CIÊNCIA

Projetos visam incluir e incentivar mulheres na carreira científica

Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência será celebrado nesta quinta-feira. Conheça mulheres e projetos de diversas universidades, organizações e entidades que atuam pela divulgação do trabalho de cientistas

Ana Maria da Silva
postado em 09/02/2021 06:00
 (crédito: Acervo/Projeto Include)
(crédito: Acervo/Projeto Include)

As mulheres foram excluídas da educação formal por muitas décadas, sob justificativas pseudobiológicas, relacionando o corpo feminino à menor capacidade intelectual e cognitiva. Até hoje, a maior carga de serviços domésticos e cuidados familiares deixa as mulheres em desvantagem no meio acadêmico, gerando disparidades não só no desenvolvimento de estudos e publicação de artigos, como também na representatividade entre pesquisadores, a qual é crucial para uma discussão mais complexa dos assuntos e diversidade dos temas escolhidos para estudo.

Com o objetivo de celebrar os feitos das mulheres na área, e encorajar gerações mais novas a buscarem carreira científica, a Assembleia Geral das Nações Unidas estabeleceu o dia 11 de fevereiro como o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência. A data é um marco para a promoção da igualdade de direitos entre homens e mulheres em todos os níveis do sistema educacional, sobretudo nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (Stem).

A representatividade, muitas vezes, pode estar na gestão de um projeto. É o que defende a educadora Valéria de Oliveira, 55 anos, gerente do Reciclotech — projeto da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, executado pela organização da sociedade civil Programando o Futuro. “Ser gerente desse projeto é uma oportunidade de promover ações afirmativas. Há valorização da diversidade na composição da equipe, das turmas, no material didático e no empoderamento por meio da geração de conhecimento, oportunidade e renda”, acredita.

Como gestora, Valéria diz que a desigualdade de gênero ainda é uma realidade na sociedade. “Ela se reflete na subrepresentação das mulheres em postos de comando e na diferença salarial, mesmo para o desenvolvimento de funções similares”, lamenta. “Na área de tecnologia não é diferente. Por isso, a equidade na oferta de vagas para a composição da equipe e das turmas dos cursos é muito importante para mudar essa realidade. O conteúdo pedagógico, também, deve abordar a igualdade de gênero”, defende a educadora.

Valéria explica que as dificuldades que enfrenta como gestora são comuns às mulheres. “Já sofri assédio no trabalho, enfrentei dupla jornada, dificuldade de acessar creches para meus filhos, e convivo diariamente com a tristeza de ver o número de feminicídios aumentar dia após dia”, diz. Para a gestora, o conhecimento e o trabalho são o caminho para a materialização dos direitos femininos. “A inclusão digital é fundamental para acessar conteúdos, se comunicar e continuar a importante luta que nossos ancestrais vêm travando desde sempre, e que nos permitiu chegar até aqui”, completa.

O projeto Reciclotech envolve diversas ações de coleta de lixo eletrônico, que passa por um processo de recondicionamento e é doado para alunos e alunas de escolas públicas. Também fazem parte do projeto cursos de formação na área de tecnologia. Além do descarte ambientalmente correto, o projeto estimula a doação do que está ocioso ou com defeito. Esse material passa por um processo de recondicionamento que permite o reuso. Toda a ação é estruturada para promoção da inclusão digital, ferramenta fundamental para a promoção da ciência.

Espaço de fala

“Ser ouvida”. Essa foi a resposta da administradora e diretora nacional do projeto Include by Campus Party, Sidiane Zanin, 32, ao ser questionada quanto à maior dificuldade que enfrentou como mulher no ramo da tecnologia. Idealizadora da Metodologia Include — sistema de ensino baseado na experiência de ensinar tecnologias em comunidades carentes do Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Paraná, Santa Catarina e Bahia — ela conta que procura criar incentivos para que mais mulheres entrem no mundo tecnológico.

