Pandemia

Escrita que cura: brasilienses encontraram nos textos uma forma de aliviar as tensões

Em redes sociais, blogs, diários e até livros, expressar-se por meio das palavras virou terapia para muitos em dias de isolamento

Caroline Cintra
postado em 25/01/2021 06:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Para aliviar as tensões geradas com a pandemia do novo coronavírus, a busca por novos hobbies e a dedicação a atividades que já se exercia se tornaram mais comuns. Mesmo em tempos de redes sociais, a escrita ganhou espaço na vida de muitos brasilienses neste período.


Expressar os sentimentos por meio das palavras trouxe conforto, leveza e ajudou a enfrentar o distanciamento social e o sentimento de solidão causados por ele. Para alguns, esse exercício serviu como terapia e passatempo. Para outros, renderá bons frutos, como a publicação de um livro.

Apaixonada pela escrita desde os 5 anos, a jornalista Taciana Collet, 47, lembra que o pai dela a incentivava desde a infância. Ele escrevia a história da filha e depois entregava para a família. Escrever sempre fez parte do cotidiano. Com o passar dos anos, foi deixando o hábito de lado. “Quando meu pai morreu, há sete anos, retomei. Escrevi sobre minhas dores, sobre o luto. Desde que ele morreu, isso ficou mais latente. E pensei: por que não escrever mais? Por que não começar um blog?”, conta.

Há dois anos, com as amigas Juliana Ribeiro e Fabrícia Hamu, deu início ao Vida de Adulto, perfil no Instagram, em que contam histórias do dia a dia. Com o passar do tempo, seguidores começaram a se identificar com as situações e o trio abriu espaço para o público, até então leitor, tornar-se escritor.

“Descobrimos que, hoje, o projeto é um processo curativo para qualquer pessoa, um processo terapêutico para se conhecer”, diz Taciana. Com a chegada da pandemia, elas receberam vários textos sobre como as pessoas estavam se sentindo neste período. “Criamos uma conexão com essas pessoas. Virou uma rede de afeto legal. Reunimos muitas histórias interessantes”, destaca.

Com o apoio de mais duas amigas, Mariana Londres e Renata Varandas, o grupo começou um podcast, que terá a terceira temporada lançada no Spotify. Em agosto do ano passado, elas perceberam que tinham um material bom e decidiram reunir tudo em um e-book. Afetos em quarentena — escrita curativa em tempos de pandemia reúne mais de 100 textos escritos por 80 autores diferentes. A coletânea está dividida em 12 capítulos com nomes de sentimentos que representam os períodos da pandemia.

Medo e introspecção estão entre os primeiros, enquanto empatia, fé, esperança e solidariedade ganham espaço ao longo do livro. “Entendemos que a escrita pode não ser a cura, mas é uma parte do processo de autoconhecimento, que nos permite conhecer e conectar com o outro. Quando a gente se esvazia, o outro se encontra”, declara Taciana. A obra será lançada até o fim de janeiro junto à terceira temporada do podcast Vida de Adulto, no Spotify. “Queremos tentar fortalecer a Vida de Adulto como editora de e-books, com essa pegada do leitor como autor, como escritor da própria história”, conta.

Enquanto escritora, ela destaca alguns textos que escreveu e marcaram durante a pandemia: O que os olhos não veem, sobre a morte de uma amiga em decorrência da covid-19; Descobri que meu marido está namorando essa senhora, em que relata o aparecimento de cabelos brancos durante o período de isolamento social. Todos os textos estão no Instagram: @_vidadeadulto_.

Libertar emoções

Moradora de Taguatinga Norte, a publicitária Larissa Fernanda Araújo, 26, sempre teve o hábito de escrever em diário. A prática começou quando estava no ensino médio e a mantém até hoje. “Sempre me fez bem, me faz sentir mais leve quando coloco algum sentimento para fora. Às vezes, não quero contar alguma coisa para alguém e escrever me dá essa liberdade”, afirma.

Com o início da pandemia, o hábito se tornou ainda mais frequente e resultou na criação de um perfil no Instagram, em que ela e um amigo escrevem textos sobre o dia a dia em meio ao isolamento. “Isso me ajudou muito a aliviar o momento. Tentamos ser poéticos nessa confusão e começamos a compartilhar nossos sentimentos e outras pessoas foram se identificando”, conta.

