Uma folia diferente

Adriana Izel
 Luiz Philipe Tassy*
 Hellen Leite
 Fernando Jordão
postado em 29/10/2020 21:33
 (crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

Há relatos de que as primeiras folias de carnaval em Brasília surgiram antes mesmo da inauguração oficial da capital. No fim dos anos 1950, em locais como o Brasília Palace Hotel e em acampamentos na antiga Cidade Livre (atualmente Núcleo Bandeirante), já era possível ver comemorações durante a época festiva. No entanto, oficialmente, o primeiro carnaval no quadradinho, inspirado na temática carnavalesca do Rio de Janeiro, ocorreu em 1961, com pioneiros vindos de diferentes estados. Naquele ano, a farra tomou conta de clubes do Plano Piloto e da Cidade Livre. A festança era um desejo de Israel Pinheiro, o administrador de Brasília na época.

De lá para cá, a passos curtos, Brasília foi se tornando um importante polo carnavalesco. Muito dessa fama veio na esteira do crescimento do carnaval de rua nos últimos anos. Em 2019, por exemplo, a capital reuniu mais de um milhão de foliões. Mas a ascensão da grande festa pode ser freada por causa da pandemia de covid-19.

Com mais de 200 mil casos confirmados e 3,6 mil mortes em decorrência do novo coronavírus, o Governo do Distrito Federal anunciou que não realizará as tradicionais festas de réveillon e de carnaval em 2021. A decisão, tomada em consenso pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) e pelo governador Ibaneis Rocha, ainda não é definitiva, segundo o secretário Bartolomeu Rodrigues. “O adiamento do carnaval segue como parcial, pois necessita de um decreto para ser definitivamente cancelado, mas a Secec e o GDF não podem, nesse momento de pandemia, sem vacina, estimular aglomerações na rua. Logo, seguem na linha do cancelamento que deve ser oficialmente anunciado em breve”, explica.

Neste cenário, a folia de Momo na capital federal nunca chegou tão perto de não ser realizada, visto que o governo anunciou que não fornecerá a liberação de área pública e de subsídios para tais eventos em 2021. “Não haverá financiamento do carnaval, nem recurso público empregado em atividade que ofereça risco de saúde à população”, afirma Rodrigues.

Em 2020, iniciativas de diversos formatos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do Carnaval 2020, lançado pela Secec, contemplaram 51 atividades realizadas em sete regiões administrativas que, ao total, receberam mais de R$ 3,9 milhões. Estima-se que a folia injetou mais de R$ 200 milhões nos cofres do DF, e gerou cerca de 18 mil postos de trabalho.

Agora, diante do iminente cancelamento por conta da pandemia, os setores envolvidos nas comemorações falam quase que praticamente a mesma língua, prezando pela segurança e saúde da população.

O presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Brasília, Jael Antonio da Silva, reforça que apesar do prejuízo que o setor enfrentará com o cancelamento, o pensamento de proteção da população tem de ser prioridade. “Nós lamentamos profundamente, por conta do carnaval ser uma cultura do brasileiro e pelo grande prejuízo na rede hoteleira, de bares e restaurantes, mas neste momento a segurança tem de vir em primeiro lugar”, defende.

Em 2020, a expectativa da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do DF (Abih/DF) foi de que a taxa de ocupação dos hotéis estivesse em 32%, um aumento de 24% em relação a 2019. A capital figurou em 2º lugar na lista de destinos mais em conta com passagens e hospedagens durante o período de carnaval, segundo o levantamento do site de buscas Kayak.

Festa nas ruas
Grande parte da recente ascensão do carnaval do Distrito Federal vem da autenticidade dos blocos de rua. Com tradição desde 1978, os famosos bloquinhos bateram recorde de inscrições neste ano, com 180 grupos cadastrados espalhados por diversas regiões. A diversidade de ritmos, cores e até mesmo sabores faz com que entidades tradicionais como Asé Dúdú, Baratinha, Baratona, Bloco dos Raparigueiros, Galinho de Brasília, Mamãe Taguá, Menino de Ceilândia, Pacotão e Suvaco da Asa dividisse espaço com uma “nova geração”, representada, entre outros, por Divinas Tetas, Eduardo e Mônica e Essa Boquinha Eu já Beijei.

E é por meio dos bloquinhos, mais precisamente da Liga dos Blocos Tradicionais de Brasília, que ecoa um pedido de revisão do cancelamento da festa. Inicialmente, o grupo divulgou uma nota com alternativas para realização da folia. A primeira sugestão da liga, composta por oito blocos — Pacotão, Galinho de Brasília, Mamãe Taguá, Asé Dúdú, Menino de Ceilândia, Bloco dos Raparigueiros, Baratona e Baratinha — é a de que as comemorações sejam adiadas para agosto ou setembro de 2021, cumprindo todas as normas “sanitárias e científicas” em relação à pandemia. A segunda é a de que “sejam feitas audiências públicas virtuais com os agentes culturais carnavalescos e toda sociedade civil a respeito do tema”.

