ORGULHO

Conheça histórias de luta contra o preconceito e busca de direitos de pessoas trans

No Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado hoje, essa parcela da população ganha mais uma conquista com a sanção de lei que permite o uso do nome social nas lápides e nos atestados de óbito de travestis, mulheres e homens transexuais e demais pessoas trans

Cibele Moreira
postado em 29/01/2021 06:00 / atualizado em 29/01/2021 18:47
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Ter a liberdade de ser quem é, na essência de como se enxerga, não é uma tarefa fácil para quem não se reconhece no corpo em que nasceu. O desconforto, a inquietação, a descoberta e a aceitação são processos que homens e mulheres transexuais passam ao longo da vida. No Dia Nacional da Visibilidade Trans, celebrado hoje, o Correio conta a história de pessoas trans, uma comunidade em que a trajetória de vida é marcada por lutas contra o preconceito e pela busca de direitos.

Em 25 de outubro de 2018, Adam Vitor Jesus Ferreira, 24 anos, renasceu com a retificação do primeiro nome. O processo de identificação de gênero começou na adolescência, aos 16 anos. O apoio familiar foi essencial e acabou sendo mais tranquilo, pois a irmã mais velha dele havia, anteriormente, se assumido como mulher trans. “Minha mãe costuma dizer que não perdeu um filho e uma filha, mas, sim, tem dois filhos que se enxergam de forma diferente. O importante é ser uma pessoa de caráter, do bem”, relata.

Em 12 de junho de 2018, o rapaz começou o tratamento hormonal com um endocrinologista. “Foi o melhor dia da minha vida”, conta. No mês seguinte, deu início ao processo de retificação do nome. “Foi como se eu nascesse de novo”, comemora. Para Adam, a maior conquista foi conseguir ter barba e a voz grossa. “Quando você é um homem trans, o tempo todo há uma pressão social para se encaixar em um estereótipo masculino. De empresas que não aceitam o nome social, de atendentes na farmácia que não querem repassar a medicação e de comentários ofensivos e constrangedores”, enumera.

Para Adam Vitor Ferreira, a maior conquista foi conseguir ter barba e a voz grossa
Para Adam Vitor Ferreira, a maior conquista foi conseguir ter barba e a voz grossa (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A celebração de 29 de janeiro surgiu em 2004, quando um grupo de ativistas trans participou, no Congresso Nacional, do lançamento da primeira campanha contra a transfobia, promovida pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de ressaltar a importância da diversidade e o respeito ao movimento trans, representado por travestis, transexuais e transgênero. O Dia da Visibilidade Trans passou, então, a representar a luta cotidiana das pessoas trans pela garantia de direitos e pelo reconhecimento da sua identidade.

Militante e personal trainer, Leonardo Luiz da Cruz Lima, 26, defende a importância do acesso aos direitos e comemora as conquistas da população trans, mas ressalta que há um caminho grande pela frente até a igualdade plena. “Precisamos avançar muito, principalmente na capacitação de profissionais dos serviços básicos como a saúde, segurança, educação e empregabilidade. É uma luta diária, mas tivemos avanços, como o Ambulatório Trans e a retificação do nome social menos burocrático”, afirma. “Sou de uma época que para retificar o nome, o processo era judicializado e demorado. Até hoje, tenho o gênero feminino na identidade, porque não consegui trocar isso anteriormente. Atualmente, esse processo está bem mais acessível”, avalia.

A atenção à saúde é um dos pontos mais necessários para o amparo de homens e mulheres trans. No Distrito Federal, existe o Ambulatório Trans que auxilia boa parte dessa demanda. A unidade especializada realizou 1.873 atendimentos no ano passado.

