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Na companhia dos pets: os bichinhos se tornaram (importantes) companheiros de quarentena

Com a pandemia do novo coronavírus, muitos moradores do Distrito Federal recorreram aos animais de estimação em busca de bem-estar. Bichinhos ajudam a lidar com sentimentos de solidão, angústia e depressão dos tutores

Jéssica Moura
postado em 27/12/2020 06:00
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Depois de sonhar com a imagem de um cão branco e peludo, que corria a seu redor, a vida da estudante de direito, Richarlyane Brito, 30 anos, mudou completamente. Assim que se levantou, sacou o celular e buscou qual era a raça do cachorro com que tinha sonhado. “Já entrei em contato com um canil, que me mandou um vídeo de um dos filhotes”, lembra. Ao se deparar com as imagens, ela não teve dúvidas: “Chorei, senti que era o Nico”.

Apesar dos momentos de alegria que hoje experimenta com o pet, Richarlyane recorda que, até a chegada dele, outros dois sonhos dela, esses bastante concretos, tiveram de ser adiados com a emergência da pandemia do novo coronavírus: a formatura e o casamento. “A vida virou o caos. Eu tinha ido provar o vestido de noiva em São Paulo quando apareceram os primeiros casos, o que desencadeou uma crise infinita. Eu chorava por tudo, estava em uma depressão mesmo”.

A jovem do interior do Rio Grande do Norte mudou-se para Brasília em 2014 para viver com o namorado. Contudo, longe da família, com um círculo de amizades reduzido e restrita ao espaço do apartamento, a solidão a incomodou. “Eu me sentia muito só aqui, e sempre quis ter um cachorro. Vivia no interior, onde todo mundo se conhece. Aqui em Brasília não era assim”.

A cena do encontro com o cão foi como a de um filme: chovia muito naquele 17 de abril e Richarlyane e o noivo dirigiram cerca de 40 quilômetros do Sudoeste até o Novo Gama (GO) para buscar o animal. “Estava com medo da covid. Fui de luvas, mas assim que as tirei, começou a me lamber”, conta Richarlyane. Decidiram “batizar” o bichinho de Nico Brito Maia, o sobrenome do casal. “A gente trata Nico como filho”, frisou.

Agora, ela diz que a vida do casal gira em torno do animalzinho. “Ele dorme na nossa cama até hoje, e vai com a gente para todos os lugares. Me acorda de manhã com lambidas nos ouvidos”, relata. “Quando o Nico chegou, a vida passou a ter um novo sentido”. Por isso, todos os meses, ela promove festas de aniversário para o cão. “Já estou pensando na festa de um ano”. Agora, Richarlyane já remarcou a data do casamento para o ano que vem. Nico vai entrar na igreja com as alianças.

Adoção no isolamento

Com as restrições às atividades sociais, muita gente que ficou dentro de casa, para evitar se contaminar, e perdeu contato com a maioria dos amigos e familiares, recorreu aos animais de estimação para aplacar a solidão deste período. “Nos três primeiros meses da pandemia, houve um aumento nas adoções, e depois normalizou”, ponderou a voluntária da ONG Flora e Fauna, Vanessa Carvalho.

Para Vanessa, o isolamento contribuiu para a variação. No entanto, essa motivação não foi suficiente para evitar que animais fossem devolvidos ao abrigo. “Teve a devolução pela pessoa que voltou a trabalhar presencialmente, e aquele animal não se encaixava mais na rotina da pessoa. Teve também porque o animal não era o que a pessoa esperava”.

Ela diz que foi a partir de junho que o abandono aumentou. “Nessa época de dezembro, então, que as pessoas viajam, os abandonos aumentam exponencialmente”. Por isso, a voluntária alerta que a decisão de adotar deve ser consciente. “Na hora de adotar, tem que se considerar a responsabilidade com aquela vida. Os animais vivem em torno de 15 anos. Os custos envolvem vacina, consultas, ração e brinquedos. Há, ainda, os passeios diários. É uma vida que sente fome, frio e medo. Ao ser devolvido, fica traumatizado”.

