EXEMPLO

Professor de capoeira trabalha valores como respeito e humildade em Ceilândia

Rica em elementos culturais e históricos, a capoeira tem, no mestre Walmir José Ribeiro, um dos representantes dessa atividade. Professor e defensor da prática, ele trabalha valores como respeito e humildade para formar alunos em Ceilândia

Alan Rios
postado em 26/12/2020 06:00
 (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssa/CB/D.A Press)

“Hoje, eu vou me libertar / Vou lá para a capoeira, vou encontrar Zumbi”, canta Pretinho Rocha. A música é conhecida nas rodas desse rito esportivo e cultural, escolhido como patrimônio imaterial da humanidade. A capoeira representa uma forma de resistência negra de força impactante ao brasileiro. No Distrito Federal, Ceilândia — região administrativa com história que coincide com essas representações de luta — acolhe rodas recheadas das riquezas de povos. É lá que um personagem de 55 anos mora, atua e encontra, com orgulho, tantas pessoas que participaram, ainda na infância, das aulas de capoeira que ele oferece. Walmir José Ribeiro, ou Mestre Walmir, como é conhecido, ensina essa atividade desde meados de 1980. De lá para cá, são quatro décadas de lições em escolas, praças e ruas, para instruir garotos das periferias a escolher a cultura entre tantos caminhos possíveis.

“Não formo capoeiristas, formo cidadãos, respeitando a diversidade de cada pessoa”, afirma Walmir José. “Minha trajetória toda foi em Ceilândia, mas também trabalhei em projetos de Samambaia, Taguatinga e no primeiro colégio da Estrutural. Quando eu tinha uns 20 anos, já havia menino (tendo aula) comigo. E isso vai até hoje. Enquanto Deus me deixar na Terra, vou tentando recuperar algumas vidas pela capoeira”, conta o mestre.

Com paixão, ele explica que essa arte exige muito dos alunos, um esforço de corpo e mente. “Primeiro, ensinamos que é uma luta, mas não de agredir. Na capoeira, nós encontramos um esporte completo, em que trabalhamos a cabeça e mexemos até a ponta do dedo. Tudo com a musicalidade. Quem está dançando no ritmo do berimbau está concentrado, está visualizando, tendo sensibilidade, respeitando o maior e o menor”, detalha o capoeirista.

Ensinamentos

A capoeira surgiu em rodas de negros escravizados. Proibidos de manifestar qualquer tipo de luta, eles treinavam atos de resistência na forma de dança. Hoje, quem entra na roda aprende, antes de qualquer coisa, valores. “A base de tudo é respeito e humildade. Sem isso, não dá para treinar. Aprendi com meus mestres e passo para meus alunos”, diz Walmir José.

As duas características fazem parte de alguns dos ensinamentos transmitidos às crianças e aos adolescentes que aprenderam com o mestre, que sempre se preocupou com o acolhimento de todos. Além dos projetos nas escolas, ele promove diversas ações populares nas ruas. Um dos eventos de sucesso antes da pandemia é o Samba da Comunidade. “Essa é uma parceria que temos e vai fazer sete anos. Vamos até a Praça da Bíblia, no P Norte, levamos música, arte. A atividade alegra, alivia e traz ambulantes também. O pessoal gosta muito”, conta.

Para Walmir José, as manifestações culturais da cidade mostram que a população é rica, apesar de desvalorizada. “Tudo o que fazemos mostra a cultura que Ceilândia tem. Dizem que a cidade é isso ou aquilo, mas muitos não conhecem as pessoas de lá, que têm dons artísticos, mas não têm oportunidade. Vários projetos meus não são bem-vistos quando precisamos de apoio de uma fundação, por exemplo. Mas, a gente vai levando”, desabafa o mestre.

Homenagem

A estação final do metrô, em Ceilândia, foi palco de várias apresentações do grupo de Walmir José. O local conta, inclusive, com uma pintura em homenagem a ele. O mestre observa o desenho com carinho, por lembrar que chegou até onde está carregando culturas que ainda enfrentam barreiras. “Sofri preconceito quando era criança e, hoje em dia, sinto que a situação continua preocupante. Tem gente agredindo negro porque é negro. É difícil até para o negro se aceitar, defender a cultura que é dos antepassados dele. Algumas pessoas aceitam mais artes europeias, americanas, e esquecem da própria história. Mas, levanto minha bandeira como negro com orgulho”, finaliza.

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