Presidente da associação, Paulo Henrique de Oliveira afirma que as medidas alternativas propostas pelo grupo, em nota, são um direito dos blocos. “Sabemos que não tem condição e também não queremos ter carnaval a todo custo por conta da pandemia. O que estamos propondo é uma medida alternativa, em datas alternativas. Esperamos este fomento do governo, e a realização alternativa das festas, pois é o recurso que nos é garantido por lei”, pontua.

Oliveira diz que os grupos também pensam em outras formas para marcar o feriado em si. Ele acredita que será um modo de manter o brasiliense em casa durante os dias do carnaval, movimentando o comércio de forma criativa. “Estamos estudando uma maneira. Podemos propor concursos de fantasias e de casas enfeitadas. O feriado vai existir, as pessoas não vão ficar trancadas em casa”, comenta. E ainda faz um apelo: “Não podemos perder um ano de trabalho. Por isso mesmo estamos puxando uma ideia para a data, de fazer algo criativo. A Secec que tem na nomenclatura a palavra criativa, precisa pensar em algo criativo para o período do carnaval, desde que não coloque a população e os profissionais em risco. Podemos ter a folia digital”.

Procurada pelo Correio para comentar a reivindicação dos blocos, a Secec manteve a posição de cancelamento. “Em diálogo com o Governo do Distrito Federal, (a pasta) segue rumo ao cancelamento das comemorações, com recursos públicos, do carnaval 2021, evitando a possibilidade de geração de aglomerações comuns à festividade. O governo está tomando as providências cabíveis para o cancelamento oficial. A Secec ainda não recebeu solicitação da Liga dos Blocos para revisão do cancelamento, mas permanece dialogando com todos os grupos”, diz, em nota.

Situação das escolas
Se entre os blocos é observada uma tendência de crescimento recente, as escolas de samba do DF vivem uma estagnação. Já são seis anos sem que as agremiações — algumas das quais existem desde 1962 — desfilem em formato competitivo. Havia uma expectativa de uma programação no aniversário de 60 anos de Brasília, frustrada pela disseminação do vírus. Mesmo assim, há quem mantenha as atividades, focando no digital. Foi o que fez a Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc), maior vencedora do carnaval candango. Em dois sábados, a escola promoveu lives para escolher o samba enredo.

“A gente não esperava por um carnaval normal. Mas o que causou certo espanto foi a determinação ter sido dura. Não só não vão fomentar, como falaram em colocar a polícia nas ruas. O que a gente vê como certo é pensar em alternativas”, argumenta Rafael Fernandes, atual presidente da Aruc. Até por isso, a escola manteve a escolha do samba. “O carnaval é uma expressão popular. Não é preciso cancelar por completo. Podemos buscar meios e o poder público auxiliar nesse processo. Nós fizemos a escolha do samba, como comemoração do nosso aniversário e numa maneira de nos mantermos em atividade”, completa.

Setor privado
O carnaval de Brasília também vem sendo marcado por festas e bailes realizados por empresas da iniciativa privada. Entre estes, um dos mais populares é o Carnaval no Parque, da R2 Produções. A festa de grande produção mistura artistas famosos de todo o Brasil com cantores locais, em apresentações dos mais diversos gêneros musicais. O evento já teve quatro edições, sendo a última com oito dias de folia, mais de 50 atrações e 100 horas de festa, incluindo shows no período de pré-carnaval.

Sócio e diretor comercial da R2, Bruno Sartório, idealizador do evento, acredita que a clandestinidade e o amadorismo podem tomar conta do setor caso o carnaval seja cancelado pelo governo. “É um prejuízo muito grande, levando em conta que diversas atividades já estão voltando. O setor de eventos continua sendo o mais prejudicado e o menos representado nos atos de liberação. Nós acreditamos que o grande risco é a clandestinidade. A partir do momento em que não se é permitido serem realizados eventos por profissionais ou empresas, esses eventos serão feitos por pessoas amadoras de forma clandestina”, antevê.

O empresário, para quem a folia de 2021 é uma grande oportunidade, conta que a produtora está em contato com a Secec para conseguir a liberação para realizar as comemorações “dentro dos protocolos de segurança e saúde”. “Queremos mostrar para Brasília e para o GDF que essa é, na verdade, uma grande oportunidade para o carnaval privado da cidade. Tanto para fomentar a cadeia produtiva, quanto pela questão turística, já que algumas capitais que são referência de carnaval, como são Salvador e Rio de Janeiro, também estão querendo adiar. Lógico, sempre respeitando os protocolos de saúde que estão vigentes.”

*Estagiário sob a supervisão de Fernando Jordão

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