TRANSPORTE PÚBLICO

Passageiros e rodoviários relatam insegurança nos ônibus do DF

Apenas em 2020, em meio à pandemia, foram registrados 921 assaltos em coletivos, uma média de dois por dia

Darcianne Diogo
postado em 11/02/2021 06:00
 (crédito: Ana Rayssas/CB/D.A Press)
(crédito: Ana Rayssas/CB/D.A Press)

À sombra da violência, passageiros do transporte público do Distrito Federal se arriscam diariamente. Independentemente do horário, quem anda nos coletivos corre o risco de entrar para as estatísticas da Secretaria de Segurança Pública. Apenas em 2020, em meio à pandemia, a pasta registrou 921 casos de assaltos em ônibus, média de dois por dia. Em 2019, foram 1.541 ocorrências.

O risco, entretanto, também estende-se para aqueles que aguardam nos pontos de ônibus. Essa semana, três assaltantes cometeram uma série de assaltos em paradas de Santa Maria (veja Memória) por volta das 5h. Pelo menos três trabalhadores que iam para o serviço foram vítimas e tiveram os pertences levados pelos criminosos.

A Secretaria de Segurança Pública garante que, com base nos dados de registros e por demandas da comunidade, produz estudos que indicam dias, horários e locais de maior incidência de cada crime em todo o DF. As informações são utilizadas na elaboração de estratégias para o policiamento ostensivo da Polícia Militar e na desarticulação de quadrilhas e investigação da Polícia Civil.

A servente Francilene de Oliveira, 43 anos, foi assaltada quatro vezes dentro dos ônibus. Duas delas, ela estava saindo de Brazlândia, cidade onde mora, para trabalhar no Plano Piloto. Ela conta que, na última vez, há um ano, dois criminosos embarcaram na Estrutural e, após duas paradas, anunciaram o assalto. “Levaram minha bolsa, celular e até o crachá do trabalho, mas fui para o serviço mesmo assim. É uma sensação de impotência. Não podemos fazer nada. Na hora, só vem o medo de morrer”, relatou.

Juesley Costa, 27, não consegue se esquecer do medo que sentiu dentro de um coletivo, há dois anos. O segurança saía do trabalho, no período da tarde, em Taguatinga, para ir para casa, em Santo Antônio do Descoberto (GO). O ônibus estava vazio, quando três homens entraram, anunciaram o assalto e roubaram os celulares das vítimas. O jovem questiona as ações de segurança para coibir esse tipo de crime. “A tendência é piorar. Poderiam criar soluções, como um botão, que apertasse e acionasse a polícia. Ou até mesmo melhorar o policiamento nas vias”, destacou.

Rodoviários sob risco

No DF, há cerca de 12 mil funcionários de empresas de ônibus, entre motoristas e cobradores. Levantamento do Sindicato dos Rodoviários do DF indica as regiões com maior incidência de assaltos. Samambaia aparece em primeiro lugar, seguido por Ceilândia, Recanto das Emas e Estrutural.

Aderbal dos Santos, 32, trabalha como cobrador há 11 anos e conta que já foi assaltado por mais de 17 vezes durante todo o tempo de serviço. A última vez ocorreu há um ano, quando ele fazia a linha Plano Piloto/Samambaia. Na ocasião, Aderbal teve a arma apontada na cabeça por mais de cinco minutos e, sob ameaça, entregou todo o dinheiro do caixa.

Em outra situação, no mesmo trajeto, o cobrador também foi assaltado, mas definiu o momento como “filme de terror”. “Minha mulher estava grávida de oito meses. Os bandidos estavam armados, mas eu só lembrava da minha esposa e do bebê que estávamos esperando. Na hora, o medo de morrer falou mais alto”, contou.

Antes de ocupar o cargo de motorista, Aldemir Peixoto, 44, trabalhou como cobrador, entre 2011 e 2013, e se recorda até hoje das situações de medo que passou dentro dos coletivos. “Fui assaltado quatro vezes em menos de três anos. Em uma vez, cheguei a ter o revólver encostado nas minhas costas e na minha orelha. É uma situação que não desejo a ninguém.” Mesmo com o passar dos anos, Aldemir não se sente seguro no trabalho e considera-se no alvo dos criminosos. “Só sabemos a hora que saímos da garagem com o ônibus. Mas é imprevisível. Não sabemos se voltaremos vivos”, completou.

