A equipe EMA (Empowering Mobility and Autonomy - Empoderando Mobilidade e Autonomia - na tradução literal), formada por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), é a única da América Latina a participar do campeonato internacional de Cybathlon. O atleta paralímpico brasiliense Estevão Lopes é o escolhido para representar o time na competição, que ocorre nesta próxima sexta-feira (13/11). A disputa poderá ser acompanhada ao vivo por uma plataforma multimídia criada para o evento.
A competição mundial organizada pelo Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Zurique (ETH Zurique) surgiu a partir da ideia de um grupo de cientistas de popularizar a pesquisa de ponta. “Normalmente, os pesquisadores divulgam seus instrumentos de pesquisa por meio de revistas científicas, e lá o pessoal viu que isso criava um certo distanciamento até o usuário final. Nesse contexto de tecnologia, é primordial o feedback do usuário. Aí, eles quiseram reverter isso e pensaram em fazer um mega encontro científico com os principais cientistas da área de cada categoria e transformar em competição para chamar mais atenção, inserindo no evento científico o usuário final”, explica Roberto Baptista, pesquisador e professor da UnB no curso de engenharia eletrônica e responsável técnico pelo projeto. O objetivo é “quebrar as barreiras entre o público, as pessoas com deficiência e os desenvolvedores de tecnologia, além de promover a inclusão”.
Disputa
A competição internacional ocorre pela segunda vez na Suíça, a primeira foi em 2016. Devido à pandemia da covid-19, esta edição passou por adaptações. O evento, que seria na cidade de Zurique, será realizado mundialmente, nos países dos respectivos concorrentes. “A ideia da competição é que possa ocorrer a cada quatro anos na Suíça, como se fossem as Olimpíadas, só que com lugar fixo. O plano era acontecer em maio. mas, por causa da pandemia, foi adiada. Então, para que não fosse cancelada, a ideia foi fazer uma competição remota. Cada equipe vai competir no próprio país de origem. E, a organização mandou alguns equipamentos de arbitragem para cada equipe e treinou um corpo de árbitros internacionais que vão atuar na competição,” descreve Roberto.
A chamada "Edição Global" conta com a participação de 70 equipes de 23 países. Em Brasília, a equipe EMA irá realizar a prova no Clube Cultural e Recreativo Nipo Brasileiro, localizado no Setor de Clubes Esportivos Sul. Serão seis modalidades de corrida:
- Interface Cérebro-Computador (pilotos com tetraplegia usam interfaces cérebro-computador para controlar avatares em um jogo de computador);
- Bicicleta por estimulação elétrica funcional (para pessoas paraplégicas);
- Prótese de braço motorizada (para pessoas com as mãos amputadas);
- Prótese de perna elétrica (para pessoas com as pernas amputadas);
- Exoesqueleto elétrico (para pessoas paraplégicas ou tetraplégicas );
- Cadeira de rodas elétrica (para pessoas paraplégicas).
Esta é a segunda vez que a equipe brasiliense participa da competição. “Uma das coisas que eu acho incrível é que as provas são colocadas no contexto de como as tecnologias seriam usadas no cotidiano. Na prova para amputados de mão, por exemplo, um dos desafios é identificar os objetos de diferentes formas e materiais apenas por meio do contato com suas próteses”, aponta Estevão.
A programação tem duração de dez horas na sexta-feira (13/11), e incluirá corridas de qualificação, informações complementares sobre os pilotos e equipes, além de análises das tecnologias e entrevistas com especialistas. As quatro melhores equipes em cada categoria irão competir nas corridas finais, no sábado (14/11), também disponíveis ao vivo na plataforma.
“A nossa prova é o ciclismo; temos um triciclo e o Estevão tem que pedalar como se fosse em uma pista de ciclismo indoor, dando voltas na pista. A mudança foi que eles mandaram um equipamento que transforma o nosso triciclo em uma bicicleta ergométrica. A gente troca a roda traseira por um rolo computadorizado, e este rolo de alta tecnologia transmite em tempo real as estimativas de distância, força, cadência e velocidade para um computador na Suíça. Então, todas as equipes em diversos países vão fazer isso e transmitir tudo online. E todos vão mandar o resultado no mesmo formato, é bem justa a competição,” assegura Roberto.
Os competidores do Brasil contam com apoio da Embaixada da Suíça e da agência de promoção de inovação do país, a Swissnex, para organizar o evento e realizar a transmissão da prova. Além das competições, os pesquisadores mostraram suas inovações em um simpósio. O time brasiliense apresentou dois trabalhos.
