ENERGIA

A economia que vem do Sol: matriz energética tem potencial para avanços no DF

Investimentos na matriz elétrica fotovoltaica têm grande potencial para avançar no Distrito Federal, principalmente devido às características geográficas da região. Governo local estuda projetos para a ampliação do setor em 2021

Jéssica Eufrásio
postado em 11/01/2021 06:00 / atualizado em 11/01/2021 11:03
Laura Oliveira, empresaria e presidente do Grupo Levvo na usina de energia solar que construiu em uma chacara do Lago Sul -  (crédito: Glenio Dettmar/Divulgação)
Laura Oliveira, empresaria e presidente do Grupo Levvo na usina de energia solar que construiu em uma chacara do Lago Sul - (crédito: Glenio Dettmar/Divulgação)

 O fornecimento de eletricidade para o Distrito Federal está no centro de discussões desde que a privatização da subsidiária de distribuição da Companhia Energética de Brasília (CEB) recebeu autorização para ocorrer. No entanto, um debate urgente — e mais antigo — tem relação direta com o assunto: a necessidade de incentivar a geração desse bem por meio de alternativas renováveis. Estudos indicam que o DF tem condições climáticas e geográficas ideais para potencializar, por exemplo, a matriz fotovoltaica solar. Mesmo assim, a produção está aquém da capacidade viável.

Um levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), divulgado em dezembro, mostra que a distribuição de energia solar no Distrito Federal representa apenas 0,8% do total gerado no país. O resultado coloca a unidade federativa em 20º lugar no ranking nacional e revela a dependência do modelo hidráulico, responsável por 64,9% da eletricidade produzida no Brasil. Do total que chega ao DF por esse formato, 80% tem origem em Furnas — em Minas Gerais —, e 20%, em Itaipu — entre o estado do Paraná e o Paraguai.

A economia na conta de luz e a preocupação com o meio ambiente são dois dos principais fatores que têm levado brasilienses a buscarem fontes alternativas de geração de eletricidade, seja em casa, seja nos próprios negócios. Fernando Corrêa, 47 anos, gastava, em média, R$ 1,3 mil por mês com a conta de luz. Em 2010, quatro anos depois de comprar uma casa no Lago Norte, o servidor público decidiu instalar um equipamento para aquecimento solar da água da casa. No ano passado, ele apostou no modelo fotovoltaico para garantir o consumo de toda a energia elétrica do imóvel.

A decisão pelo melhor preço veio após a análise de cinco orçamentos. Para o tipo da casa de Fernando, os valores variaram entre R$ 33 mil e R$ 36 mil. “Quando (o sistema) começou a funcionar, passei o ano pagando a taxa mínima de energia elétrica, cerca de R$ 120. Os ganhos são muito evidentes. Economizo dinheiro e, ainda, fazemos uma singela contribuição na tentativa de reduzir os impactos ambientais”, avalia o servidor público. “Trabalhamos com saldos. Eu produzo muito mais do que uso, e a máquina da CEB contabiliza quanto coloco no sistema. No fim do mês, (a empresa) faz a compensação (no valor da conta de luz). Vale a pena financeiramente, pois é útil para os outros e para nós. Sinto que, realmente, muda a realidade da comunidade”, completa Fernando.

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- (foto: Editoria de Arte/CB)

Riscos

A matriz fotovoltaica tem condições de atender desde grandes empresas até imóveis públicos ou privados. No DF, as unidades que mais usaram energia em 2019, segundo o Anuário Estatístico de Energia Elétrica 2020, foram as residências, com 35,7% do total consumido, seguidas dos comércios (32,3%) e do poder público (9,4%). Um estudo de 2016 da organização não governamental (ONG) WWF Brasil mostrou que apenas 0,41% da área do Distrito Federal teria a capacidade necessária para garantir a geração de energia elétrica para toda a região, por meio do modelo fotovoltaico solar.

À época, o levantamento calculou — com base em uma população de, aproximadamente, 2,7 milhões de brasilienses — que, se os telhados de 12% dos habitantes do Distrito Federal estivessem disponíveis, seria possível gerar toda a energia elétrica residencial do DF. “Criar as condições necessárias para que a geração descentralizada de energia possa ser disseminada no Distrito Federal tornará a região mais autônoma, resiliente às mudanças climáticas e contribuirá para a geração de empregos locais e de qualidade. No âmbito da energia solar fotovoltaica, sua aplicação na capital do país soa até como uma vocação natural, dada a elevada irradiação naturalmente disponível”, afirma a pesquisa.

A pesquisa destaca a possibilidade de “risco energético” futuro se não houver diversificação da matriz brasileira predominante, especialmente se levadas em conta “anomalias de vazão” nas hidrelétricas de Furnas e Itaipu, responsáveis pelo abastecimento do DF. Ao mesmo tempo, a matriz energética brasileira que fica em segundo lugar entre as disponíveis para geração de energia elétrica é o gás natural. No entanto, trata-se de modelo não renovável.

Nesse sentido, o estudo da WWF lembra que uma das maneiras de alcançar a redução de emissões de gases de efeito estufa, para colaborar com metas internacionais de clima, seria a oferta de energia por fontes não hídricas, mas renováveis. “A solução tradicionalmente adotada pelo país, de crescimento hidrelétrico com complementação termelétrica, não mais atende às necessidades do século 21. Novas soluções são necessárias, com base em inovações e tecnologia, para que tanto a sociedade quanto o meio ambiente ganhem”, destaca o documento.

