ARTISTA

Escritora e produtora Meimei Bastos é referência cultural em Samambaia

Escritora, produtora cultural e educadora, Meimei Bastos é referência cultural em Samambaia, cidade onde mora desde criança. Dedicada a diferentes frentes, ela atua para transformar a realidade da periferia do Distrito Federal por meio da arte

Tainá Seixas
postado em 20/11/2020 06:00 / atualizado em 20/11/2020 12:08
 (crédito:  Minervino Júnior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

“Eu não sou concreto, eu sou quebrada!” É com essa afirmação que Meimei Bastos termina o poema Eixo, do livro Um verso e Mei. A obra, primeira publicada pela poeta de 29 anos, escancara os contrastes entre o Plano Piloto e a periferia do Distrito Federal. Escritora, educadora e produtora cultural, a moradora de Samambaia tem a região administrativa como musa para uma obra artística que busca mudar o imaginário sobre a periferia e realçar as potências das margens da capital do país.

“As narrativas compartilhadas a respeito das periferias do DF são de que elas são lugares de carência e criminalidade. Não é compartilhado que há uma produção cultural, que existem poetas, artistas, músicos e compositores dentro das periferias, nem que eles são artistas muito qualificados. Busco parar de fortalecer a ideia de que na quebrada só existe crime, dor e sofrimento”, destaca Meimei.

Com esse propósito em mente, ela criou o Slam Q’Brada, um campeonato de poesia falada com artistas do DF e Entorno. A competição itinerante passa por diversas regiões administrativas, onde os poetas apresentam textos autorais e recebem nota por eles. Meimei acredita que movimentos como esse, de fomento à cultura, podem dar novas referências e possibilidades aos jovens de fora do Plano Piloto. “Acredito que você só sonha com o que vê. Como vai sonhar em ser escritor, poeta, advogado, diplomata, político se você não está em contato com essas carreiras no dia a dia? É um sonho muito distante. A intenção com o Slam é justamente encurtar isso. Trazer essas figuras e a possibilidade de sonho para a periferia”, comenta.

Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora.
Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora. (foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

Filha de uma empregada doméstica e um comerciante, a escritora sempre estudou em escolas públicas do Distrito Federal. A conexão com a literatura começou na infância, por meio das histórias contadas pelos pais, pelas tias, vizinhas e, principalmente, pela avó. Mas foi Pixinguinha quem a impactou com a palavra escrita, pela primeira vez, nos versos de Carinhoso. “Vi um trechinho e foi como se um universo se abrisse pra mim. Fico emocionada, porque foi lindo. Eu era pequena e, naquele momento, senti muita vontade de fazer algo igual, de fazer das palavras algo bonito”, recorda-se.

História

No ensino fundamental, Meimei tornou-se uma leitora voraz. Ela começou a refugiar-se na biblioteca da escola por sofrer bullying dos colegas, devido à cor da pele e à religião que seguia — à época, ela seguia a crença dos pais, o espiritismo. “Para me proteger das ofensas e da violência, eu ia para lá (a biblioteca), onde encontrei Maria Carolina de Jesus, Machado de Assis. Depois desse encantamento todo, já escrevendo, tornei a escrita e a literatura meu escudo e minha flecha”, relata.

Aos 18 anos, a poeta tornou-se mãe. Sem divisão igualitária das responsabilidades com o pai da criança, sustentar a filha sozinha não foi tarefa fácil. A sobrecarga pelo excesso de tarefas da maternidade quase a adoeceu. “Tive situação de dificuldade mesmo, de chegar no fim do mês e não ter comida na geladeira. Tudo isso eu passei porque vivemos em uma sociedade patriarcal, que sobrecarrega as mulheres e tira a responsabilidade dos homens. Não quero fortalecer essa imagem de guerreira, porque isso adoece a gente. Temos de dar conta de situações porque os homens não tomam esse lugar, porque eles não assumem as responsabilidades que eles têm”, observa.

Mesmo com os obstáculos, Meimei considera que a maternidade abriu portas para ela. “Minha filha veio para somar. Eu poderia ter desistido de todos os meus sonhos, mas foi a partir de minha filha que sonhei ainda mais. A Sofia estava ali, me dando força, e ela nem sabia. Aquela mãozinha (da criança) acalentou muito o meu coração”, completa a escritora.

