A retirada de azulejos projetados pelo arquiteto Eduardo Negri, colega de Oscar Niemeyer, em um prédio 314 Sul, gerou polêmica e dividiu opiniões entre moradores e profissionais da área de arquitetura. A obra no pilotis do Bloco B traz um debate acerca da preservação arquitetônica e da estética de Brasília. O condomínio alega que os azulejos, colocados na década de 1970, precisaram ser removidos por estarem danificados pelo tempo.
Não há uma legislação que proíba a modificação ou remoção de azulejos históricos em prédios residenciais no Distrito Federal. Contudo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), entidade responsável pela preservação do patrimônio cultural brasileiro, encaminhou, aos moradores da quadra, um documento elaborado pelo Grupo Técnico Executivo (GTE), composto pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), pela Secretaria de Defesa da Ordem Urbana (DF Legal) e pela Superintendência do Iphan recomendando a não retirada dos painéis.
A Diretoria de Preservação da Secretaria de Cultura recebeu reclamações sobre a respectiva edificação. A demanda foi encaminhada ao GTE. Por meio de nota oficial, a pasta explicou que zela pelos bens tombados isoladamente e que, no caso do Conjunto Urbanístico de Brasília, o Iphan e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) são os responsáveis. “Atualmente, não há um instrumento de proteção exclusivo para esta quadra ou bloco, seja referente às características arquitetônicas ou bens integrados, como o caso dos azulejos”, informou a Secretaria de Educação.
Debate
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do DF (CAU/DF) criticou a decisão do condomínio e apontou a remoção dos azulejos de Negri como “errônea”, diante da importância desses exemplares para a memória da capital em manter o patrimônio arquitetônico e histórico preservados. Em entrevista ao Correio, o presidente da entidade, Daniel Mangabeira, afirmou que não é contrário à reformas e considera que, muitas vezes, tornam-se necessárias. “O problema é quando essa modificação descaracteriza, desnecessariamente, um edifício que foi construído nessas décadas. Não podemos impedir que não o façam, mas procuramos instruir a sociedade da melhor maneira”, argumentou.
Segundo ele, em casos como esse, em que não há uma legislação que ampare ou resguarde o patrimônio de bens em edifícios residenciais, a sociedade, bem como os síndicos responsáveis, podem intervir. “Existe estudo e conhecimento. Um arquiteto, antes de dar procedimento à obra, deve saber a história do objeto. Um médico, por exemplo, antes de examinar o paciente, precisa ver o histórico. Essas são questões técnicas que o profissional deve saber. Se os azulejos estão caindo, é porque não houve manutenção. Nesse caso, mude para um revestimento igual ou similar”, pontuou.
O CAU/DF também recebeu reclamações referentes à retirada dos azulejos. “Não podemos impedir a reforma. Fizemos um documento e entregamos ao síndico, retratando a importância daquela edificação. Tudo está correto, mas a questão não é legal. Envolve o respeito à cidade. E, nesse sentido, vale sensibilizar os moradores, síndicos, arquitetos sobre a valorização do prédio. Mas, infelizmente, eles tomaram uma outra decisão”, lamentou Mangabeira.
Decisão
O síndico do bloco B da 314 Sul, Antônio Augusto Pinheiro, explica que a decisão da retirada foi aprovada pela maioria dos condôminos. “Há dois anos, fizemos uma reunião para tratar sobre a reforma do prédio. Foi feita uma assembleia e escolhemos um arquiteto que mantivesse a característica arquitetônica do bloco. Mas, infelizmente, não dava para manter os azulejos que estavam craquelando, manchados, deteriorando”, explica. De acordo com ele, em dezembro de 2019, foi apresentado o projeto de reforma e, em setembro deste ano, foi aprovado o início das obras. “Apenas o azulejo que não deu para reaproveitar e não dava para fazer um igual e colocar.”, ponderou.
Para a prefeita da quadra e moradora do bloco, Tereza Montenegro, a discussão sobre os azulejos de Eduardo Negri serviu como reflexão sobre os cuidados com o patrimônio da cidade. “Espero que, agora, as pessoas acordem para a preservação, sobre como querem ver a cidade. Não dá para pensar em manter algo que já está deteriorado. Tem de se pensar em algo preventivo. Cadê as fiscalizações nesse momento?”, questionou.