Informação salva vidas

O caminho percorrido por Samanta Mendanha Santos, 28, não foi fácil. Na infância, por volta dos 5 anos, passou por um enorme trauma que reverberou até a adolescência. “Quando eu era pequena, eu passei por terapia de cura gay. Nos anos 1990, ainda era permitido esse tipo de tratamento, depois foi proibido. Mas, durante o pouco tempo que fiz o acompanhamento, fez um estrago enorme”, relata. “O acesso à informação foi um ponto de virada na minha vida. No início dos anos 2000, já tínhamos pessoas falando sobre identidade de gênero e, com a internet e as redes sociais, em 2010, isso me ajudou bastante a me entender e me aceitar”, revela Samanta. “O apoio da minha mãe e de parentes fez toda a diferença. E esse é até um apelo que eu faço, que as pessoas abracem e escutem o que os familiares trans têm a dizer. Porque isso salva vidas”, destaca.

Com o foco no acesso à informação para a população trans, familiares e amigos, a Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal (Sejus) criou o site Cidadania Trans. O portal reúne dados e serviços básicos especializados para o atendimento de pessoas transexuais e travestis. Nele, é possível saber o passo a passo para a retificação do primeiro nome, como fazer e a quem recorrer. A secretária da pasta, Marcela Passamani, explica que o site foi criado a partir de uma demanda das mulheres trans. “Em uma visita, uma mulher trans me parou pedindo informações sobre quais órgãos ela poderia procurar para a reposição hormonal, e percebi essa carência”, conta Marcela. De acordo com a secretária, este é o primeiro portal de direitos para pessoas trans do Brasil. Nesta semana, em alusão ao Dia da Visibilidade Trans, o Palácio do Buriti também ganhou iluminação especial nas cores da bandeira trans.

Para além do site, a pasta comemora a sanção da lei distrital de autoria do deputado Fábio Felix (PSol) que assegura o direito do nome social nas lápides e nos atestados de óbitos de travestis, mulheres transexuais, homens transexuais e demais pessoas trans. A lei foi sancionada pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) na tarde de ontem, com previsão de publicação no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) de hoje. Com a norma, familiares de pessoas que já faleceram podem requerer, a qualquer momento, a inclusão do nome social nas lápides, na certidão de óbito e nos registros dos sistemas de informação dos locais responsáveis pelo sepultamento, cremação e tanatopraxia.

Fica assegurado o respeito à aparência pessoal e às vestimentas que representem a identidade de gênero da pessoa que morreu. O descumprimento da lei implica em multa equivalente ao valor de 10 salários mínimos, para o custeio de políticas públicas de promoção de direitos das pessoas trans.

  • Em 25 de outubro de 2018, Adam Vitor Jesus Ferreira, renasceu com a retificação do nome se tornando oficialmente homem trans
    Em 25 de outubro de 2018, Adam Vitor Jesus Ferreira, renasceu com a retificação do nome se tornando oficialmente homem trans Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • O Dia da Visibilidade Trans representa a luta cotidiana das pessoas trans pela garantia de direitos e pelo reconhecimento da sua identidade
    O Dia da Visibilidade Trans representa a luta cotidiana das pessoas trans pela garantia de direitos e pelo reconhecimento da sua identidade Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Para Samanta Medanha o acesso a informação e apoio familiar salvam vidas
    Para Samanta Medanha o acesso a informação e apoio familiar salvam vidas Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Para Samanta Medanha o acesso a informação e apoio familiar salvam vidas
    Para Samanta Medanha o acesso a informação e apoio familiar salvam vidas Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

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Glossário

Pessoa que se identifica com o gênero oposto ao de nascimento. Evite utilizar o termo isoladamente, pois soa ofensivo para pessoas transexuais, pelo fato de essa ser uma de suas características e não a única. O ideal é se referir à pessoa como mulher transexual ou como homem transexual, de acordo com o gênero com o qual ela se identifica.