O piloto
Paraplégico, Estevão Lopes é o responsável por pilotar a bicicleta ergométrica desenvolvida para a competição. “Eu estou no projeto EMA desde 2015, mas eu já era atleta de alto rendimento, e aí, uma das fisioterapeutas do projeto, a Juliana, viu a minha história e me convidou pra ser um dos voluntários”, lembra o esportista.
O piloto da equipe ficou paraplégico em março de 2012, ao ser atingido por uma bala perdida ao sair do aniversário de um amigo, no Riacho Fundo. “Eu tive a sorte de ter, aqui, em Brasília, o hospital Sarah Kubitschek. O Sarah, hoje, não é só referência nacional, mas referência mundial, e lá existe uma dinâmica de reabilitação que eles ensinam como realizar as atividades do cotidiano e, realmente, reabilitar para essa nova realidade. Eles têm um programa chamado Vivência Esportiva que te mostram vários esportes paralímpicos de uma forma lúdica. Você experimenta e vê se gosta ou tem perfil para algum. Eu não tinha pretensão nenhuma de ser atleta de alto rendimento, mas passando por esse programa, o esporte meio que foi um caminho pra eu me reinventar e me transformar,” afirma o atleta.
Desde 2013, Estevão competiu em mais de 30 países nos esportes de vela adaptada, remo paralímpico, paracanoagem e do FEScycling, a categoria no Cybathlon. “A minha rotina já era bem puxada, então, quando a fisioterapeuta veio com essa história e falou que eu podia até voltar a pedalar, eu não acreditei, porque eu não mexia nem o dedo, quem dirá pedalar. Aí ela me procurou umas três vezes e falou pra eu só testar se daria resultado ou não. Eu fui. Ela colocou uns eletrodos na minha perna, e a perna mexeu. A partir daí, fui me integrando mais e quis saber do projeto. Agora, piloto o triciclo que faz parte da prova de ciclismo assistido por estimulação elétrica para pessoas com paraplegia. Nas coxas eu recuperei a musculatura de antes do acidente, a circulação, a cicatrização, e, o principal pra mim, que é a questão psicológica. Fico sem palavras pra dizer o quanto melhorou a minha vida.”
Trabalhos
A pesquisa em questão consiste em provocar movimentos mesmo em membros paralisados, utilizando pulsos elétricos a partir de um computador pra substituir o que seria a ação do cérebro. A tecnologia foi desenvolvida pelo professor de engenharia da UnB Antônio Padilha e atualmente o projeto é coordenado por Roberto Batista e pelo atleta Estevão Lopes. “O projeto surgiu porque, na UnB, já existia uma interação das linhas de pesquisa das engenharias mecânica, elétrica, eletrônica, mecatrônica, computação com a educação física e com a fisioterapia. Então, quando apareceu o anúncio da primeira edição do Cybathlon, em 2016, a gente se organizou para participar e foi um sucesso", explica Roberto.
Na prática, a proposta desenvolvida pela equipe brasiliense, e levada à competição, proporciona mobilidade para pessoas deficientes através de estímulos elétricos. No processo de reabilitação, o estúmulo da força muscular do paciente gera movimento nas partes do corpo paralisadas. Os engenheiros desenvolveram uma interface, que é um mini computador do tamanho de um celular, que faz o papel do cérebro, enviando choques elétricos para o corpo. A interface manda o comando para o aparelho e o aparelho manda o choque para os músculos localizados na parte de cima e de baixo da coxa e dos glúteos, gerando o movimento da pedalada.
Com o fortalecimento dos músculos, que estão preparados para receber o choque, a perna se move de acordo com a capacidade física do paciente. “O sistema desenvolvido, com a ajuda de sensores distribuídos pelo triciclo, detecta qual é a posição da perna e manda mais, ou menos, corrente elétrica para estimular o músculo, gerando contração de forma coordenada. Ao receber o estímulo elétrico, o músculo se contrai e o suporte estrutural acoplado na perna entra em movimento”, explica o pesquisador.
As pesquisa realizadas pelo time EMA foram publicadas em revistas científicas ao longo dos últimos quatro anos. “Temos dezenas de artigos publicados sobre as pesquisas do projeto e o depósito de uma patente, aqui no Brasil, desse sistema. A gente trabalha não só pra competir, mas para levar essa tecnologia para o grande público. A ideia é manter o projeto vivo, e o próximo passo é aplicar essa tecnologia em um número maior de pessoas e, daqui a uns cinco anos, pensar em aplicar essa tecnologia de forma comercial, começar a implementar isso em clínicas de fisioterapia” conclui Roberto.
Para acompanhar a transmissão das competições clique aqui.
*Estagiária sob a supervisão de Ed Wanderley
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