Crônica da Cidade

por Severino Francisco severinofrancisco.df@dabr.com.br (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

Correio Braziliense
postado em 18/02/2021 21:54

A pequena notável

Enquanto o mundo explode, eu queria homenagear a uma das melhores amigas, Gioconda Caputo, que faz aniversário hoje. Ela não gosta de aparecer e, possivelmente, vai me dar uma bronca. Não importa. Ninguém imagina que no corpo franzino aquela baixinha carregue tanta força, resistência, dignidade, instinto, inteligência, sensibilidade e intuição. É um ser humano da melhor qualidade.

Gioconda tem o realismo bruto de mineira do interior, que abomina a mentira e tem a suprema coragem de ser, sem trapaças. Uma vez, reclamei da atitude de um amigo ou suposto amigo. Depois de ouvir atentamente, a certa altura, ela ficou irritada e sentenciou, impaciente: “Olha, os verdadeiros amigos cabem nos dedos da mão direita. Os seus verdadeiros amigos são: eu, fulana, beltrana e beltrano. E, quer saber, está maravilhoso”.

Trabalhamos juntos mais de 20 anos, em boa parte do tempo, eu, como editor, e ela, no posto de subeditora de cultura. A sua perspicácia foi crucial na consolidação de muitas coisas importantes na cidade. Gioconda havia viajado e ficado encantada com a sede do CCBB no Rio. Encantada e indignada porque não havia um centro semelhante em Brasília, a capital do país.

A partir daí, desencadeamos uma campanha que culminou com a criação do CCBB Brasília. Não digo que foi apenas por causa disso, mas o movimento apressou e antecipou a decisão. Aprendi muito com ela e, uma das maiores lições, foi a da prontidão.

Quando têm um problema, muitas pessoas costumam jogá-lo embaixo do tapete e empurrá-lo com a barriga. Pois, ao se deparar com uma pendência, Gioconda avança sobre ela para resolvê-la no mesmo instante: “Problema, a gente atropela”, costuma dizer. Tomei a frase como lema de vida.

Certa vez, organizei uma festa de aniversário da Gioconda, em que havia todos os itens que ela odiava: ovo cozido, filé de rã e sushi. Ela é dotada de um misterioso mau-humor muito bem-humorado e tirou de letra. Divertiu-se muito. Não gosta é das festas convencionais e chatas.

Nós tínhamos uma repórter, a quem chamarei pelo nome fictício de Juliana, que primava por um ceticismo que raiava o cômico. Gioconda teve muitas trombadas com ela por causa disso. Então, para amenizar o clima, resolvi fazer uma declaração de amor irreverente, com a autoridade de chefe. Combinei com a equipe inteira que, quando Juliana chegasse, eu daria a senha: 1, 2, 3... E todos da equipe, umas 10 pessoas, gritaríamos em coro: “Juliana, nós te amamos, sua imbecil!!!”.

E assim foi feito. Ao ouvir aquela declaração de amor berrada, a plenos pulmões, Juliana ficou muito emocionada, chorou e teve de sair da redação, acompanhada por outra colega. Ficamos preocupados, fui perguntar o que estava acontecendo e a colega explicou: “Juliana está chorando, ela não acredita que nós a amamos”. Com velocidade aquariana, Gioconda fulminou: “É, mas no imbecil, ela acredita”.

Moro em um condomínio horizontal fronteiriço a uma mata de cerrado. Um dia, acordei às 7h para caminhar e entrei em êxtase com a sinfonia de pássaros. Fiquei tão enlevado que pensei em ligar para a Gioconda, abrir o celular e deixar que ela ouvisse o maravilhoso canto dos pássaros.

Em um surto de sensatez, desisti do intento desrazoado, mas não pude deixar de imaginar a reação do seu misterioso mau-humor bem-humorado, que se expressaria com palavras que, nas historinhas em quadrinhos, são representadas por relâmpagos, asteriscos, cobras, lagartos e outros bichos: “@*%#&!!! Não acredito que você me acordou às 7h para ouvir passarinho. Só pode ser um pesadelo!!!”

 

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