Disk mensagens
O carro de som de telemensagens estacionava na beira da praça no domingo. Kenny G começava a tocar assim que o padre dizia “ide em paz e que o Senhor vos acompanhe sempre”, de modo que, quando os primeiros fiéis atravessavam o portal, a cama de teclados baratos reduzia o volume e o sax gritava alto. Era sempre o mesmo roteiro. O jazz de elevador berrando e pessoas emocionadas esperando pelo susto do homenageado.
Inevitavelmente, quem recebia a surpresa gritava. Alguns, de raiva; outros, de felicidade. Kenny G seguia firme até o fim e logo uma voz grave se sobrepunha às notas agudas. “Você, Sabrina Rafaela, é uma fonte inegostável de alegria e luz. Sua família agradece por sua existência e celebra com amor seu aniversário.” O locutor insistia em errar a palavra inesgotável e eu me questionava se inegostável não era, no fundo, um neologismo pouco elogioso.
Os adolescentes destes nossos tempos conectados jamais terão o prazer de assistir a uma declaração de amor reproduzida por um carro de som de telemensagens. Não adianta. Recados de voz na Alexa nunca terão a breguice suficiente para constranger com tanta intensidade. As telemensagens eram um desatino público, uma loucura compartilhada em que alguém era exaltado e humilhado ao mesmo tempo.
Em certos casos, rosas completavam a cerimônia trágica. Sempre vermelhas, as flores eram entregues a pessoas invariavelmente mais vermelhas do que as pétalas de vergonha e, muitas vezes, com os rostos cobertos de lágrimas. Os mais corajosos ousavam tomar o microfone do locutor e dizer eles mesmos as palavras de felicitação e alegria. “Você, Sabrina Rafaela, é tudo o que tenho, meu amor mais verdadeiro, minha graça de viver. Te amo com a intensidade de mil sóis.” Diabéticos, é claro, precisavam se manter longe.
Havia um tipo mais discreto de telemensagem, a qual obviamente não tinha o mesmo charme. Consistia em chamadas telefônicas que repetiam mais ou menos o mesmo modus operandi. Kenny G, feliz aniversário, felicidades e outras platitudes inescapáveis. Infelizmente, faltavam as rosas e também as palavras erradas do locutor, substituído por uma gravação genérica — um sinal da precarização do trabalho e da substituição do homem pela máquina.
Pelo bem da minha dignidade, nunca recebi uma homenagem num carro de som de telemensagens. Há uma ponta de mim, entretanto, que se entristece. Adoraria, confesso, ter uma história minha para contar nesta crônica. “Alexandre, você é uma fonte inegostável de alegria e luz”, eu gostaria de ter ouvido. Só pediria para trocarem a trilha sonora porque a música de Kenny G, com todo respeito, é um dos maiores erros da humanidade, atrás apenas de um certo presidente cujo nome, desta vez, não vou citar.
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