A prisão do deputado Daniel Silveira abriu o sinal de alerta para suas excelências. Se os parlamentares roubam, disseminam ameaças a autoridades pelas redes sociais, ordenam assassinatos, desviam recursos públicos, atentam contra a democracia e defendem ditaduras, a culpa é da Constituição e não das excelências. Então, vamos mudar a lei conferindo mais impunidade para que ninguém seja preso.
Esse parece ser o espírito que animou os deputados a votar a PEC para blindar os parlamentares e, praticamente, inviabilizar a prisão de qualquer um deles, mesmo sob o flagrante de um crime. Para ser detidas, suas excelências precisam ser julgadas pelo plenário do Supremo, com seus 11 juízes. E, se forem presas, ficarão reclusas em seus gabinetes ou quem sabe no plenário.
É sempre importante lembrar que a imunidade parlamentar foi criada pela Constituição Cidadã de 1988, sob o trauma de um longo período do regime militar, para proteger os parlamentares do arbítrio dos déspotas de plantão.
Mas os parlamentares atuais não têm sido alvo de prisões decorrentes de abuso de autoridade. Quem abusa da imunidade são os que confundem imunidade com impunidade parlamentar. Quem abusa da autoridade é quem usa a liberdade de expressão para ameaçar autoridades, roubar, fazer apologia da ditadura e solapar as instituições democráticas. Isso nada tem a ver com a atividade parlamentar. No sistema democrático, os direitos são relativos e têm limites.
A ação de Daniel Silveira não é um ponto fora da curva. Vários outros parlamentares desfecham ações na mesma direção antidemocrática e antirrepublicana. Suas excelências não precisam de impunidade, e, sim, de leis mais duras que inibam suas improbidades. Existem inúmeros parlamentares na mira da justiça porque desviaram de verbas, ordenaram assassinatos, comandaram rachadinhas e rachadonas.
Com a nova PEC da impunidade dificilmente serão presos. O lamentável é que esse monstrengo jurídico agregado à Constituição teve o apoio não apenas do Centrão, mas, também, de partidos e de parlamentares da oposição. E, veja-se, a ironia do destino, o relator é um deputado do PSDB, antigo Partido Social Democrata Brasileiro, que perdeu qualquer identidade e se reduziu a mais um balcão de negócios.
A PEC da impunidade é revoltante não apenas pelo açodamento, mas, também, pelo mérito. De repente, do nada, surge essa PEC, sem passar por nenhuma comissão, com o ritmo de urgência urgentíssima, quando o Brasil atinge o pico de 250 mil mortos pela covid-19. Não se pode mudar um artigo da Constituição, a toque de caixa, na surdina, com tamanha leviandade, precipitação e irresponsabilidade.
Com a pressão, o texto teve pontos suprimidos. Se prevalecer uma das versões, que concede retroatividade para contemplar casos ocorridos antes da promulgação da lei, o deputado Daniel Silveira e a deputada Flordelis não serão punidos. Além disso, a PEC afetaria a Lei da Ficha Limpa.
A banalização das PECs está transformando a Constituição Cidadã de 1988 em uma Constituição Frankenstein. Essa PEC fere o decoro parlamentar e estimula o crime. Pode ser boa para alguns que se infiltram na política em busca de impunidade para seus delitos, mas não para o Brasil.
Não foi para isso que suas excelências receberam o voto que os elegeu. O Brasil quer respeito à democracia, decência, transparência, dignidade, justiça, trabalho, educação, ciência, saúde, cultura, vacinas e compromisso do parlamento com o país.
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