Minha amiga e ex-companheira é russa e apaixonada pelo Brasil. A conheci enquanto ela morava em Brasília, após eu voltar do país dela e entrar em algumas frias por lá. Além da aventura de atravessar o Eixão moscovita, como contei neste espaço, em Niemeyer me salvou, houve confusão em um restaurante mexicano (civis bêbados exigindo meu passaporte). Dias depois, minha carteira foi batida por dois chechenos lutadores de jiu-jitsu em São Petersburgo.
Ironias do destino à parte, somos amigos até hoje e, às vezes, conversamos sobre nossas vidas durante a pandemia. Cada conversa on-line, ainda mais com pessoas vivendo realidades diferentes, acaba sendo uma crônica curiosa.
Enquanto ela comia o camarão seco de lá e tomava umas, lembrou da mesma iguaria que ela experimentou aqui, num quiosque que vende acarajé, no Núcleo Bandeirante. Pela foto, o camarão era igual ao do Bandera. Mas ela jurava que era diferente — talvez pela experiência. Na Rússia, o inverno está chegando e ela odeia isso, e sempre lembra do clima e das vivências daqui. E os quiosques do Bandeirante são demais.
Após um embate ‘whatsappiano’ sobre a diferença entre o camarão seco russo e o do quiosque de acarajé da Cidade Livre, ela se propôs a me enviar o de lá. Prometi enviar algo daqui também.
Lembrei-me que enquanto ela estava por aqui, andamos em busca de um cartão-postal de Brasília e de Taguatinga. Bancas de jornais, livrarias, sebos, lojas de R$ 1,99... Também andamos por alguns pontos turísticos no Plano, e não encontramos a porr* do cartão. O intuito era ser algo à moda antiga, enviado diretamente para a Rússia. E nada.
Caminhávamos sem compromisso por Taguatinga Sul, quando ela decidiu entrar em um mercadinho. Então o cartão-postal foi substituído por três sabonetes Phebo, um balde de paçoca, três miojos e uma Ypióca. “Big biznis”, grande negócio, como diz o ser caricato do leste europeu.
Prestes à viagem de retorno dela, falei que, talvez, pudéssemos encontrar o cartão-postal no aeroporto. Mas, nem agência postal havia mais por lá. E nada de cartão-postal na livraria. Enviar esse troço deve ser algo fora de moda por aqui — hábito pós-Guerra Fria, quando os russos começaram a turistar pelo mundo, tentei justificar-me silenciosamente.
Dias atrás, após ela falar que enviaria camarão seco russo, caviar (lá é bem barato) e outros tira-gostos, fiquei na dúvida sobre o que mandar para ela. Algo que lembrasse Brasília, mas que fosse diferenciado, além dos clichês.
O que são as coisas, além dos significados que damos a elas, além da memória afetiva? Antes de qualquer souvenir, clássico ou original, ela sempre lembrará do Phebo, da paçoca, do miojo e da Ypióca.
Por hora, deixarei de lado o cartão-postal, a foto da Catedral ou qualquer coisa que remeta a Niemeyer e Lúcio Costa. Ela prefere a pinga, o sabonete, a paçoca e o macarrão instantâneo. Eu ficarei feliz com o camarão seco e o caviar (talvez peça vodka, também). Feito o escambo internacional, falaremos no WhatsApp: “big biznis”.
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