AUTOMOBILISMO

Pilotos que correram no Autódromo contam histórias de uma Brasília veloz

Pilotos que correram no Autódromo Nelson Piquet relembram histórias marcantes do centro esportivo e lamentam a desativação

Interditado desde 2014, o Autódromo Internacional Nelson Piquet, elogiado pelos pilotos que correram por lá, segue sem previsão de reabertura. Enquanto a reforma necessária para que o centro esportivo volte à ativa não ocorre, as lembranças dos momentos marcantes e do traçado único sobrevive. Pelas ruas de Brasília passaram os ex-pilotos de Fórmula 1 Nelson Piquet, Alex Dias Ribeiro, Roberto Pupo Moreno, Nelsinho Piquet e Felipe Nasr. Todos iniciaram as carreiras no mesmo ponto de partida: a capital. Antes do autódromo, no início de tudo, o planalto central era considerado uma pista de corrida a céu aberto. Junto ao sonho de Juscelino Kubitschek, o automobilismo brasiliense surgia.

O vice-campeão inglês e europeu de Fórmula 3 Alex Dias Ribeiro, 72 anos, chegou à Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante, em 1957. “Brasília era um lugar propício para realizar sonhos, conhecida como Land of opportunity — terra de oportunidades — nela, eu sonhei em ser piloto e, mais tarde, pude estrear nas pistas, e nada disso teria acontecido se não fosse pela capital”, relembra. Alex se encantou pelo automobilismo na primeira corrida local, em 23 de abril de 1960, às 8h30. “Foi paixão à primeira vista, eu voltei daquela corrida piloto”, conta o ex-corredor, que atuou na Fórmula 1 entre 1976 e 1977.

Em 1967, Alex e os amigos Helládio Toledo, João Luiz da Fonseca e José Álvaro Vassalo marcaram os 500km de Brasília com protótipo construído a partir dos restos de um Fusca, destroçado em acidente que quase matou o pai de Alex. “Largamos em último e chegamos em segundo, foi o maior sucesso. Isto abriu as portas para a Camber, onde eu trabalhei com Roberto Pupo Moreno e um mecânico muito bom que nós tínhamos, chamado Nelson Piquet, já ouviu falar?”, brinca. Para o número 1 no ranking dos pilotos brasileiros em 1973, o automobilismo projetou Brasília como nenhum outro esporte. “A capital tem uma tradição no automobilismo e merece ser respeitada”, analisa.

João Luiz, 72, conheceu Ribeiro no Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM) da Universidade de Brasília. Na escola, ambos fizeram curso técnico de mecânico em uma concessionária da Volkswagen na Asa Norte. Com três semanas para os 500km de Brasília, os estudantes fizeram um trato com o presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo da época, Raymond Bachx Van Bouggennhout, que os deixaria competir se construíssem um carro dentro das normas do regulamento da corrida.

Em uma garagem na Asa Sul, o primeiro protótipo do planalto central nascia com a Oficina Camber. “Pegamos várias peças no ferro velho para montar o carro, fomos fazendo com as nossas próprias mãos e o carro ficou pronto, exatamente, três dias antes da corrida”, conta Fonseca. Outras ferramentas especializadas foram doadas por um tio de Helládio, que teve a mecânica desativada em São Paulo.

Apaixonado por moto, Roberto Pupo Moreno, 61, nunca pensou que a mudança para a capital o levaria a conhecer o tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet e até a elite do automobilismo mundial, onde correu de 1982 a 1995. O ex-piloto passou a frequentar a Camber todos os dias depois de voltar do Centro de Ensino Fundamental Caseb, onde estudava. “Embora o Piquet fosse sete anos mais velho que eu, ele me ajudou e me apresentou o Kart”, conta ele. Pupo Moreno foi o primeiro piloto brasileiro a sair do Kart direto para automobilismo internacional na Fórmula Ford na Grã-Bretanha, quando o então futuro tricampeão mundial da F1 o aconselhou a deixar o Brasil e tentar carreira no exterior.

“A cidade levou cinco pilotos até a F1. A capital já fez muita publicidade do Brasil para o exterior e merece continuar com um autódromo e um kartódromo de qualidade internacional”, opina Moreno. Entre as histórias vividas na capital, a corrida de Fórmula 1 extra-campeonato — Grande Prêmio Presidente Médici — na inauguração do Autódromo Internacional Nelson Piquet, em três de fevereiro de 1974, marcou a memória de Roberto Pupo Moreno.

“Eu era só um menino assistindo. Entrei como penetra, com o Nelson. Ele me colocou dentro de quatro pneus no interior de uma Kombi para entrar no autódromo, nós ficamos ajudando a equipe Brabham, escuderia representada pelo Carlos Reutemann à época”, relembra Pupo. Na data, a população testemunhou a vitória de Emerson Fittipaldi ao volante do Malboro Texaco, nome publicitário do McLaren M23.

