SAÚDE

Idosos do DF que venceram a covid-19 falam sobre a experiência

Considerados do grupo de risco, idosos do Distrito Federal falam sobre a experiência com a doença, desde o diagnóstico após os 60 anos até o sentimento de alegria com a volta para casa e a recuperação

Caroline Cintra
Ana Clara Alves*
postado em 10/11/2020 06:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Eles fazem parte do grupo com mais chances de apresentar um quadro grave da covid-19. Agora, os idosos que conseguiram se recuperar da doença tentam levar uma vida melhor e mais saudável. Desde o início da pandemia, muitos redobraram os cuidados, para evitar a infecção pelo novo coronavírus. No entanto, o medo de não melhorar acompanhou-os desde antes do diagnóstico, pois pacientes com mais de 60 anos lideram o ranking de mortes provocadas pelo Sars-Cov-2. Para quem teve a oportunidade de sobreviver a essa fase difícil, a superação veio acompanhada de uma alegria de viver mais intensa. Brasilienses com mais de 60 anos que enfrentaram a covid-19 contam ao Correio como passaram pelo tratamento e compartilham relatos sobre a vida após a contaminação.

Moradora de Taguatinga Sul, Maria Ivone Costa Brandim, 62 anos, tomava todos os cuidados em casa, antes de ser diagnosticada com a covid-19. Ela saía apenas para ir ao mercado, mas sempre usando máscara e álcool em gel nas mãos. Mesmo com o medo e com as restrições impostas, a aposentada tentou seguir com a vida. Porém, um dia, sentiu dores nas costas e visitou um posto de saúde. Ela não passou pelo teste para detecção da doença, mas recebeu uma medicação e voltou para casa. De madrugada, começou a sentir febre e acabou na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Recanto das Emas.

O diagnóstico saiu no fim de maio. “Precisei ficar 14 dias internada no Hospital de Campanha do Mané Garrincha, porque tive 50% do pulmão comprometido. No início, eu não acreditava que a doença fosse tão terrível. Só quando a gente pega sabe o quanto é sério”, ressalta Maria Ivone. “Faz muito tempo que saí (da unidade de atendimento) e, até hoje sinto dores, no pulmão. Era desesperador. Fiquei apavorada, porque dependia do oxigênio até para ir ao banheiro”, relata.

A alta médica veio acompanhada do alívio. Embora estivesse fraca, devido ao tratamento e à gravidade da doença, a aposentada considera que superar a fase de contaminação gerou uma sensação boa. “Traz esperança. Espero não pegar mais uma vez”, completa. O marido dela, Humberto Brandim Lima, 62; a filha dela, Amanda Costa Brandim, 40; e o neto, Arthur Brandim Bianchi, 8, também tiveram a doença e estão recuperados. Mas, entre todos eles, Maria Ivone foi a única que precisou de internação.

Com Maria da Conceição Souza, 74, a situação não terminou da melhor forma. Embora tenha vencido a covid-19, ela perdeu o marido, João Teobaldo Silva Pereira, 77. Os dois descobriram a doença na mesma semana e foram internados no Hospital de Base, em 17 de agosto. Ele teve 60% do pulmão comprometido; ela, 55%. “Nós dois estávamos em estado grave. Ele morreu em uma quinta-feira, e deixaram para me contar uma semana depois, porque eu vinha me recuperando bem. Mas Deus estava me preparando para aquela perda. Eram 53 anos de casados, cinco filhos. Não é fácil”, lamenta a aposentada.

Maria da Conceição conta com o acompanhamento de um fisioterapeuta, para recuperar-se mais depressa. Apesar da melhora, ficaram sequelas. “Só tenho a agradecer mesmo, porque estou viva. Estou velhinha, mas amo viver”, comemora. “Acho que a maior dádiva é poder ter mais uma chance. Eu tive e não vou desperdiçar. Hoje, quero minha família mais perto. Assim como meu marido gostava de ver a casa sempre cheia, com os netos correndo por toda parte, sei que ele está me olhando e que quer me ver bem”, acrescenta.

Contato

Teresinha França, 67, sempre preferiu ficar dentro de casa. Com a pandemia, intensificou esse hábito, assim como os cuidados com a higiene. Mesmo assim, acabou infectada pelo novo coronavírus. “Não sei como peguei a doença. Desconfio que tenha sido com meu filho, que trabalha em hospital”, conta. O filho, Marcelo Vianna, 43, trabalha no Hospital de Base, na área de captação de órgãos. Ele também se contaminou, mas teve sintomas leves.

