Crônica da Cidade

Museu da República

Severino Francisco
postado em 28/10/2020 22:57

O Museu da República constitui um caso desconcertante. É uma das obras menos inspiradas de Oscar Niemeyer. Ganhou os apelidos de cuzcuz e de iglu. É um bloco de concreto maciço cercado de aridez por todos os lados. Perdeu completamente a contiguidade, a leveza, a transparência e o arejamento de outras criações do arquiteto. Niemeyer não concedeu um mínimo jardim para amenizar o ambiente.

Além disso, sempre sofreu com a precariedade da estrutura e das condições de trabalho. A Biblioteca Nacional nunca teve um acervo digno e, muitos anos depois, continua a funcionar da maneira mais insuficiente e improvisada. Inventaram uma biblioteca sem acesso a livros.

Por tudo isso, confesso que considerei que o Museu da República seria um fracasso espetacular. Mas, contra todos os prognósticos, aquele território foi abraçado pelos brasilienses e se tornou um dos espaços mais importantes da cultura na cidade. Ele tem muitos aspectos favoráveis desconsiderados.

É um ponto de passagem privilegiado da Rodoviária para a Esplanada dos Ministérios. As exposições são vistas por um público amplo, que, necessariamente, não se interessa por arte. É precioso para explorar as relações entre arte e educação. A exposição Atos — Teatro e dança, com fotos de Mila Petrillo, foi vista por 15 mil visitantes.

Os jovens se apropriaram do espaço para transformá-lo em palco das batalhas de poesia improvisada e em pista para manobras de skate. O Museu da República é o mais democrático espaço da cultura na cidade. É um território, eminentemente, público. É lá que rolam os shows gratuitos, você curte apenas porque é um cidadão, sente uma relação de pertencimento a Brasília.

No Museu, se consolidou uma linguagem singularmente brasiliense, na interação com a arquitetura, por meio da projeção de slides na cúpula do prédio, durante os shows musicais. E, enquanto isso, é maravilhoso mirar as noites brasilianas, cravejadas de estrelas.

A pendenga em torno do salário do diretor do Museu é um retrato do descaso com aquele importante espaço da cultura. Ela atravessa vários governos. Oferecem o salário de R$ 4.685 para um cargo de tamanha responsabilidade. É o que ganhavam os ex-diretores Charles Cosac e Wagner Barja. Para aceitar, o candidato precisa ter alguma vocação para herói ou filantropo.

Claro que, se quiserem, o governo e a Câmara Legislativa resolvem essa pendenga simples. Mesmo sem estrutura, o Museu da República foi apropriado pelos brasilienses como um dos espaços públicos mais importantes para a cultura da cidade.

Desmente a imagem negativa e distorcida que o restante do país tem sobre Brasília. Ele merece um tratamento à altura da sua relevância. Como dizia o embaixador Wladimir Murtinho: “Brasília não pode ser passiva e apenas receber cultura. Capital tem de irradiar”.

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