Crônica da Cidade

por Alexandre de Paula alexandredepaula .df@dabr.com.br (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

Correio Braziliense
postado em 04/12/2020 21:54 / atualizado em 04/12/2020 21:54

Hotel boutique

“É bom! Passar uma tarde em Itapuã / Ao Sol que arde em Itapuã / Ouvindo o mar de Itapuã / Falar de amor em Itapuã.” Por muito tempo, uma amiga — que, aqui, chamaremos de Jéssica — desejou um fim de semana ao som de Vinicius de Moraes e Toquinho na famosa praia da Bahia. Planejou estar sob o guarda-sol, respirando profundamente satisfeita enquanto a brisa úmida lhe fazia companhia. Tempos atrás, concretizou o desejo, mas a história, como costumam ser todos os sonhos na prática, teve nuances inesperadas.

Peço perdão aos leitores, porque sei que nunca conseguirei superar a narrativa performática de Jéssica, depois de uns goles de cerveja, repleta de lampejos teatrais e interpretações dramáticas da história. Tentarei, entretanto, transmitir a vocês um pouco do relato dela, e me perdoem (perdoe-me, Jéssica) a imprecisão.

Tudo começou, com o perdão do clichê, com um amor de verão fora de época, daquelas paixões à primeira vista que começam em saguões de aeroporto (no caso, o de Brasília), à espera de voos atrasados que parecem nunca chegar. De longe, Jéssica viu um rapaz simpático, enquanto tomava um café e aguardava a chamada para os portões. Lançou a ele um sorriso simpático, que o sujeito retribuiu de pronto. Não demorou para que estivessem conversando e reclamando da demora nem para que ela se encantasse pelo sotaque baiano do moço — que, aqui, chamaremos de Pedro.

Jéssica, em uma técnica de flerte que, até então, eu desconhecia, sacou da mochila um cartão de visitas e disse que, se ele precisasse de algo em Brasília, poderia procurá-la. Horas depois, já no hotel, chega à tela do celular dela uma mensagem de Pedro. Era um convite para um jantar no dia seguinte. Jéssica titubeou, mas lembrou do papo bom, do sotaque carregado e topou.

Pedro, em um golpe de sorte e sem saber dos sonhos de Jéssica, decidiu levá-la ao restaurante Casa Di Vina, montado em um lugar onde o poeta Vinicius de Moraes e a atriz Gessy Gesse viveram em Itapuã. Pouco depois, Pedro se levantou e voltou com uma chave. E um convite. No local, há, também, um hotel boutique (não me pergunte o que diabos é um hotel boutique, não sou sofisticado o suficiente para ter essa resposta), onde os dois tiveram agradáveis momentos na noite bonita, ao som do mar de Itapuã. Jéssica conta que, de alegria, lambeu os azulejos, pensando que Vinicius tinha passado por ali.

Ocorre que, pouco depois, Pedro lança, de súbito, um drástico “Bora?”. Jéssica, que já sonhava com o café da manhã iluminado pelo nascer do sol, achou estranho. O trajeto de volta foi acelerado. Quando chegou ao lugar onde estava hospedada, enviou uma mensagem. Pedro, entretanto, decidiu, sem tchau nem porquê, bloqueá-la. Um dia depois, ressurgiu com um “oi” longo e caprichado em Is. Confessou: tinha namorada, esposa, algo assim, e estava arrependido, mas não mais que Jéssica, de quem ouviu alguns impropérios.

Meses depois, Jéssica viu situações semelhantes se repetirem. Quando me contou essa história, lançou a mim, o único indivíduo do sexo masculino no ambiente, um “Mas, vocês homens, hein?”, ao qual não pude esboçar qualquer reação que não fosse um gesto de concordância. É, rapazes, melhoremos. Melhoremos.

 

 

 

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