Calvário pela identidade

A Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou o Provimento n° 73, em 29 de junho de 2018, que prevê a alteração de prenome e gênero nos registros de nascimento e casamento de pessoas trans, por meios administrativos e sem a obrigatoriedade da comprovação da cirurgia de redesignação sexual ou decisão judicial. Tudo é realizado diretamente no cartório. A normativa está em consonância com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Anteriormente, as pessoas trans eram obrigadas a passar por um processo judicial demorado e, muitas vezes, constrangedor para fazer a retificação do seu prenome e seu gênero no registro civil. Juízes exigiam exames psiquiátricos, psicológicos, ginecológicos/urológicos, endocrinológicos, dentre outros, sem qualquer garantia de que a retificação seria autorizada. Além disso, em muitos casos, era solicitado que fosse comprovada a cirurgia de redesignação sexual (conhecida de forma equivocada como mudança de sexo).

Rede de amparo

Serviços ofertados para a população trans no Distrito Federal

Ambulatório Trans
É um serviço ambulatorial especializado que está em funcionamento no Hospital Dia. O espaço visa possibilitar o acesso a uma saúde integral para a população trans e o processo transexualizador. Conta com uma equipe formada por profissionais da psicologia, psiquiatria, enfermagem e endocrinologia, dentre outros serviços parceiros.
Endereço: EQS 508/509, Av. W3 — Brasília/DF.
Horário de funcionamento: das 7h às 12h e das 13h às 18h, de segunda a sexta-feira.
Telefone: 2017-1145.

Adolescentro
O local oferece atendimento especializado aos jovens entre 10 e 18 anos em sofrimento mental devido a problemas relacionados com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), dificuldades de aprendizado, questões relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero, quadros depressivos e de autoextermínio, violências física e/ou sexual, dentre outros.
Endereço: SGAS II St. de Grandes Áreas Sul 605.
Horário de funcionamento: segunda à sexta-feira, das 7h às 18h.

Creas Diversidade
Serviço de atendimento e proteção especializado às pessoas em situação de discriminação, oferece orientação individual, familiar e de grupos, incluindo encaminhamentos a outros serviços socioassistenciais, às demais políticas públicas e ao sistema de garantia de direitos.
Endereço: L2 Sul, SGAS 614/615.
Telefones: (61) 3224-4898 e
(61) 3322-4980.
Horário de atendimento: segunda à sexta-feira, das 8h às 12h e das 14 às 18h.

Pró-vítima
Os serviços do Pró-Vítima são gratuitos para todas as vítimas de violências e seus familiares, independentemente de idade, identidade de gênero, condição social, não havendo necessidade de comprovação de renda (hipossuficiência
econômico-financeira). Os atendimentos do Pró-Vítima são realizados por equipe técnica, formada por psicólogos e assistentes sociais, e ocorrem em Ceilândia, Guará, Paranoá, Planaltina, Taguatinga e Plano Piloto (antiga Estação Rodoferroviária).

Ceilândia:
Endereço: Shopping Popular de Ceilândia — Espaço Na Hora.
Telefones: (61) 2104-1480 e
(61) 9 9245-5207.
Horário de atendimento: segunda à sexta-feira, das 8h às 17h.

Guará:
Endereço: QELC Alpendre dos Jovens – Lúcio Costa.
Telefone: (61) 9 9276-3453.
Horário de atendimento: segunda à sexta-feira, das 8h às 17h.

Paranoá:
Endereço: Quadra 05, Conjunto 03, Área Especial D — Parque de Obras.
Telefones: (61) 3369-0816 e
(61) 9 9173-2281.
Horário de atendimento: segunda
à sexta-feira, das 8h às 17h.

Planaltina:
Endereço: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1º Andar, salas 111/114.
Telefones: (61) 3388-8706 e
(61) 9 9276-5279.
Horário de atendimento: segunda à sexta-feira, das 12h às 19h.

Sede:
Endereço: Estação Rodoferroviária, Ala Norte, Sala 04 — Brasília/DF.
Telefones: (61) 2104-4288 e
(61) 2104-4289.
Horário de atendimento: segunda à sexta-feira, das 8h às 17h.

Taguatinga:
Endereço: Administração Regional de Taguatinga – Espaço da Mulher – Praça do Relógio.
Telefones: (61) 3451-2528 e
(61) 9 9168-0556.
Horário de atendimento: segunda à sexta-feira, das 8h às 17h.

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