Soluções

A frota de ônibus do Distrito Federal é composta por 2,7 mil veículos, segundo a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob). Os coletivos dispõem de câmeras de segurança e a orientação é que as imagens gravadas do crime sejam entregues a uma delegacia, em um prazo de 24 horas, a contar do momento do fato. A regra foi estabelecida pela secretaria por meio da Portaria 96/2019, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), de 6 de dezembro de 2019. A medida tem o objetivo de facilitar o trabalho da Polícia Civil nas investigações criminais e inibir a prática de assaltos, furtos e assédios nos ônibus.

Na avaliação do vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários do DF, João Jesus Oliveira, as câmeras internas dos veículos poderiam ser monitoradas em tempo real por uma central de segurança. “O que ocorre é que apenas o equipamento instalado não inibe o assalto na hora exata. Ele serve para fiscalizar os trabalhadores e, em casos de roubos, é vistoriada pela polícia. Mas, com certeza, facilitaria se fosse acompanhada 24 horas”, questionou.

Como estratégia para coibir crimes em transporte público, a SSP-DF informou, por meio de nota oficial, que a Polícia Militar usa um grupo de mensagens, que conta com a participação de rodoviários, comunidade e corporação em troca de informações sobre suspeitos. “O planejamento das operações é realizado com base nas informações repassadas pelas equipes de inteligência, que indicam as áreas e horários de maior incidência criminal a ônibus e nas proximidades das paradas de transporte coletivo, ou seja, locais que necessitam de maior presença policial. A finalidade das ações é aumentar a sensação de segurança da comunidade que utiliza o transporte coletivo diariamente”, garantiu a pasta.

 

Memória

Assalto em Santa Maria

Na segunda-feira, três homens foram presos pela Polícia Militar apontados como autores de uma série de roubos em paradas de ônibus nas quadras 518, 318 e 204, de Santa Maria. Militares do 26º Batalhão foram acionados e, a partir do rastreamento da localização de um dos celulares roubados das vítimas, a polícia conseguiu encontrar os homens próximo ao local dos crimes, na quadra 203. O trio foi reconhecido pelas vítimas e detido. Na delegacia, constatou-se que o veículo usado pelo grupo era furtado. Com eles, foram apreendidos oito celulares roubados, uma arma falsa e 500 gramas de maconha.

 

QUATRO PERGUNTAS PARA

Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública

Tivemos uma redução no número de assaltos entre 2019 e 2020 nos ônibus do DF. O que esses números representam?

Representam que as práticas de segurança pública implementadas deram certo. De 2016 para 2018, houve uma redução de quase 50% em um delito que incomodava gravemente os passageiros que dependiam de ônibus. Trazer uma solução que baixe o número de crimes não pode ser desconsiderada, em qualquer que seja o estado em que isso seja verificado. Percebe-se uma continuidade do que já estava funcionando, seguida de melhoria das estratégias de segurança implementadas no governo atual. É comum que novas gestões desfaçam o que a anterior realizava. Isso é sinal de maturidade da nova equipe que faz a gestão de segurança do DF.

Podemos dizer que houve influência da pandemia na redução das estatísticas?

Certamente houve impacto. Com menos cidadãos transitando, diminuiu a circulação de dinheiro em espécie e bens que pudessem ser levados. Além disso, ônibus mais vazios reduzem a oportunidade dos ladrões de se valerem da superlotação para facilitar suas ações.

Apesar da diminuição, os assaltos a ônibus ainda são recorrentes. Por que os assaltantes optam por essa modalidade criminosa?

Os ônibus dão várias oportunidades aos bandidos, em especial quando falamos da retirada de bens de alto valor, como os celulares e aparelhos de computador. Junto com isso, permitem que os bandidos desçam em locais diversos do itinerário. Esses pontos são de difícil perseguição e, normalmente, em áreas onde eles possam esconder os objetos levados, para depois voltar e recolhê-los, fugindo de situações de flagrante.

Quais medidas podem auxiliar no combate desses crimes?

Em especial a mudança de pensamento sobre como tornar o DF uma cidade inteligente em relação à segurança. Isso determina trazer mais do que câmeras para a cidade. Depende de uma parceria com o cidadão e com o comércio, dada a incapacidade do governo conseguir prover internet gratuita, plataformas e aplicativos participativos para situações de emergência do brasiliense.

 

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