozinheiro por homicídio quintuplamente qualificado, estupro e ocultação de cadáver. Caberá ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) determinar por quais crimes o acusado responderá.
O promotor responsável pelo caso, Nathan da Silva Neto, decidiu denunciar Marinésio por homicídio quintuplamente qualificado por feminicídio, motivo torpe, emprego de asfixia, dissimulação e com o objetivo de ocultar outro crime, além de estupro e ocultação de cadáver. “Nossa esperança é de que ele seja condenado e receba pena à altura da gravidade dos crimes praticados, de modo a dar uma resposta satisfatória aos familiares das vítimas e a toda a sociedade”, defende.
O processo criminal contra o assassino ficou parado por um ano e dois meses, em razão da falta de apresentação do laudo de exame de local, solicitado pela 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá). O material era importante, pois explicaria como se deu o feminicídio e definiria a competência para julgamento do processo.
Apesar de a vítima ter sido atacada pelo criminoso no Paranoá, na saída do condomínio onde ela trabalhava, o corpo foi encontrado em área de jurisdição de Planaltina. Genir desapareceu em um sábado, 2 de junho de 2019. Câmeras de segurança do condomínio onde ela prestava serviços à amiga, no Paranoá, mostraram o momento em que Marinésio passa pela área, em uma Blazer cinza. O corpo foi encontrado 10 dias depois, em área de mata.
As circunstâncias por trás do assassinato eram um mistério até a prisão do cozinheiro, dois meses mais tarde, pelo feminicídio da advogada Letícia Curado, 26. Ao ser interrogado na 6ª DP, Marinésio confessou ter se passado por motorista de transporte pirata para atrair Genir ao veículo. Após supostamente abusar sexualmente da vítima, o criminoso decidiu matá-la.
Laudo
O material produzido pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) sobre o local onde o corpo foi encontrado foi finalizado com 39 páginas. Pelo estado de decomposição do corpo da vítima, os especialistas responsáveis pela análise não puderam determinar a causa da morte, assim como se o homicídio ocorreu onde houve a localização do cadáver.
“Os peritos criminais carecem de elementos materiais suficientes que indiquem que o óbito ocorreu no local onde os exames foram realizados, assim como não possuem elementos indicativos de que tenha ocorrido em local diverso, tendo, neste caso, o corpo sido transportado por terceiros até a região examinada, alcançada facilmente através da pista de terra batida e da trilha produzida por passagem continuada de veículos”, relata o texto produzido pelos peritos.
A forma qualificada como Marinésio praticou o feminicídio contra Genir foi destacada como indeterminada. “Tal conclusão, associada ao estado de decomposição do cadáver e à inobservância, no local examinado, de quaisquer vestígios indicativos de violência e de lesões que claramente pudessem levar a vítima a óbito, impedem os peritos criminais de determinarem se a morte ocorreu de forma violenta — acidente, homicídio ou suicídio — ou natural”, detalha o documento.
O óbito por causa natural foi descartado pelos investigadores da 6ª DP, devido ao modo como o corpo de Genir foi encontrado. O laudo delimita que “a localização do cadáver, em meio à vegetação do cerrado na margem de uma trilha produzida pela passagem continuada de veículos, em local ermo e coberto parcialmente por folhas secas guardam compatibilidade com um quadro de homicídio, com, ao menos, tentativa de ocultação do corpo, valendo-se de objetos (folhas secas) que não se encontravam nas adjacências do cadáver”.
Após analisar o laudo de exame de local e a Manifestação do promotor de justiça do Paranoá, o juiz do Tribunal do Júri do Paranoá, Idúlio Teixeira da Silva, decidiu pelo declínio de competência para julgar o caso, que deve, portanto, ser analisado pelo Júri de Planaltina. Depois dessa decisão transitar em julgado, o próximo passo era o envio de denúncia pelo Ministério Público do DF e Territórios ao TJDFT, que ocorreu na segunda-feira.
Espera
Para familiares e amigos, que lutam pela finalização deste capítulo violento em suas vidas, a demora para apreciação do processo de feminicídio e ocultação de cadáver gerou ainda mais dor.