Responsabilidade

Com a suspensão das aulas presenciais nas escolas, crianças e jovens ficaram em casa e tiveram de se adaptar ao novo modelo de ensino remoto. Para Cauê Seabra, de 14 anos, a rotina entre telas começou a se tornar monótona. “Não estou mais achando graça na vida. Sei que acordo e vou ficar vendo o meu professor, e ficar vendo série”, disse ele à mãe, a relações públicas Tainá Seabra, 38.

O comportamento do filho deixou Tainá alarmada, que logo pensou em uma solução para aliviar a ansiedade do garoto: incumbiu a ele os cuidados com a porquinha da Índia e com a calopsita, esta última resgatada pelo marido dela no meio da rua, em abril, e incorporada à família. “Do mesmo jeito que ele acorda e escova os dentes, tem que ver se tem comida para elas, se a água está limpa, isso foi muito bom para gerar uma rotina. Todo fim de semana tem que pentear o pelo da porquinha da Índia e colocar a pedra para lixar o bico da calopsita”, diz a mãe. “Virou uma válvula de escape”, complementa.

O senso de responsabilidade foi tanto que Cauê passou a pesquisar as melhores formas de tratar os bichos. “Montou projetos para criar um viveiro com galhos de árvores e fez brinquedos para os bichos”, enumera Tainá. O impacto foi tão intenso que, agora, ele pretende seguir a carreira de veterinário e trabalhar no zoológico.

Assim, as duas companheiras tomam conta da casa, onde ficam soltas. “Já aconteceu de a gente procurar a calopsita e ela estar dentro da gaveta de cuecas chocando o ovo. Outra vez, a porquinha da Índia foi parar dentro da máquina de lavar roupa. Desligada!”, diverte-se Tainá. “São minhas pimpolhas. Elas trazem alegria. É um trabalho igual a um filho”.

Saúde mental

Coordenador da clínica Virtude, o psicólogo Ewerthon Silveira explica que, neste contexto de isolamento social, as pessoas deixam de ter variações sociais, e que a mudança nas relações contribui para os sentimentos de angústia e ansiedade, muito relatados durante a pandemia entre os pacientes.

Ele esclarece que é nas relações sociais com outras pessoas que os indivíduos conseguem elaborar sentimentos e alterar o estado emocional. Entretanto, esse encontro foi suprimido durante a pandemia. “O animal de estimação acaba ocupando o lugar desse outro que, de certa forma, ajudava você na experiência social a diluir, a atenuar, a amortecer algumas dessas emoções”.

Por isso, o psicólogo destaca que, ao adotar um bichinho, os indivíduos precisam dar conta das demandas do animal. “A pessoa vai se colocar em outra posição em relação a essa demanda, sentir-se útil e cuidar daquele animalzinho. Esse cuidado dá um sentido para aquele sujeito, dá uma ocupação que altera o seu estado emocional”, defende o psicólogo.

Foi em busca deste equilíbrio emocional que o jornalista Francisco Figueiró, 41 anos, começou a adotar animais em 2013. Hoje, ele tem dois cachorros e quatro gatos: todos convivem em um apartamento em Águas Claras. Com a distância da filha e da enteada, ele conta que os animais preencheram o ninho vazio dele e da esposa. “Cada animal a mais que a gente tem é como ter vários filhos. São características diferentes, a gente se apaixona pelo jeito de cada um”, diz. A estrutura da casa foi adaptada para dar mais conforto aos animais, com uma área reservada na varanda e uma armação no teto para os gatos.

Francisco lembra que, assim como a esposa, também enfrentou um período depressivo, e a presença dos animais em casa foi decisiva para a melhora no quadro. “Você estar com aquele ser perto de você, que é 100% amor, é indescritível”. Em outubro, a esposa de Francisco sugeriu: “Por que você não faz veterinária?”. Ele, então, decidiu mudar totalmente de profissão e se tornar veterinário. “Já estou matriculado. As aulas começam em fevereiro. É uma forma de retribuir o que recebi”.

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