Inspiração

Professora de artes na Secretaria de Educação desde o ano passado, Meimei dá aulas em uma escola pública de Samambaia. O envolvimento, desde cedo, com produções culturais como cineclubes, saraus e apresentações colocou-a em destaque. Aos 24 anos, a poeta venceu o primeiro Slam das Minas e representou o DF no Campeonato Nacional de Poesia Falada — Slam BR. A oportunidade levou-a para fora da capital federal pela primeira vez. “Tive contato com outras pessoas, vi outras realidades e ter essa experiência me fez querer fazer o Slam Q’Brada”, conta.

Na publicação de Um verso e Mei, em 2018, a moradora de Samambaia abordou temas como racismo, machismo, intolerância, elitismo e luta de classes. “São questões importantes de serem trabalhadas porque sou atravessada por elas.” Com a obra, Meimei tornou-se uma das autoras selecionadas para o projeto Mulheres Inspiradoras, da professora Gina Vieira Ponte, que busca dar visibilidade e representatividade às figuras femininas por meio de literatura feita por mulheres e sobre o feminino.

Para Gina, o trabalho de Meimei subverte conceitos estereotipados. “Ela pega essa representação que nos estigmatiza como menores, como menos potentes, como marginais e mostra a potência, a beleza, as contradições, os desafios, as dificuldades, a geografia, a paisagem, o panorama dessa periferia que tem uma manifestação cultural muito forte, eloquente. Uma periferia que não se cala diante das opressões”, avalia a professora.

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  • "Você só sonha com o que vê. Como vai sonhar em ser escritor, poeta, advogado, diplomata, político se você não está em contato com essas carreiras no dia a dia?" Meimei Bastos, escritora Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora.
    Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora.
    Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora.
    Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora.
    Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora.
    Escritora Meimei Bastos que lançou um livro de poesia que faz parte do programa mulheres inspiradora. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press

Transformação social

Apesar de Santa Maria ser onde Meimei nasceu, Samambaia é a quebrada da poeta. Essa região administrativa, onde ela mora desde os 8 anos, tornou-se a principal inspiração do trabalho de escrita. A poeta relata que, como outros jovens marginalizados, tinha a autoestima baixa, devido às narrativas contadas sobre a vizinhança e a população da área. No entanto, tudo mudou depois do contato com diferentes ideias, grupos de debate e literaturas, em especial narrativas de mulheres negras e periféricas.

Com o companheiro, Daniel Sabino, Meimei inaugurou, há pouco mais de um mês, o espaço cultural Caracas, Véi, em Taguatinga. A ideia é contribuir para a descentralização de uma cultura concentrada no Plano Piloto. O espaço é pensado para que as pessoas se sintam acolhidas, confortáveis para se alimentar com comida e arte, bem como para apresentarem trabalhos autorais. “Durante muitos anos, eu sentia vergonha de ser negra e de morar na expansão de Samambaia, porque tudo o que eu ouvia era ruim. Quando me dei conta de que o centro (o Plano Piloto) dependia da gente, de que minha mãe levantava às 5h para ir fazer faxina na casa dos senhores e de que eram essas pessoas que dependiam dela — não ela deles —, tudo isso me deu autoestima, dignidade e possibilidade de sonhar”, assinala Meimei.

Com a filha nascida, Meimei entrou na Universidade de Brasília (UnB) em 2013, no curso de ciências naturais. Ela passou por outras graduações até terminar no curso de teatro, no qual se formou. Atualmente, é mestranda em culturas e saberes, também na instituição de ensino, e faz pesquisas sobre slams como espaço de educação.

As conquistas também vieram com luta no espaço acadêmico. Na universidade, Meimei teve a intelectualidade contestada por professores e chegou a ser repreendida por levar a filha para a sala de aula. Toda a história de resistência, resiliência e empoderamento se reflete na educação que dá à filha, Sofia, de 10 anos. A menina cresce orientada para ser o que quiser, e o sonho de Meimei é que essa liberdade transborde a própria casa. “A gente precisa sonhar para além do que o sistema nos dá. Quero ver meu povo, meus pares emancipados, tendo dignidade, vivendo bem. Meu sonho é de um país igualitário, onde todos tenham os mesmos acessos. Podem dizer que é uma utopia, mas, do fundo do coração, trabalho para isso. Acredito que isso é possível”, completa.

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