“Tivemos retorno de muitos seguidores dizendo que estavam sentindo o mesmo que nós. Achei legal, porque, por um tempo, vivemos em uma bolha e achei que só eu estava confusa com tudo, mas, não.” Para Larissa, o Cem dias em um foi um escape durante a pandemia e acredita que o hábito pode ajudar muitas pessoas a aliviar tensões da rotina.

“Mesmo que não seja um profissional da escrita, escrever faz bem para você se abrir, libertar algo que está guardado. Não precisa divulgar em nenhum lugar, só de colocar para fora ajuda muito. A gente se conhece mais por meio da escrita”, completa a publicitária.

Passatempo profundo

A jornalista, fotógrafa e diretora de arte Clara Lobo, 20, também tem o hábito de escrever em diário. Essa é uma forma, segundo ela, de conversar consigo mesma e, inconscientemente, alivia as emoções. Com a prática, ela reúne cartas, crônicas, pensamentos, contos e outros gêneros textuais.

A paixão a levou a participar do concurso Contos da Quarentena, da Livraria Lello (Porto, Portugal). “Quis fazer um paralelo sobre a situação que vivíamos, tanto sobre a crise sanitária quanto sobre a política. Esta, sem dúvida, foi uma grande representação sobre os meus pensamentos de quarentena, mas em formato de conto, com personagens e histórias fictícias”, conta.

Além dos textos produzidos, Clara escreveu o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em jornalismo durante a pandemia. Embora o tema não estivesse ligado ao momento, foi uma forma de passar o tempo. “Foi muito intenso. Escrevi um livro-reportagem sobre mulheres transformadoras da cultura do Distrito Federal em quatro meses”, relata.

“Entrevistei seis mulheres, transformei suas histórias em perfis jornalísticos, fiz pesquisas históricas, coletei imagens... Foi cansativo, mas, sem dúvida alguma, um passatempo muito agradável, no qual eu tinha um objetivo. Ou seja, foi um momento em que eu não estava muito envolvida com as tristes notícias ao redor do mundo”, completa.

 

Para aguardar e ler
E-book Afetos em quarentena — escrita curativa em tempos de pandemia

Editora: Vida de Adulto

Lançamento: até o fim de janeiro

Onde baixar: Amazon

Valor: será cobrado um valor simbólico e poderá ser gratuito em alguns períodos


Leia textos produzidos na quarentena em perfis do Instagram: @cemdiasemum

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  • A jornalista Taciana Collet retomou o hábito de escrever após a morte do pai
    A jornalista Taciana Collet retomou o hábito de escrever após a morte do pai Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
  • Equipe do projeto Vida de Adulto: Taciana Collet, Mariana Londres, Renata Varandas, Juliana Ribeiro e Fabrícia Hamu
    Equipe do projeto Vida de Adulto: Taciana Collet, Mariana Londres, Renata Varandas, Juliana Ribeiro e Fabrícia Hamu Foto: Fernando Franco/Divulgação
  • A publicitária Larissa Fernanda Araújo criou um perfil no Instagram voltado para a escrita
    A publicitária Larissa Fernanda Araújo criou um perfil no Instagram voltado para a escrita Foto: Arquivo Pessoal
  • Clara Lobo escreveu um conto e um  livro na quarentena
    Clara Lobo escreveu um conto e um livro na quarentena Foto: Arquivo Pessoal

O valor de colocar para fora

“Externar as emoções por meio da escrita é bem-visto por vários campos da saúde emocional como uma ferramenta de lidar com a energia tensional. Energia estressada, sobrecarregada, que é o que esses últimos 12 meses têm colocado sobre todos nós, pode ser externalizada com várias ferramentas e uma delas é a escrita. A vantagem dela é que a gente consegue transcrever o que pensa e sente para o papel. Essa é uma forma de as pessoas olharem para as próprias emoções, já que outros podem não entender. Quando se traz essas questões para o papel, é uma forma de depois poder observar. No consultório, é um estímulo às pessoas que se sentem muito sós. Quando eu me sinto só, poderia falar sobre esse sentimento com alguém, mas, se a pessoa mora só ou tem poucas figuras de suporte, a escrita é uma estratégia de sentir que o problema foi externalizado.”

Luan Diego Marques, psiquiatra

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