SAÚDE

Luta diária: histórias de brasilienses que sofrem com a rara síndrome de Ehlers-Danlos

Brasilienses que sofrem com a rara Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) precisam adaptar a rotina para as necessidades e limitações do corpo. Especialista considera que a condição ainda é pouco conhecida mesmo entre a comunidade médica

Samara Schwingel
postado em 28/10/2020 06:00
 (crédito: Kleber Sales/CB/D.A Press)
(crédito: Kleber Sales/CB/D.A Press)

A Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) é uma condição rara, que afeta, principalmente, a pele, as articulações e as paredes dos vasos sanguíneos. Um diagnóstico tão incomum que não há dados sobre quantas pessoas teriam a SED no Brasil ou no Distrito Federal. Os portadores desta doença, geralmente, sofrem com dores crônicas e fadigas. Para amenizar os sintomas, os pacientes precisam adaptar atividades simples do dia a dia como dirigir e vestir uma roupa. Um especialista em dor e estudioso da síndrome avalia que a doença ainda é pouco conhecida e isso dificulta o reconhecimento e diagnóstico.

Kaliny Trevezani, 41 anos, passou quase dois anos investigando os sintomas antes de ser diagnosticada. Tudo teve início em 2016, quando ela começou a sentir dores intensas no corpo e cansaço extremo. “Meus braços e pernas começaram a doer e eu ficava cansada ao realizar tarefas básicas”, conta. Médica da Secretaria de Saúde do DF, ela precisou se afastar do trabalho. “Cheguei a precisar de cadeira de rodas por seis meses, pois havia perdido o movimento das pernas. Passei dois anos angustiada sem saber o que estava acontecendo comigo”, diz.

Após passar por diversos médicos, encontrou uma profissional que desconfiou que Kaliny fosse portadora da síndrome. “Eu já tinha perdido as esperanças, procurei por esta doutora a fim de tratar a atrofia muscular que desenvolvi no braço”, explica. Porém, com insistência da doutora, Kaliny procurou um fisiatra especialista em dor. “Foi ele quem confirmou o meu diagnóstico. Quando recebi a notícia de que, finalmente, sabia contra o que precisava lutar, senti um alívio muito grande”, desabafa.

Hoje, um ano e meio após a descoberta, a moradora do Guará conta com o apoio da família, amigos e até de outros portadores da síndrome para se adaptar à condição. “Desde que soube, comecei a pesquisar sobre o assunto e a procurar outras pessoas que sofressem com os mesmos problemas”, explica Kaliny. Por meio de fisioterapia, uso de oxigênio e alimentação saudável, ela passou a conhecer melhor os novos limites do corpo. “Hoje, eu sei que não posso dirigir por longas distâncias, ficar muito tempo em filas ou em pé”, diz. No dia a dia, ela tem o apoio do marido, Marco Vieira, 43, da filha, Ana Clara, 14, e de Catarina Faria, 18, uma adolescente com SED que Kaliny agregou à família. O tratamento e conhecimento avançaram tanto que ela conseguiu, após anos, retornar ao trabalho no último dia 8. “A sensação é de alegria pura de poder voltar a fazer o que gosto, mesmo que com algumas limitações”, diz.

Diagnóstico tardio

Imagine ter de se aposentar por invalidez devido à síndrome de Ehlers-Danlos. É o caso de Eunice Ferreira, 41, assistente social. Em 2010, ela começou a sentir tendinites e dores musculares mais intensas. Eunice passou cinco anos em busca de um diagnóstico. “Enquanto eu não sabia o que estava acontecendo comigo, os sintomas foram piorando. Minha coluna chegou a travar um dia no trabalho e, até hoje, tenho dificuldades para andar”, diz.

Em 2018, um geneticista definiu que Eunice era portadora da SED. “O primeiro sentimento foi de alívio, pois passei anos pesquisando sobre síndromes raras, a fim de tentar identificar sintomas como os meus”, afirma. Porém, junto ao alívio, o diagnóstico trouxe outras preocupações. “Então, chegou o momento de me preocupar com o tratamento”, completa. Em 2019, ela precisou se aposentar e adaptar atividades básicas do dia a dia. “Preciso de uma cadeira para tomar banho, não posso passar muito tempo em uma mesma posição, além das dificuldades de locomoção”, explica. A ex-servidora pública mora sozinha na Asa Norte e conta que a fisioterapia e o acompanhamento nutricional e gástrico ajudam a tratar os sintomas.

Eunice ainda considera que a síndrome é pouco conhecida, mesmo entre os profissionais de saúde. “Passei por diversos médicos até chegar em um que realmente aceitou investigar se eu era portadora da SED ou não. Por isso, o meu diagnóstico foi tardio e eu perdi tempo de tratamento”, afirma. Para ela, é importante disseminar informação para que a condição torne-se mais conhecida. “Existem pessoas que vivem anos sem saber que são portadoras de SED e isso é muito triste”, completa.

Conhecimento

A Síndrome de Ehlers-Danlos foi descrita pela primeira vez entre 1900 e 1910. Porém, mesmo com mais de 100 anos de existência, ainda é muito confundida com outras doenças como fibromialgia. De acordo com Carlos Gropen, médico fisiatra, especialista em dor, os sintomas são muito parecidos, mas o tratamento difere. “Caso um portador da síndrome não receba o método correto, a condição pode até piorar”, diz.

O médico também é coordenador do Ambulatório de Dor do Hospital da Universidade de Brasília (HUB). Segundo ele, a própria comunidade médica tem dificuldades de reconhecer a síndrome. Junto aos colegas do HUB, Gropen busca disseminar o conhecimento da condição e, assim, facilitar a vida de quem é afetado pela SED. “Busco possibilitar ao paciente menos sofrimento, menos necessidade de se afastar do trabalho ou de afazeres domésticos. E isso é possível com o tratamento correto e diagnóstico precoce”, declara.

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SAIBA MAIS

 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A. Press)
crédito: Ana Rayssa/CB/D.A. Press

A doença

A Síndrome de Ehlers-Danlos é um grupo de doenças do tecido conjuntivo que podem ser herdadas. Elas variam na forma e afetam o corpo nas causas. Geralmente, são caracterizadas por hipermobilidade articular (articulações que se estendem mais do que o normal), hiperextensibilidade da pele (que pode ser esticada mais que o normal) e fragilidade do tecido.

Fonte: Sociedade Internacional de Ehlers-Danlos

PL na Câmara dos Deputados

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

O projeto de lei nº 4.817/19 dispõe sobre a criação da Política Nacional de Atenção Integral à Pessoa com a Síndrome de Ehlers-Danlos e a Síndrome de Hipermobilidade. O objetivo é assegurar e promover os direitos das pessoas acometidas pelas doenças. A proposta, de autoria do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), estabelece que pacientes terão direito a ações e a serviços de saúde, incluindo o diagnóstico precoce, o atendimento humanizado e multiprofissional, habilitação e reabilitação, terapia nutricional e medicamentos. O PL está em tramitação na Câmara dos Deputados aguardando análise do relator na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD) desde 11 de setembro de 2019.

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