INCLUSÃO

Após ficar paraplégico, o ex-jogador Leandro Padovani sonha em voltar ao esporte

Leandro perdeu o movimento dos membros inferiores ao cair em campo, mas o fim da carreira no futebol não eliminou as esperanças do atleta de continuar competindo profissionalmente

Após dois anos da lesão responsável por colocar o zagueiro Leandro Padovani, 36 anos, em cadeira de rodas, ele continua buscando maneiras de se reinventar e enfrentar desafios. O ex-jogador de futebol, que iniciou a carreira em times do Distrito Federal no início dos anos 2000, não deixou o sonho de ser atleta de alta performance morrer e está no processo de redescoberta e preparo para representar o Brasil nas Paralimpíadas, em modalidade ainda a ser definida.

A queda também interrompeu temporariamente o plano de ser pai. Os cuidados e a adaptação à nova rotina fizeram com que o projeto de paternidade fosse adiado, mas não anulado. Apesar das adversidades, a cada dia, esta realização parece mais próxima. Desde o acidente, Leandro conta com o apoio de familiares e de amigos, crucial para seguir em frente e celebrar cada vitória conquistada, dentro e fora do mundo esportivo.

Ao sair do estádio desacordado, em uma maca, ele se deparou com um futuro incerto, um longo tratamento e novas experiências capazes de transformar a vida. A reabilitação começou em uma clínica da Cruz Vermelha na fronteira do Irã com o Iraque. Lá, o ex-zagueiro viu de perto os reflexos da guerra e de atentados terroristas. Assim como os sobreviventes dos conflitos no Oriente Médio, o atleta reconstruiu a vida, vértebra por vértebra.

De origem capixaba e italiana, Leandro Padovani Celin nasceu em Castelo, interior do Espírito Santo, em 21 de dezembro de 1983. Primogênito de três irmãos, cresceu em uma fazenda em Apeninos (ES), com os pais e avós paternos. Em 1999, ainda adolescente, mudou-se para a casa dos tios, em Brasília, com sonho de construir uma carreira no futebol profissional. Dois anos depois, ele ingressou na categoria sub-17 do Gama, aos 17 anos.

Em 2003, o zagueiro recebeu um convite para defender a camisa do Brasiliense, com a qual conquistou quatro títulos do Candangão (2004-2008). A primeira oportunidade internacional surgiu, em 2008, para jogar no Hatta Club, nos Emirados Árabes Unidos. Após idas e vindas em times nacionais e internacionais, Padovani se consagrou no futebol iraniano a partir de 2012, quando começou a jogar no Foolad Football Club. Com a camisa do time, foi campeão iraniano em 2013/2014.

O sucesso no Irã o levou a optar por jogar nos times do país até o fim da carreira. Em 24 de fevereiro de 2018, ocorreu o acidente que mudou os rumos da vida do zagueiro. Ele jogava pelo Estheglal, um dos times mais populares da região. Durante uma partida, o jogador saltou para cortar um lançamento e se chocou com um companheiro de equipe. Ao cair e bater a cabeça no chão, a vértebra C6 se deslocou da seguinte, a C7, o que causou uma lesão na coluna cervical.

Após o acidente, o atleta retornou a Brasília, terra natal da mulher, Larissa Padovani, 36, onde mora atualmente. A capital federal, de alguma forma, é o local de recomeços para Leandro. No fim da década de 1990, ele chegou ao DF com o sonho de se tornar jogar futebol. Dezoito anos depois, voltou à cidade, agora com a meta de se tornar atleta paralímpico e de ser pai. Para manter a forma, mesmo na pandemia, ele não dispensa a fisioterapia, uma alimentação balanceada e momentos felizes perto daqueles que o amam. Em entrevista ao Correio, ele conta um pouco sobre a história de superação.

* Estagiária sob a supervisão de Mariana Niederauer

Entrevista

Como foi começar a reabilitação em um hospital da Cruz Vermelha e dividir experiências com vítimas da guerra ao terror?
Todas as pessoas deveriam tirar um tempo para visitar clínicas de reabilitação, asilos e orfanatos. Nesse centro, eu tive a oportunidade de entrar em contato com pessoas que tinham perdido membros do corpo por pisar em uma mina terrestre, sobretudo, vítimas de ataques do Talibã. Então, essas situações nos deixam, apesar dos pesares, ver que há vida além daquilo que acontece com a gente. Eu agradeço todos os dias por estar vivo, me adequar às situações e seguir em frente.

