Em menos de cinco dias, mais uma mulher foi vítima da violência de gênero no Distrito Federal. Mesmo após registrar duas ocorrências contra o ex-companheiro e estar separada dele há quase um ano, a professora aposentada Marley de Barcelos Dias, 54 anos, foi assassinada com três tiros à queima-roupa, dentro de casa, em Sobradinho. O crime ocorreu ontem, diante de um dos filhos dela. O eletricista Geovane Geraldo Mendes da Cunha, 44, invadiu a residência e a matou. Durante perseguição policial horas depois, tirou a própria vida.
O casal estava separado desde 22 de maio, quando Marley denunciou Geovane por perturbação e ameaça, no âmbito da Lei Maria da Penha. Embora a vítima não tenha procurado a polícia novamente, o filho Éric de Barcelos Dias, 23, relatou à polícia que Geovane continuou importunando a ex e a ameaçava de morte.
Na madrugada de ontem, ele chegou ao condomínio da vítima às 3h, conduzindo o carro emprestado pela irmã, um VW Voyage branco. Imagens do circuito interno de segurança do local mostram o acusado parando o veículo na guarita. Mesmo sem o cartão de acesso, ele tem a entrada liberada em menos de 40 segundos. Câmeras flagraram o eletricista estacionando o automóvel em frente àcasa da vítima e, na sequência, pulando o muro do local. Ele entrou na casa sem arrombar a porta. Marley acordou com a movimentação e encontrou Geovane na sala. Ali, houve uma discussão e a mulher foi para a cozinha.
Na casa, estava apenas o filho mais velho de Marly, que também despertou como barulho — o caçula, Vinícius, dormia fora. O jovem, que é militar do Exército, se juntou à mãe no cômodo tentou defendê-la, mas Geovane disparou três vezes, à queima-roupa, contra a vítima.
Vizinhos escutaram os disparos de arma de fogo e acionaram a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. “Ele pulou o muro para executar a ex-mulher, que tinha medo dele e, por isso, mantinha as medidas protetivas. Mesmo assim, esse homem passou pela portaria, dando o próprio nome, invadiu a residência e cometeu um crime bárbaro como esse”, reflete um morador do condomínio, sob a condição de anonimato.
A reportagem procurou o subsíndico do residencial, Odilon Pereira de Almeida, que disse colaborar com as investigações da 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho 1). “Todas as informações e filmagens foram encaminhadas à polícia. Vamos acompanhar a apuração do caso. O condomínio lamenta o que ocorreu.”
Fuga
Geovane fugiu depois de cometer o feminicídio, levando as chaves do carro da ex-mulher, seguindo no sentido Planaltina. Com as informações do veículo e do suspeito, as polícias Militar e Rodoviária passaram a procurá-lo. O eletricista foi localizado seis horas depois, no município goiano de São Gabriel. Durante a perseguição, em uma estrada de terra, o acusado estacionou o automóvel e tirou a própria vida, com um tiro.
De acordo com o delegado Hudson Maldonado, chefe da 13ª DP, o funcionário do condomínio será intimado a depor nesta semana, assim como a irmã de Geovane. “Ao que tudo indica, o porteiro foi ludibriado pelo autor. Mas isso não o exime da negligência de deixar de lado as regras de segurança do local. Quanto à familiar do acusado, vamos questionar sobre as circunstâncias em que o veículo foi emprestado”, afirma.
Marley chegou a denunciar o ex duas vezes em seis anos de relacionamento amoroso. Eles eram primos de primeiro grau, e chegaram a morar juntos na casa da vítima, no Condomínio Império dos Nobres, no início do namoro, em 2014. A primeira ocorrência da vítima contra o suspeito foi registrada em 21 de dezembro daquele ano.
Na ocasião, eles haviam terminado o relacionamento e Geovane foi à residência para recolher os objetos pessoais. A professora chegou pouco tempo depois, e passou a ser xingada e ameaçada. Ela informou, em depoimento à polícia, que o eletricista estava em surto. O homem precisou passar por atendimento de urgência antes de prestar depoimento na 13ª DP.
Em 22 de maio passado, Marley registrou a segunda ocorrência contra o ex-marido, pelos mesmos crimes, e houve a separação definitiva. “Conforme depoimentos coletados, o autor seria uma pessoa problemática, possessiva e agressiva. Tinha problemas psiquiátricos e chegava a tomar as medicações, mas as misturava com drogas e álcool. Agora, vamos fechar algumas lacunas do caso, por exemplo, como ele entrou na residência sem arrombar a porta”, diz Hudson Maldonado.
Por nota oficial, a Secretaria de Educação informou que Marley era servidora da pasta e que se aposentou em 2017. Ela chegou a atuar como diretora do Centro de Educação Infantil 4 (CEI) de Sobradinho. Questionada sobre o afastamento de Geovane, a CEB informou que lamenta e “repudia de maneira contundente qualquer tipo de violência” e que “por determinação legal, não pode se manifestar publicamente sobre quaisquer funcionários que porventura estejam respondendo a processos administrativos disciplinares em andamento”.
Prevenção
Andrea Costa, advogada especialista em direito penal e palestrante sobre combate à violência contra a mulher, considera que as medidas protetivas são eficazes em muitos casos, mas alerta que essa eficácia está comprometida por alguns fatores, entre eles, a ausência de comunicação a terceiros sobre a medida deferida; vergonha da vítima; e descaso por parte dos órgãos de proteção, que em algumas situações “tendem a minimizar a seriedade do caso”.
A especialistas acredita que programas de educação destinados ao público jovem, o acompanhamento psicológico do agressor e da vítima, o monitoramento dos agressores após a concessão de medida protetiva e o fornecimento de recursos para as vítimas, como casa abrigo e cursos profissionalizantes, podem auxiliar no combate aos crimes de feminicídio.
Dados atualizados da Secretaria de Segurança Pública do DF mostram que, em 2020, 17 mulheres perderam a vida em razão do gênero, redução de 46,8% em relação a 2019. A pasta garantiu que o enfrentamento ao feminicídio “é prioridade da atual gestão” e elencou as estratégias de prevenção para evitar crimes desse tipo, como a criação da nova Deam, em Ceilândia. A unidade funciona 24 horas por dia.
Outra ação é a campanha #MetaaColher. “O entendimento é de que é necessário desconstruir o padrão de comportamento omisso que muitas vezes uma testemunha assume diante de uma cena de violência doméstica”, destaca a secretaria, que conta ainda com o aplicativo Viva Flor, ferramenta que permite às forças de segurança atender a vítima que acioná-la em caso de risco. A instalação é feita após encaminhamento do Judiciário.
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