Cheguei, ontem, para trabalhar e a notícia que mobilizava a Redação era a morte de um homem negro espancado e depois asfixiado em frente a um supermercado de Porto Alegre, na noite de quinta-feira, véspera do Dia Nacional da Consciência Negra. A proximidade do crime e da data me fez lembrar, primeiro, de Galdino dos Santos, o indígena queimado vivo em uma parada de ônibus de Brasília, justamente após a comemoração do Dia do Índio. Depois, pensei na Carmen.
Falo de Carmen Souza, mulher negra, jornalista deste Correio, apresentadora do programa CB.Saúde, na TV Brasília, e subeditora de Ciência e Saúde, editoria onde fomos colegas durante anos. É, também, alguém que tem me dado importantes lições nas vezes que conversamos. Pensei nela porque esse assassinato, mais um, é uma contracorrente poderosa a uma de suas maiores preocupações: a de que os negros não sejam retratados apenas como vítimas da violência e do racismo — que, sim, existe no Brasil, senhor vice-presidente.
Antes de aqueles que adoram acusar as minorias de “mimimi” se animarem, achando que Carmen concorda com eles, explico logo que não se trata disso. Minha amiga sabe, sente e se revolta com o racismo. Tem, também, uma série de situações em que foi discriminada devido à cor da pele para contar. Mas, ela sabe, também, que não é só a pessoa que sofreu e sofre com o racismo. É mais. É profissional bem-sucedida, mulher inteligente, futura psicóloga que fará a diferença. É vítima, sim. Mas, é várias outras coisas dignas de nota e de admiração. Logo, não quer que ela e todos os negros sejam vistos apenas quando sofrem. É hora de mostrar suas conquistas, realizações. É hora de serem vistos como exemplos a serem seguidos. É essa sua preocupação.
E a mensagem, que não é só de Carmen, mas de vários ativistas, é cada vez mais ouvida e influencia, por exemplo, a linha editorial deste jornal. No ano passado, neste mesmo mês, o Correio publicou um conjunto de reportagens que mostrava justamente mulheres e homens negros que se tornaram referência nas mais variadas áreas, como educação, medicina, esportes, direito, cultura. A série Histórias de Consciência foi finalista este ano do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, um dos mais importantes do jornalismo nacional.
Neste ano, o jornal continua imbuído da vontade de mostrar histórias positivas protagonizadas por negros. Primeiro, porque elas existem aos montes. E, segundo, porque entende a importância de as novas gerações crescerem sabendo que o talento e a capacidade não escolhem cor de pele quando oportunidades são dadas a todos. Porém, no dia em que se celebra o valor dos brasileiros de pele preta, um assassinato brutal rouba a cena. Como se a intenção fosse a de desanimar Carmen e os que pensam como ela. Mas, isso não vai ocorrer. Negros ainda morrem de forma brutal, sim. Mas, também brilham. Minha amiga é uma das muitas provas.
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