Defesa da vida
A pandemia do novo coronavírus é, quase sempre, uma tragédia invisível, uma tragédia de números anônimos. Mas, com a crise da absurda falta de oxigênio em Manaus (AM), ela ganhou o corpo, a cara e a voz do desespero de quem não pode respirar ou de quem se desespera para ajudar quem está morrendo. Ao invadir a casa de todos nós, ela deu a todos nós um choque de realidade sobre a gestão da covid-19.
Não existe tragédia mais anunciada do que a de Manaus. Os epidemiologistas alertaram que as festas de fim do ano e a recusa em tomar medidas de isolamento social terminariam na UTI. Quando existe vaga na UTI. Mas foi ainda pior do que o esperado, pois faltou o essencial, faltou oxigênio. O colapso do sistema de saúde de Manaus é uma mistura de negacionismo, incompetência, incúria e descaso.
O presidente Bolsonaro afirmou que fez tudo o que podia para Manaus. De fato, ridicularizou o isolamento social, disse que a máscara era o último mito a cair, estimulou as aglomerações, receitou o “tratamento precoce” da cloroquina e fez campanha contra a vacina. Era tudo o que a nova variante do vírus precisava para se propagar. A Amazônia precisava de oxigênio e o governo federal ofereceu cloroquina.
Em plena expansão exponencial do vírus, o prefeito do Rio de Janeiro determinou a nova data para a realização do carnaval: o mês de julho. Pensei que fosse uma decisão de Crivela, mas reli e constatei que o autor era o atual prefeito Eduardo Paes. Parece que já está em campanha para as eleições de 2024 ou então quer transformar o Rio em Manaus 2.
Parte da classe artística se mobilizou para doar cilindros de oxigênio aos amazonenses. Whindersson Nunes, Tirulipa, Wesley Safadão, Tatá Werneck e Gusttavo Lima ajudaram mais aos manauaras do que o ministro da Saúde. A população também se uniu para comprar cilindros de oxigênio e transportar até os hospitais.
As grandes corporações virtuais não podem mais permanecer omissas ante a irresponsabilidade dos negacionistas que veiculam informações falsas nas redes sociais, contribuindo, de maneira criminosa, para conduzir a tragédias, tais como a de Manaus, que podem, inclusive, se espraiar para cidades com sistemas de saúde vulneráveis.
Se essas corporações não aplicarem, no Brasil, critérios semelhantes aos utilizados para punir Trump por incitação da violência na invasão do Congresso americano, se tornarão cúmplices de uma tragédia humanitária. O negacionismo e a irresponsabilidade na gestão da pandemia não podem permanecer crimes sem castigo. Como ensina o padre Vieira, a omissão é um pecado que se faz não se fazendo.
É urgente que alguma instituição de credibilidade do porte da Unesco promova uma grande campanha educativa em favor da vacinação, com a participação de artistas das mais variadas tendências. Seria uma maneira de mudar a agenda da morte dos negacionistas e impor uma pauta de defesa da vida. No tempo em que meus filhos se vacinaram, os meios de comunicação falavam no personagem do Zé Gotinha e não na fake news do cidadão que tomou vacina e virou jacaré.
Em face dos últimos acontecimentos dramáticos de Manaus, as instituições democráticas precisam acordar e fazer (ou continuar fazendo) a defesa da vida. Diante da iminência da morte não pode haver neutralidade. A defesa da vida acima de tudo, vacina já e a Constituição acima de todos.
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