No local, serão colocados outros azulejos de uma artista brasiliense da mesma cor do antigo. O desenho será diferente, porém a premissa anterior e a estética original arquitetônica serão mantidos.
Para a arquiteta e urbanista Karla Madrilis, a falta de conhecimento da importância histórica dos prédios interfere diretamente para que haja a descaracterização das obras. “As pessoas precisam estar mais abertas para conhecer a arquitetura local e, assim, reconhecer a importância dela. O CAU e o IPhan, por exemplo, podem ajudar a informar a população nesse sentido. Não adianta condenar as pessoas envolvidas no reparo depois que o serviço é feito. Acho que todo edifício deve ter um conselho responsável pela manutenção do projeto, evitando diversos contratempos. É importante que a população considere que a cidade foi feita para ser coletiva”, ressalta Karla.
O Distrito Federal tem, aproximadamente, 1,5 mil edificações com obras de arquitetos no Plano Piloto, segundo dados do CAU/DF. Dessas, 30 foram selecionadas e identificadas como possíveis recebedoras de uma placa alusiva à obra, a ser fixada nas imediações, como reconhecimento da valorização arquitetônica. Os trabalhos são de iniciativa da Comissão Temporária de Patrimônio e foram iniciados em abril deste ano. Dos 30 edifícios, oito ganharão o selo. “Essa necessidade de que essas edificações tenham de passar por reforma está fazendo com que síndicos e moradores desconfigurem o projeto original”, disse Daniel Mangabeira.
Para a escolha dos prédios, levou-se em consideração o respeito à arquitetura original; a manutenção adequada das fachadas, de revestimentos e cores originais, sempre que possível; o respeito às linhas gerais de composição do edifício, de elementos originais e dos pilotis livres, sem cercamento.
Prédios bem preservados, segundo o CAU/DF
Confira os edifícios que podem receber o selo de valorização arquitetônica do CAU/DF e os arquitetos de cada projeto. Da esquerda para a direita:
SQS 203, Bloco C — Milton Ramos
SQS 303, Bloco A — Eduardo Negri
SQS 405, Bloco J — Paulo Barbosa Magalhães
SQS 309, Bloco E — Arnaldo Mascarenhas Braga
SQS 416, Bloco C — Eduardo Negri
SQS 311, Bloco F — Marcílio Mendes e T. Takada
SQS 312, Bloco F — Marcílio Mendes Ferreira
SQS 314, Bloco K — Eduardo Negri
SQS 210, Bloco C — Marcílio Mendes e T. Takada
SQS 204, Bloco K — Samir Kury
SQS 105, Bloco H — Hélio Uchoa
SQS 108, Bloco I — Oscar Niemeyer
SQS 113, Bloco F — Jaci Ferreira Hargreaves
SQS 113, Bloco H — Arnaldo Mascarenhas Braga
SQS 217, Bloco E — Francisco Dell Peloso
SQS 308, Bloco E — Marcelo Campelo e Sérgio R.
SQS 313, Bloco B — Manoel Hermano
SQS 402, Bloco K — Cornélio Moares Netto
SQS 404, Bloco K — Milton Ramos
SQN 416, Bloco H — Aleixo Furtado e Gerson Malty
SQN 112, Bloco E — Eliana Porto e Luiz A. Pinto
SQN 108, Bloco D — Manoel Hermano
SQN 107, Bloco F — Mayumi Watanabe e Sergio S.
SQN 106, Bloco F — autor desconhecido
SQN 205, Blocos I e J — Marcílio Mendes Ferreira
SQN 206, Bloco I — Marcílio Mendes Ferreira
SQN 315, Bloco D — Manoel Hermano
SQN 315, Bloco H — José Hipólito Camurça
SQN 411, Bloco F — Manoel Hermano
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Cores e azulejos
Autor de quase uma centena de blocos nas superquadras, Eduardo Negri foi colega dos mais presentes de Niemeyer. O uso da cor nas fachadas e os azulejos são marcas do seu trabalho. Na 314 Sul, todos os blocos foram projetados por ele. A 202 Sul também guarda projetos ainda preservados, como o bloco A, que foi restaurado.