Quais lições você tirou do acidente?
Nós temos que valorizar quem a gente ama e quem nos ama. Para mim, o mais importante, atualmente, é valorizar a família e os amigos, que são as pessoas realmente próximas. Dentro do futebol, há muitas viagens e concentrações, não existe tempo suficiente para se dedicar à família. Quando eu encerrei minha carreira, percebi que os familiares estão sempre por perto, eles permanecem com você o tempo todo, e a maioria dos amigos que você tem durante a carreira é momentânea.

Após a lesão, você mudou o jeito de ver a vida?
Antes, eu olhava muito mais para o futuro e para o status. Hoje, vejo que é preciso viver o presente. Infelizmente, nós fazemos isso, mas nada é certo, você pode se imaginar daqui a cinco anos, porém ninguém sabe o que acontecerá daqui a meia hora. Atualmente, eu vivo a vida mais tranquilo, não quero ficar reclamando de muita coisa, ter saúde e dignidade é o principal. No momento, o meu maior sonho é ser pai, esse desejo foi interrompido pelo acidente que gerou a lesão, contudo, a vontade permanece aqui.

O que o Leandro de hoje falaria para o Leandro de 15 anos que veio para Brasília com o sonho de ser jogador?
Eu o parabenizo. Muitos começaram comigo, mas poucos conseguiram alcançar o sonho de ser jogador. É muito difícil e todo mundo tem essa vontade de jogar em grandes estádios, com público, e eu consegui chegar lá. Eu mudaria algumas coisas que fiz devido à imaturidade e, principalmente, por ser novo e estar iniciando a carreira. Em alguns momentos, me deixei ser levado pelas circunstâncias e acabei perdendo o foco, mas, fora isso, eu só tenho a agradecer pelo sonho e objetivo alcançado.

Você ainda mantém viva a paixão pelo futebol?
Eu acompanho os jogos direto e mantenho contato com meus amigos de profissão. Não vivo mais o futebol com a mesma intensidade, obviamente. Acredito que o esporte, em geral, não sairá da minha vida, eu tenho aquela chama. Depois da pandemia, começarei a me dedicar a esportes paralímpicos. Na minha opinião, quem é atleta, sempre vai ser, e a mentalidade de perseguir os objetivos e sonhos nunca morre. Hoje, sou espectador, há uma diferença muito grande em relação ao estar dentro do campo. Eu tenho um pouco de torcedor e de jogador.

Como está a jornada para se tornar um atleta paralímpico?
Antes da pandemia, eu comecei a ir à Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial (Cetefe), na Asa Sul, para ser introduzido às modalidades, porque existem alguns esportes que eu não consigo fazer devido à minha lesão. Eu já experimentei praticar natação, tênis de mesa, rugby, bocha e paracanoagem. Ainda preciso ver em qual modalidade eu me encaixo melhor para me dedicar pós-pandemia e voltar a competir profissionalmente. Até o momento, eu me adaptei muito bem à natação e ao tênis de mesa.

Quais as maiores dificuldades que você enfrenta como cadeirante?
A principal dificuldade é a acessibilidade. Não é só o destino final que deve ser acessível, mas o caminho da nossa casa até o local. Não é todo mundo que tem condições de ter um veículo próprio. Por exemplo, quando um cadeirante pega um ônibus, ele enfrenta problemas na parada com a falta de rampas, abrigo do sol e da chuva e calçadas irregulares. Os locais não são adequados para nos receber porque, além do tamanho da porta, é preciso ter espaço suficiente para fazer o giro da cadeira sem a ajuda de alguém. O cadeirante quer a autonomia de poder ir e vir. O ideal seria, ao fazer um projeto, conversar com uma pessoa com mobilidade reduzida para entender melhor as nossas necessidades.

Dados

De acordo com a pesquisa Paratletas e o Esporte Paralímpico no Brasil, realizada pelo DataSenado em parceria com o gabinete do Senado Romário (PODE/RJ), no período de 19 a 29 de dezembro de 2017, a maioria dos atletas paralímpicos são homens, representando 72% do total. Deste total, 60% pertencem à faixa etária dos 20 aos 39 anos, a maior parcela tem deficiência física (70%) e, entre os que ainda treinam, 67% vivem exclusivamente do esporte.