A doença apareceu de forma discreta. Teresinha começou a ficar sem apetite, desanimada, aérea e sem forças até para escovar os dentes. A moradora do Riacho Fundo 1 passou 15 dias internada no Hospital das Forças Armadas (HFA), com febre, falta de ar e 75% dos pulmões comprometidos. Felizmente, não precisou ser intubada.

A parte mais desesperadora, recorda-se Teresinha, foi não poder receber visitas. Durante a internação, ela só conseguiu ver os filhos e o marido por videochamada. A força para lutar contra a doença ficou maior quando o filho Marcelo apareceu para ver como estava a mãe. “Sou uma pessoa muito família. Pensei que não fosse voltar para casa e só orei e pensei ‘Tenho de viver pelos meus filhos e netos’. Os fisioterapeutas até vieram com o celular, para eu poder falar com meus parentes, mas eu não conseguia, só sabia chorar”, diz.

Hoje, recuperada, Teresinha ainda sente muito cansaço e precisa fazer exercícios de respiração, para fortalecer os pulmões. Apesar disso, ela sente-se vitoriosa por ter se recuperado e da covid-19. “Tenho de agradecer a dedicação que os médicos tiveram comigo. Tive muita fé e recebi muito carinho”, completa.

Emoção

A volta para a casa do aposentado João de Paula Félix, 94, deixou todos tomados pela emoção. A recepção ficou a cargo da mulher, Irene Félix, 83, que recebeu o marido de braços abertos. Os vizinhos do mesmo prédio aguardavam o retorno ansiosos, nas janelas, prontos para receber o colega com aplausos. O sorriso no rosto revelava a vontade de viver. “Ele sempre fez atividade física e se alimenta super bem, porque gosta de ser saudável. Ele é meu herói, meu ídolo. Eu esperava que ele fosse sair bem dessa. Ele é forte demais”, relata Beto Félix, 59, filho de João de Paula.

O idoso também é avô do deputado distrital Fabio Félix (Psol). Na data em que saiu do hospital, o parlamentar publicou um vídeo nas redes sociais, com registros de toda a trajetória na unidade de saúde em que ficou João de Paula. “Meu avô venceu a covid-19. Eu estou muito feliz e não tenho palavras para explicar. Só tenho a agradecer a todas as pessoas que mandaram mensagens positivas. Vovô Félix, a gente te ama”, publicou o parlamentar.

João de Paula saía de casa apenas para ir a consultas médicas, mas sempre com máscara e um frasco de álcool em gel. Ele passou 40 dias no hospital. Hoje, em casa, é acompanhado por uma enfermeira, que auxilia com a fisioterapia e a ginástica. “Ele ficou intubado na UTI (unidade de terapia intensiva) e ficamos com medo de ele não aguentar, porque teve 60% do pulmão comprometido. Chorei por três dias seguidos, quase desidratei. Um amigo meu era atleta e morreu novo por causa dessa doença”, comenta Beto. “Ele (o avô) sempre foi muito perseverante. Quando começou a receber visita, teve mais forças para querer sair dali”, completa o neto.

*Estagiária sob supervisão de Jéssica Eufrásio

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Palavra de especialista

 (crédito: Arquivo Pessoal)
crédito: Arquivo Pessoal

Acolhimento

Para se recuperar bem, é preciso trabalhar o pensamento positivo e escolher ficar bem. Fazer o tratamento certo, alimentar-se da forma adequada, hidratar-se, além de manter o pensamento positivo e firme de que vai haver uma melhora. É preciso dedicar-se a isso. A doença fica impregnada na cabeça. Assim, sentimentos como medo e ansiedade podem atrapalhar. O ideal é ter pensamentos tranquilos e positivos. Se o paciente está em casa, é sinal de que o organismo está reagindo bem. Por isso, o apoio familiar e de amigos é fundamental. O idoso tem necessidade de estar com os parentes por perto, de ser acolhido. Quando estamos debilitados, o aconchego é ainda mais bem quisto. Como não se pode manter o contato físico nesse período de recuperação, vale manter a proximidade por meio de videochamadas, ligações. Tudo isso faz com que o paciente se sinta mais querido, e isso acalenta.

Raquel Estrela é psicóloga clínica.

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação