Para respeitar a vida

Ghostbikes homenageiam ciclistas mortos e alertam para o respeito à vida

Ghostbikes às margens de vias da cidade homenageiam vítimas da violência no trânsito e têm o objetivo conscientizar a população sobre o respeito aos ciclistas

Quem passa pelas vias de Brasília com certeza já viu uma bicicleta branca com flores e enfeites às margens das vias. Mas o que elas querem dizer? Conhecidas como ghostbikes, a iniciativa faz parte de uma ação da ONG Rodas da Paz para homenagear ciclistas mortos pelo trânsito do Distrito Federal, além de conscientizar a população pelo valor à vida de quem utiliza a bicicleta como um meio de transporte ou por lazer. O tributo ainda representa um alento para as famílias que perderam um ente querido de uma forma tão trágica. Para Selma Oliveira de Morais, 61 anos, a ghostbike fixada no último domingo, na L3 Sul, em homenagem ao marido que faleceu, em maio do ano passado, é uma maneira carinhosa de lembrar do empresário Vitor Pullig Salgado, 67.

Vitor saiu de casa em 21 de maio de 2020, para pedalar — algo que fazia com muita frequência pelas vias da capital. Era por volta das 17h, em um dia claro. Um passeio que, infelizmente, não terminou bem. Um motorista que trafegava na pista de acesso à Ponte das Garças, acabou colidindo com Vitor, que teve ferimentos graves e não resistiu após quatro dias internado no hospital. O ocorrido abalou a família inteira, tanto pela perda de um pai, um amigo, um marido, como pela situação em si. No entanto, a lembrança da pessoa alegre, sempre sorridente e família é o que marca para aqueles que conheceram Vitor em vida. “Ele adorava uma competição, sempre muito ativo, que gostava de pedalar. Muito família. É assim que gosto de me lembrar dele”, conta Selma.

No domingo, a ONG Rodas da Paz também prestou homenagem a Saturnino Aguiar de Paula Júnior, 47, morto em 2015, após se atropelado na quadra 3 do Park Way. A viúva, Eliane Luiz da Costa Aguiar, 52, conta que o período de luto ainda é doloroso para ela e a família. “Abalou a família inteira. Ir ao cemitério ainda é algo difícil para a gente. Mas a colocação da ghostbike é muito importante. Representa o que ele mais gostava de fazer. Tenho certeza, onde ele estiver, ele vai se sentir homenageado”, ressalta Eliane, que está retornando a pedalar aos poucos em trilhas no Jardim Botânico após cinco anos do ocorrido.

Para quem conheceu Saturnino, ele era uma pessoa sonhadora que vivia um dia de cada vez. “Adorava fazer corrida e caminhada. Eu que andava de bicicleta, o trouxe para pedalar e ele se apaixonou pelo esporte. Posso dizer que ele era uma pessoa muito feliz”, ressalta Eliane. Os dois foram casados durante 30 anos e tiveram três filhos que têm a idade entre 25 e 30 anos. A colocação da escultura da bicicleta branca serviu de amparo para Eliane que se sentiu acolhida na grande família entre os ciclistas. “É uma união muito forte. Todo mundo sente a perda e nos conforta”, relata.


Manifestação

O coordenador-geral da ONG Rodas da Paz, Raphael Barros, alerta sobre a atenção no trânsito em relação aos ciclistas. “Tem que ser observado tanto pelo governo quanto pelos motoristas que estão trafegando lá, para tomarem cuidado. Essas (ghostbikes) são uma manifestação de que ali se perdeu uma vida e isso podia ter sido evitado”, pontua. Sobre a colocação das bicicletas brancas, ele explica que só são instaladas após a aprovação dos parentes das vítimas. “Pedimos licença para a família, para ter certeza de que terão tranquilidade de passar pelo local, lembrar do ciclista, e não sofrer”, conta.

No ano passado, foram colocadas seis esculturas de bicicletas brancas marcando o local onde ocorreu o acidente seguido de óbito e, este ano, já foram fixados mais dois. Segundo dados do Instituto de Medicina Legal (IML), entre janeiro e outubro do ano passado, foram 17 mortes de ciclistas nas vias do Distrito Federal, contra 19 em relação ao mesmo período de 2019.

Ativismo

Um cicloativista. É assim que a mãe do jovem Raul Aragão, morto aos 23 anos, vítima de um atropelamento na L2 Norte, em 2016, o define. “A opção dele era a bicicleta. Fazia dela sempre o meio de transporte”, diz Renata Aragão, 61, mãe do rapaz. A ligação com o mundo das bikes era tão forte que Raul desenvolveu o tema no Trabalho de Conclusão de Curso de Ciências Sociais, da Universidade de Brasília (UnB). Infelizmente, ele não chegou a apresentar a pesquisa, mas teve fragmentos publicados no anuário de antropologia da UnB. “O TCC falava sobre o impacto dos carros na vida dos moradores de Brasília”, conta a mãe.

Sensível, ativista e apaixonado pela cidade, Raul integrava o Rodas da Paz e ajudou a colocar bicicletas brancas para os colegas mortos nas vias do DF. “No velório dele apareceu uma senhora dizendo que ele colocou uma ghostbike do pai dela, em Samambaia. Ela ficou tão encantada por ele, que passou a segui-lo nas redes sociais e, assim, soube do atropelamento e morte dele”, conta Renata.

As homenagens ao jovem ciclista ajudam a manter viva a memória de Raul entre os parentes e amigos. “Preenche muito a gente que vive com a ausência. Eu faço de grupos de mães que perderam filhos e uma das coisas que a gente sente muito é que o filho vai ficando esquecido”, ressalta Aragão.

Raul Aragão foi morto pelo estudante da Universidade de Brasília (UnB), Johann Homonai, que o atingiu com velocidade de 95 km/h (de acordo com o laudo pericial) na L2 Norte, uma rua de Brasília cuja velocidade máxima permitida é 60 km/h, em outubro de 2017.


Memória

Pedro Davison

Pedro Davison morreu após um atropelamento no Eixo Sul, em Brasília, há 14 anos. Ele tinha 25 anos quando foi atropelado por um carro que estava acima da velocidade permitida ao local em que era proibida a circulação de automóveis. Os pais, Pérsio e Maria Elizabeth, buscaram preservar o legado do filho por meio da conscientização dos motoristas, com o objetivo de evitar novas tragédias no trânsito. A de Pedro incentivou a criação do Dia Nacional do Ciclista (Lei Federal n° 13.508/2017), comemorado em 19 de agosto.


Givelson Carlos

O policial civil aposentado Givelson Carlos Batista da Cunha, 54, morreu em novembro do ano passado depois de um atropelamento que sofreu, enquanto pedalava com o grupo Jaguar do Pedal na DF-205, na região do Córrego do Ouro, próximo à divisa norte do DF com Goiás, em Sobradinho. O motorista que atropelou fugiu do local para não ser autuado em flagrante.


Francisco Vidal

O agente penitenciário Francisco Vidal morreu depois de ser atingido por um veículo, quando seguia no sentido Taguatinga-Plano Piloto, em junho de 2014. O impacto fez com que a vítima fosse jogada no canteiro central da EPTG e a bicicleta ficou totalmente destruída. O homem morreu na hora e o condutor fugiu do local.