Mesmo em um país no qual o absurdo foi normalizado, insisto em me espantar. Esse é o último vestígio de humanidade. Por isso, assisti com estupefação a reportagem sobre a mudança promovida pelos senhores na estrutura do Congresso Nacional, que expulsou os jornalistas de um tradicional comitê ocupado há seis décadas, contíguo ao plenário e arejado, para um local sem banheiro e sem janelas. Tudo isso em tempo da covid.
Nunca fui jornalista de político, mas admiro os colegas que militam na área, pois deveriam ganhar auxílio insalubridade por circular em gabinetes que são verdadeiras sucursais do inferno aqui na terra. Vossas excelências acreditam que, com essa atitude, restringem a atividade da imprensa e se livram do olhar indiscreto sobre as suas ações.
Todavia, vossas excelências se equivocam, pois ao cercear a imprensa, atingem é a democracia. Porque ela é indivisível do sistema democrático. Ao longo da história, a imprensa foi instrumento decisivo na constituição dos direitos humanos, na emancipação social das mulheres, na conquista do voto para todos e na criação dos parlamentos.
É difícil entender a aversão que os senhores dispensam aos jornalistas. Eles não são culpados se alguns dos seus pares e de seus líderes praticam rachadinhas, desviam dinheiro público, protegem as falcatruas dos colegas na Comissão de Ética e chegam até a usar tornozeleiras eletrônicas.
Também não são responsáveis pelo fato de os senhores transformarem os partidos em balcões de negócios, de manterem um sistema político que institucionalizou a seleção dos piores elementos da sociedade, de criarem um fundo partidário imoral e de drenarem recursos da educação e da saúde para o fundo partidário. E mais: de serem omissos em relação à gestão que levou à morte de mais de 200 mil brasileiros ou à operação de passagem da boiada para a devastação ambiental.
Esse parlamento já teve Tancredo Neves, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, Severo Gomes, Fernando Henrique Cardoso e Ulisses Guimarães. Mirem-se nos exemplos deles e não na carreira do estadista Eduardo Cunha.
Bem sei que, neste momento, os senhores se consideram os donos do país e do mundo, depois de uma vitória alcançada à custa de vender a consciência em troca de emendas e cargos. Mas talvez manter pactos faústicos com governos de matiz autoritária não seja um bom negócio a médio e a longo prazo.
A história nos ensina que, não raras vezes, os apoiadores e bajuladores são os primeiros a ter os direitos cassados e a ser perseguidos em um ambiente regido pelo arbítrio e não pela Constituição.
Com certeza, a imprensa comete erros e embarca em canoas furadas. No entanto, recentemente, quando o Congresso Nacional foi atacado, a maioria dos senhores se acovardou e os jornalistas defenderam a instituição comandada por vossas excelências. Quem é contra a imprensa, é contra a democracia. Essa página da história será virada. Aos vencedores, as latas de leite condensado.
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