Os gurus da destruição
É difícil entender como, no Brasil e no mundo, governantes com uma clara agenda de destruição das instituições, dos direitos dos cidadãos, das relações internacionais, da imigração, da educação, da ciência, das florestas e da democracia conseguiram eleger-se e, mais do que isso, manter-se no poder. É a servidão voluntária jamais sonhada por qualquer tirano.
Os aspectos políticos do fenômeno tem sido estudados por muitos cientistas sociais. Mas, no livro Guerra pela eternidade – O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista (Editora Unicamp), o etnólogo norte-americano Benjamin R. Teitelbaum nos dá uma pista das ideias que estão por trás e animam o caos do mundo pós-moderno.
Benjamin utiliza os métodos da etnologia e do jornalismo. A narrativa se desenvolve quase como uma trama de suspense policial em torno de três ideólogos da extrema direita: o norte-americano Steve Bannon, o russo Aleksandr Dugin e o brasileiro Olavo Carvalho. O mistério que Benjamin quer desvendar é o liame do Tradicionalismo que une os três ideólogos da extrema direita.
O Tradicionalismo é uma vertente filosófica e espiritual formulada pelo francês René Guénon e pelo italiano Julius Evola. Coloca-se frontalmente contra a modernidade. Ela é alvo de uma guerra pela conquista da eternidade, situada no passado e não no futuro.
E, para se alcançar a eternidade, a destruição é um instrumento fundamental: “Além disso, a ciclicidade atribui uma importância incomum à história, porque, nela, o passado não deve ser superado, nem se deve escapar dele; ele é também o nosso futuro”, comenta Benjamim.
Olavo de Carvalho se recusa a ocupar cargos no governo, mas indicou discípulos para os cargos estratégicos de ministros da Educação (Abraham Weintraub) e Relações Exteriores (Ernesto Araújo). Dugin influi na política de Putin na Rússia e participou de uma conspiração no conflito entre a Geórgia e os ossétios, que levou ao reconhecimento da independência separatista da Ossétia do Sul pela Rússia. Segundo Benjamim, em jogo estava o confronto entre Tradição e modernidade.
Bannon planejou a campanha que levou à vitória de Donald Trump nas eleições americanas de 2016 e, com o apoio dos bilionários americanos Robert e Rebeka Mercer, utilizou as redes sociais para manipular dados ao desligamento do Reino Unido da União Europeia.
É pena que Benjamin não explore as relações entre o tradicionalismo e as redes sociais. Sem elas, essa vertente do pensamento permaneceria uma excentricidade de meia-dúzia de lunáticos. No entanto, o livro tem o mérito de revelar a aura mística das ideias que conferem um caráter de cruzada salvacionista às ações da extrema direita. Como se vê, são ideias alopradas que atentam contra a democracia.
Eu me lembrei dos personagens alucinados de Os demônios, de Dostoiévski, que cometem atrocidades em nome da ideologia revolucionária de esquerda. O tradicionalismo é o desejo de lutar pela eternidade em vez de imaginar um futuro melhor e mais promissor, define Benjamin. É o que distingue um tradicionalista de alguém meramente conservador.
Pena que, somente no fim do livro, Benjamin faça a pergunta essencial: “O que aconteceria se um grande número de líderes mundiais fosse aconselhado por pensadores que têm o objetivo de colocar tudo abaixo, que valorizam a estagnação em vez do progresso, que desejam que nosso universo resgate o que éramos, e não que conquiste o que sonhamos ser?”
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