HISTÓRIAS DE CONSCIÊNCIA

Conheça Rafael Nunes, que usa o teatro para combater o racismo estrutural

Ator do grupo Elementos Pretos, o professor de artes cênicas Rafael Nunes promove discussões sobre o racismo estrutural no Brasil há oito anos, em cima dos palcos. Por meio do teatro, ele leva adiante questões urgentes sobre a temática étnico-racial

Thais Umbelino
postado em 02/12/2020 06:00 / atualizado em 02/12/2020 06:40
 (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
(crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

Protagonismo é a palavra que define Rafael Nunes, 45 anos, nos palcos e no movimento negro. O ator, diretor e professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal carrega na história a luta pela igualdade e pelo fim do racismo. Por meio do grupo de teatro Elementos Pretos, ele leva adiante a responsabilidade de questionar e discutir o racismo cotidiano e, acima de tudo, a missão de resistir.

O interesse pelo debate racial nos palcos teve início quando Rafael ingressou na faculdade de artes cênicas, em 1999. “Quando comecei o curso na UnB (Universidade de Brasília), passei a refletir sobre as dificuldades de um jovem negro. Naquela época, menos de 2% dos estudantes eram negros. Você também começa a perceber que não é representado nem nos conhecimentos: não há autores e estudos que te descrevam”, analisa o professor.

O racismo sofrido na pele fez com que ele buscasse ainda mais a representatividade. Após vivenciar um caso de discriminação racial durante uma festa no Centro Comunitário Athos Bulcão, na UnB, Rafael decidiu unir forças com outras pessoas negras. “Estávamos indo para uma festa. Três homens negros e uma mulher negra, além de duas mulheres brancas. Na entrada (do evento), os seguranças nos cercaram — apenas os negros —, e um deles me acusou de ter roubado cerveja. A partir desse fato, começamos a pensar em uma organização, de forma mais política”, conta o professor.

Em 2001, nascia o coletivo EnegreSer. “Com ‘S’ maiúsculo mesmo, para reforçar a identidade e o pertencimento negro”, explica Rafael. “Criamos um fórum para debater questões étnico-raciais na universidade. As dificuldades eram resolvidas em coletividade negra. Essa foi a força do motor”, acrescenta.

Cotas raciais

Outro alicerce de representatividade importante para o professor é a família. Pai de Bento, 5, e de Maria Rosa, 9, Rafael conta que batalha, no presente, focado em um mundo sem preconceitos e desigualdades para as futuras gerações. “Minha mulher foi integrante do EnegreSer e aluna da primeira turma cotista da UnB”, diz. “A gente sempre teve como pauta cotidiana a questão da cor e a consciência de coletivo. É um processo importante”, ressalta Rafael.

Filho de pioneiros oriundos da Bahia, o brasiliense foi o primeiro dos nove irmãos a ingressar em uma universidade, depois de tentar por dois anos. “Apesar das dificuldades, estava obstinado e só parei quando consegui”, recorda-se. A nova fase estudantil mudou os rumos da vida de Rafael. Em 2002, ele foi um dos protagonistas das conversas para implementação do sistema de cotas raciais na UnB. “Quando o assunto passou a ser discutido, nós, enquanto coletivo, entramos no jogo e nos debates. Pressionamos a reitoria com reuniões, criamos um encontro de estudantes negros e fizemos um material com divulgação das cotas”, complementa.

O ativista relata que, à época, os ânimos na UnB estavam aflorados. “A maioria era contra as cotas, e os discursos davam ao ambiente um clima muito hostil. Os comentários sobre as cotas beiravam a violência. Alguns diziam que (o sistema) diminuiria a qualidade (do ensino) da universidade; outros falavam que era preciso melhorar, primeiro, as escolas públicas. Usavam esses argumentos para não aceitar que se pudesse ter uma cota exclusiva para os negros”, critica Rafael.

Carreira

Em 2003, a comunidade acadêmica aprovou a adoção das cotas raciais, implementadas no ano seguinte. Ao concluir o ensino superior, em 2006, Rafael começou a dar aulas de educação artística na Secretaria de Educação, por meio de contrato temporário. Em 2009, ele foi selecionado para fazer mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e, após concluir o curso, voltou para Brasília. “Em 2012, passei no concurso da secretaria e assumi (a vaga efetiva) no ano seguinte”, detalha o professor.

Além dos serviços prestados em sala de aula, Rafael dedica-se ao ensino por meio de peças teatrais, organizadas pelo coletivo de teatro negro Elementos Pretos. “Em nossas apresentações, discutimos questões raciais, a história do negro no teatro e promovemos debates com a plateia, falando sobre os elementos da estética (teatral) e a questão das políticas do racismo”, conta.

As atividades do grupo começaram em 2013, com três integrantes. Hoje, 10 pessoas participam do projeto. “Nossas peças sempre têm elementos e construções históricas, além de referências da literatura negra como foco para questionar os racismos praticados no Brasil”, descreve. Antes da pandemia, o coletivo percorria o Distrito Federal, principalmente nas regiões administrativas, para ampliar as discussões. “Há diversos tipos de reações da plateia. As peças, normalmente, têm passagens mais reflexivas e tensas, mas o perfil característico é mais festivo e de entretenimento. Usamos também elementos do rap e hip-hop.”

Além do teatro, em apresentações ao vivo, Rafael discute na internet sobre o cotidiano dos negros e processos de resistência. Pelo site teatronegrodf.com, o coletivo Elementos Pretos comanda a rádio virtual EscapeFM, onde os ativistas levantam discussões com abordagens reflexivas e manifestações poéticas performáticas sobre a negritude. A programação inclui desde debates entre integrantes do coletivo e convidados até a reprodução de músicas de artistas negros. O nome da rádio convida o público a escapar dos conflitos internos que o racismo provoca nos indivíduos, segundo Rafael. “Todos os coletivos seguem uma cartilha e devem ter uma mídia própria. No nosso caso, é o rádio”, explica Rafael.

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