Para o professor Rafael Amaral Shayani, do Departamento de Energia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB), o problema não está no modelo de hidrelétricas, mas em complementar com modelos de usinas termelétricas, como a de gás natural. “Elas emitem muitos gases de efeito estufa. Isso vai contra o Acordo de Paris e contra os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), para gerar energia limpa e combater mudanças climáticas”, observa.

Rafael destaca que o potencial do DF está acima da média brasileira para geração de energia solar e supera o de países da Europa líderes mundiais nesse ramo. “Com a crise econômica, no mundo inteiro, estão falando sobre uma retomada verde, incentivando economia ambiental, principalmente na área de energia elétrica. Essa é uma das maiores poluidoras, emissoras de gases de efeito estufa, e o sistema (fotovoltaico) traz lucro a médio prazo. Ele gera energia por cerca de 20 ou 25 anos, mas em três ou quatro anos, você recupera seu investimento”, calcula o professor.

Incentivos

Em âmbito distrital, algumas sugestões do estudo da WWF para incentivar o interesse pela energia fotovoltaica envolvem a instalação de sistemas em áreas públicas, rodoviárias e prédios de serviços públicos, inclusive por meio de parcerias público-privadas; o fomento da adoção do modelo com a redução de taxas como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU); ou o estabelecimento de garantias seguras para que bancos concedam mais financiamentos a cooperativas criadas para a produção de energia elétrica.

No Brasil, o setor de energia fotovoltaica atraiu, durante todo o ano passado, R$ 13 bilhões em investimentos, segundo a Absolar. Mas, apesar dos potenciais brasileiro e distrital, essa opção está distante, principalmente, da parcela mais pobre da população. O custo médio da instalação fica em torno de R$ 17 mil, a depender do consumo no imóvel. Diante disso, o professor Rafael Shayani menciona a possibilidade de o governo distrital construir usinas e usar o dinheiro pago pelo serviço para abater nas contas de pessoas de baixa renda.

Outra possibilidade, segundo a mestra em engenharia elétrica Marina Cavalcante, seria a criação de incentivos para que empresas e famílias com melhores condições financeiras optem pelo sistema. “Incentivos para pessoas buscarem essa solução, com bonificações, acontecem. Mas poderíamos ampliar isso, facilitando empréstimos, aumentando a possibilidade de parcelas, diminuindo juros. São condições financeiras que podem ajudar. Alguns bancos até têm opções viáveis se você buscá-los para esse fim”, observa Marina.

Projetos

Proprietária de quatro restaurantes e 10 quiosques franqueados de uma rede de fast-food, Laura Oliveira, 47, investiu na energia fotovoltaica para abastecer cada uma das unidades. Ela consultou três bancos e descobriu a possibilidade de receber apoio financeiro para esse fim. Depois de conseguir acesso a uma linha de crédito, a empresária construiu duas miniusinas em uma chácara de 4 mil metros quadrados no Lago Sul. “Você tem economia financeira, gerando energia limpa e renovável para seu negócio”, afirma.

O sistema começou a operar em julho de 2019 e garante o funcionamento de equipamentos como máquinas de sorvete, tostadeiras e freezers das lanchonetes. A empresária calcula que as usinas evitaram a emissão de 313 toneladas de dióxido de carbono na atmosfera em um ano. “E, em 18 meses (de funcionamento), a manutenção foi mínima. A geração de energia é capaz de abastecer 2,3 mil casas populares, no modelo Minha Casa, Minha Vida”, diz Laura.

O modelo fotovoltaico permite dois tipos de uso: vinculado à rede local — o que implica consulta à companhia responsável pelo fornecimento de eletricidade à região — ou em um sistema independente. A CEB Distribuição atua para fiscalizar a adequação das instalações às normas estabelecidas. “Quando estou gerando energia durante o dia e não uso 100%, devolvo (o excedente) para o sistema (a rede). Quando precisar de energia, em outro momento, vou receber. Damos segurança para o consumidor, para garantir que ele fez as ligações corretas. Todo o trabalho é gratuito”, detalha o diretor de regulação da subsidiária, Wanderson Menezes.

A aposta em energias limpas faz parte dos objetivos traçados pelo Governo do Distrito Federal (GDF) no Planejamento Estratégico 2019-2060. O documento estabelece uma série de metas para o período, em diferentes áreas — inclusive na ambiental. Diante da predominância da matriz hidrelétrica, a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) considera bem-vindos estímulos ao uso da energia solar fotovoltaica. “Espera-se que, até o fim de 2021, tenhamos os seguintes resultados: estratégia de energia solar fotovoltaica para o DF elaborada e disponibilizada ao público; sistema de geração fotovoltaico para atendimento a prédios públicos implantado, com disponibilização de um modelo de referência; setor fotovoltaico do DF mobilizado e capacitado para promover os avanços e a ampliação dessa atividade”, projeta a pasta.

  • Laura Oliveira, empresaria e presidente do Grupo Levvo na usina de energia solar que construiu em uma chacara do Lago Sul
    Laura Oliveira, empresaria e presidente do Grupo Levvo na usina de energia solar que construiu em uma chacara do Lago Sul Glenio Dettmar/Divulgação
  • A empresária Laura Oliveira, na chácara do Lago Sul onde construiu duas miniusinas de energia solar
    A empresária Laura Oliveira, na chácara do Lago Sul onde construiu duas miniusinas de energia solar Glenio Dettmar/Divulgação
 

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