De acordo com o advogado Paulo Alexandre Silva, que assiste os acusadores de Marinésio, o declínio do processo ao Tribunal do Júri de Planaltina, com o laudo inconclusivo, parece prematuro e pode ser utilizado por Marinésio Olinto em seu favor para provocar uma possível nulidade processual.
“Em nenhum procedimento que estivesse sujeito ao contraditório Marinésio revelou onde se deu a atividade criminosa, tampouco revelou onde cometeu o feminicídio. Por isso, a qualquer momento processual o indiciado pode simplesmente alegar que o crime iniciou e se consumou na jurisdição do Paranoá, como era a praxe dele, que diminuía ou eliminava a possibilidade de reação da vítima e iniciava os atos executórios de seus crimes até consumá-los. Depois, tentava ocultar os restos mortais”, observa o advogado. “Desse modo, sendo acatada judicialmente uma eventual preliminar processual, é preciso tudo começar, novamente, do zero”, expõe.
A preocupação também aflige a empresária Francidalda Xavier, 35 anos, melhor amiga de Genir. “Temos muita preocupação quanto ao andamento do processo, sobretudo por toda a demora que encaramos. Não sabemos se há alguma relação pela classe social da Genir, mas nós sentimos, sim, que houve um tratamento diferente no caso”, analisa.
A estudante Jaiane Sousa Ferraz, 23, filha de Genir, destaca que sabia da lentidão do processo, “mas toda a expectativa em honrar a memória da minha mãe é dolorosa”. “Não há um dia sequer que a gente não pense nela e se emocione. Queremos apenas que o processo comece a andar e finalize, e que possamos ter justiça”, resume.
Lembranças
Sentados à mesa, a empresária Francidalda e os filhos da vítima, Jaiane e Leonardo Sousa Araújo, 30, sorriem timidamente ao recordar dos momentos vividos ao lado de Genir. A emoção, em muitos momentos, também está presente, e perceptível nos olhares amorosos e saudosos.
“Quem conheceu a Genir sabia a mulher divertida que ela era. Não tinha tempo ruim, pois ela era um ser cheio de luz. Ela acreditava que todos nascem com um dom, e falava que o dela era o de cuidar da família e da conservação e limpeza das casas e do trabalho: ‘É isso o que eu sei fazer de melhor, Fran’”, recorda a amiga dos momentos ao lado de Genir. “Em mais de 10 anos de serviço e amizade, ela nunca faltou o trabalho. E tinha uma força enorme, porque fazia as obrigações e ainda encontrava tempo para fazer atividades físicas”, acrescenta.
Genir era vaidosa e divertida, mas a perda precoce do filho Jeann Vinicius de Sousa, aos 21 anos, em um acidente de trânsito, a transformou, afirma Jaiane. “A gente percebeu que ela perdeu um pouco da fé, sabe. Foi um momento muito difícil para todos nós, mas especialmente para a minha mãe”, conta.
A família salienta que o maior medo de Genir era ser uma vítima de estupro. “Ela era muito medrosa, por isso, não temos dúvida do ataque daquele monstro. Minha mãe não me deixava estudar à noite por conta desse pavor, para conseguir convencê-la, foram meses. Ela sempre dizia que preferia morrer a ser abusada”, relata a jovem.
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Feminicídio
Marinésio Olinto é acusado do feminicídio de Letícia Curado, assim como pelos crimes de tentativa de estupro, furto e ocultação de cadáver. O Tribunal de Justiça acatou aos delitos e qualificadoras indicadas pelo Ministério Público. Contudo, a defesa do acusado recorreu da decisão e, portanto, o processo segue parado. Após apreciação do pedido protocolado é que haverá a marcação do julgamento do cozinheiro.
Condenação
Marinésio foi condenado, em 7 de maio deste ano, a 10 anos de prisão pelo estupro de uma jovem que, à época do crime, tinha 17 anos. A vítima foi atacada na área de Pinheiral, no Paranoá, em 1° de abril de 2019. O cozinheiro abordou a jovem oferecendo uma carona. Como ela negou, ele desceu do veículo e, com uma faca na mão, a obrigou a entrar no carro. Em área deserta da região, estacionou e cometeu o abuso sexual. A defesa do réu recorreu da decisão e o processo ainda corre na Justiça.