Cláudio Alves/CB/D.A Press - Pessoas assistem ao Grande Prêmio Presidente Médici durante inauguração do Autódromo de Brasília

“A vitória foi de Emerson. E veio dar ainda mais colorido e entusiasmo à festa com que a cidade justificadamente mostrava seu encantamento e seu orgulho pelo magnífico presente que recebia de seus administradores: o tão sonhado Autódromo, que superou a mais otimista expectativa. Tudo funcionou que foi uma beleza. Até o céu lançou sobre a cidade às, nas primeiras horas do dia, uma neblina inusitada, como que querendo esconder mais um pouco do brasiliense a surpresa, a joia que lhe estava reservada”, narrou o Correio, na edição publicada em quatro de fevereiro de 1974.

Novas gerações

Nelson Piquet Júnior, conhecido como Nelsinho, 35, iniciou a trajetória no automobilismo aos oito anos no Kartódromo do Guará. “Gosto muito de lembrar a época que eu corria no Kart do Guará, foi o começo de tudo, onde eu aprendi a ser piloto”, conta o piloto da Stock Car. Nelsinho disputou corridas na F1 pela equipe da Renault entre 2008 e 2009. Criado na capital, o automobilista lamenta a desativação do autódromo para fins esportivos. “Perdemos muito com isso, o circuito é um dos melhores do Brasil. O autódromo poderia sediar corridas de Fórmula 1, Fórmula Indy e qualquer outra categoria do mundo, por ser tão amplo”, afirma o piloto. Para Nelsinho, o projeto original da pista é um dos melhores do país. “O autódromo foi tão bem construído naquela época que, mesmo hoje, ele estaria melhor que todas as pistas do Brasil”, avalia.

O Kartódromo Ayrton Senna, localizado no Cave, no Guará 2, onde o ex-piloto de F1 treinou até os 14 anos, encontra-se fechado há meses por falta de autorização legal de funcionamento. Responsável pela gestão e administração do local, a Secretaria de Esporte e Lazer informa que a licitação para concessão do Kartódromo deve acontecer em breve. “O processo está sendo avaliado pela equipe técnica da SEL e logo após será emitida a formalização para a emissão do edital”, declarou, em nota.

O único ex-piloto de F1 nascido na capital, Felipe Nasr, 28, foi o penúltimo representante brasileiro a chegar à categoria. Ele correu pela Sauber durante as temporadas de 2015 e 2016. Assim como Nelsinho e Pupo Moreno, o brasiliense iniciou a carreira no kartismo e presenciou várias corridas no Autódromo Internacional de Brasília. “O autódromo foi praticamente um quintal de casa”, recorda Nasr.

Após a F1, Felipe começou a competir no WeatherTech SportsCar Championship, competição de endurance norte-americano. O piloto atua no automobilismo estadunidense há três anos e está com participação confirmada para IMSA em 2021. Nasr correu nas 24 Horas de Daytona, atualmente Rolex 24 at Daytona, e de Le Mans, e elogia o autódromo brasiliense. “É um circuito fantástico, todo piloto que conheço diz que Brasília tem um traçado extraordinário, uma localização incrível, algo que eu nunca vi em nenhum circuito no mundo que eu já estive”, diz o piloto.

Situação atual

De acordo com o presidente da Federação de Automobilismo do DF (FADF), a reforma do autódromo não deve ser feita com dinheiro público, mas com o auxílio dos patrocinadores do esporte no país. “Não podemos tirar do Brasil dinheiro para uma obra com a situação de pandemia. Entraram várias pessoas olhando o autódromo como um grande negócio, mas esqueceram de ver o esporte. Eu já vi orçamentos de R$ 300 milhões, enquanto daria para consertar a pista com R$ 2 milhões”, pondera. Com a licitação fracassada em 21 de fevereiro deste ano, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) comunicou em nota que “avalia meios para requalificação do espaço”.

Como uma medida de enfrentamento ao coronavírus, o GDF montou um espaço para abrigar pessoas em situação de rua na área dos paddocks. “O local, com capacidade para 200 pessoas, começou a operar em abril. Abrigou 792 pessoas em situação de rua e não teve casos de contaminação de covid-19 registrados”, afirmou a Secretária de Desenvolvimento Social (Sedes). O espaço funcionará até 1º de janeiro de 2021. A partir da data, o Instituto Tocar acolherá os moradores do abrigo.

* Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer

Cláudio Alves/CB/D.A Press - Pessoas assistem ao Grande Prêmio Presidente Médici durante inauguração do Autódromo de Brasília
Cláudio Alves/CB/D.A Press - Pessoas assistem ao Grande Prêmio Presidente Médici durante inauguração do Autódromo de Brasília
Ana Rayssa/CB/D.A Press - João Luiz da Fonseca, corredor pioneiro e ex-piloto e ex-mecânico da Oficina Camber
Arquivo CB/CB/D.A Press - Corrida de inauguração do Autódromo teve como vitorioso ninguém menos do que Emerson Fittipaldi