Para isso, Sidiane abre oportunidades por meio do projeto Include. “Reservamos 50% das vagas para alunas e incentivamos que, ao menos, 50% da equipe pedagógica sejam formadas por mulheres. Nem sempre conseguimos. O ‘isso não é pra mim’ ainda é muito forte”, lamenta a diretora. De acordo com ela, 70% da equipe interna de gestão do projeto são de mulheres.

A iniciativa foi desenvolvida a partir das necessidades da base, por exemplo, ensinar tecnologia com materiais reciclados e sucatas, em vez de usar blocos padronizados. “Em termos de estrutura e acesso à tecnologia, nosso projeto buscou sempre trazer materiais de qualidade e excelência, além de um layout de sala de aula produzido para tornar a experiência dos alunos mais atual possível”, explica Sidiane. O projeto existe há três anos e está presente em oito estados. “Temos um objetivo bem ousado de abrir 10 mil laboratórios em comunidades carentes de todo o Brasil”, diz.

Como diretora, Sidiane diz que são poucos e restritos os incentivos que existem, hoje, para a participação das mulheres no ramo da tecnologia. “Os poucos incentivos que existem, em sua maioria, estão ligados a carreiras acadêmicas, quando na verdade, os profissionais de tecnologia se desenvolvem por meio de comunidades próprias — criadas dentro do mundo digital —, ou de maneira autodidata”, explica. “O que falta é a oportunidade na base. É esse o ciclo vicioso que se perpetua e que o Projeto Include busca romper”, completa.

Para que essa realidade melhore, a diretora diz que é preciso ouvir genuinamente as mulheres e criar incentivos reais, oportunidades, antes de bloqueios quase sempre advindos do preconceito. “Em resumo, ampliar projetos e oportunidades voltados para as meninas, sobre tecnologia e cultura maker. Em todas as esferas, seria interessante a ampliação do acesso daquelas que estão em situação de vulnerabilidade social, mas na tecnologia a fala das meninas está impregnada da crença limitante do: ‘isso não é para mim’”, explica. Para as mulheres, Sidiane deixa o recado: “Quando chegarem lá, empoderem outras mulheres”.

Incentivo

Com o intuito de incentivar o ingresso de meninas no mundo das ciências exatas e das engenharias, a Faculdade de Tecnologia (FT), da Universidade de Brasília (UnB), criou o Projeto Meninas Velozes. A ideia de realizar um projeto de extensão que promovesse a igualdade de gênero e, ao mesmo tempo, permitisse motivar o ingresso de jovens e meninas nas áreas de Stem.

Segundo a coordenadora do projeto e engenheira mecânica, Dianne Magalhães Viana, 56, a iniciativa teve início a partir da inquietude de que, na UnB, o percentual de mulheres é de cerca de 20% nas áreas de ciências exatas e engenharias. “Como mulher, com os meios que eu disponho no âmbito universitário, sinto uma grande satisfação em criar oportunidades para que outras mulheres construam suas carreiras e possam fazer suas escolhas”, diz a coordenadora.

Parceria com escola

Para contribuir com o acesso de estudantes de escolas públicas do DF ao universo da ciência, foi estabelecida uma parceria com o Centro de Ensino Médio 404, de Santa Maria. Desde então, todo ano são selecionadas cerca de 20 alunas para participarem do projeto de extensão e do programa de iniciação científica da UnB. As estudantes são contempladas com bolsas de iniciação científica júnior da UnB, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) ou da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF).

O fato de ser um projeto de extensão universitária mostra a importância da universidade na proposição de soluções para problemas que afligem a sociedade, conforme explica Dianne. “Um projeto pode parecer pouco, mas ele se soma às várias iniciativas que vêm sendo apoiadas pelo CNPq para incentivar, cada vez mais, mulheres a assumirem seu papel de igualdade nas áreas de ciências e engenharias”, defende.

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