Esquecida

Presente da Dinamarca para Brasília, Pequena Sereia está abandonada

Ícone de bronze localizado em frente ao prédio principal do Comando da Marinha é praticamente desconhecido pela população. Após percorrer muitos caminhos, o Correio desvendou a misteriosa história da escultura

O conto de uma jovem sereia que renunciou sua vida de princesa no mar para estar com seu amado se expressa no rosto da escultura A Pequena Sereia de Copenhague, ícone de bronze que descansa sobre uma rocha no porto da capital dinamarquesa, às margens do Mar Báltico. Desde o seu surgimento, em 1913, esta figura curiosa despertou todos os tipos de lendas, atos de vandalismo e anedotas curiosas. A obra, construída pelo artista Carl Jacobsen, ganhou várias réplicas distribuídas pelo mundo. Uma delas chegou a Brasília e encontra-se em frente ao prédio principal do Comando da Marinha.

A obra, rebatizada por aqui como Sereiazinha, foi doada durante a inauguração da cidade, e é praticamente desconhecida pela população brasiliense. É anônima, até mesmo, para os órgãos responsáveis pela sua guarda e manutenção. O Correio procurou a Universidade de Brasília (UnB), o Comando do Ministério da Marinha — órgão responsável pela guarda e manutenção da obra —, e a Secretaria de Cultura do DF, mas não encontrou alguém que pudesse dar mais detalhes.
Sabe-se que a obra, fundida em bronze espelhado, simboliza boas-vindas aos marinheiros. De acordo com matéria publicada em 5 de setembro de 1965, no Correio Braziliense, os marujos brasileiros tinham grande admiração pelo monumento, e acabaram conquistando a simpatia dos dinamarqueses. A cada ano, nas viagens, um navio aportava em Copenhague e os brasileiros iam visitar o monumento. Muitos levavam flores para enfeitar a Sereiazinha, sentada sobre uma laje semi submersa na orla do Parque Langelinie.

Em 1960, o mundo inteiro voltou-se para o Brasil, país que estava inaugurando, em plena região semideserta, uma nova e fantástica capital: Brasília. Com a nova cidade, os dinamarqueses pensaram em oferecer um presente ao povo brasileiro, em sinal de gratidão pelo amor e simpatia de nossos marinheiros pela pequena sereia.

Com o intuito de deixar uma marca na cidade tão moderna que surgia, a Dinamarca, por intermédio da Sociedade dos Amigos do Brasil, mandou confeccionar uma réplica da obra e uma miniatura da grande pedra onde o monumento se assenta no porto dinamarquês. O povo nórdico se regozijou com a ideia, e o monumento foi dado a mais nova capital do mundo, em sinal de reconhecimento pelo esforço do povo brasileiro, que erguia uma nova cidade.

O carinho dos doadores está traduzido no oferecimento gravado em uma âncora presente na rocha em que a Sereiazinha está sentada: “Ano de 1960 — Sereiazinha doada ao Brasil pelos Amigos da Dinamarca, em admiração à iniciativa de Brasília, recordando a tradicional cortesia da Marinha de Guerra do Brasil para com a Sereiazinha de Copenhague, sob os cuidados do Governo Real da Dinamarca pela Sociedade dos Amigos do Brasil na Dinamarca”.

Esquecida
Entre discursos e festas, o monumento encaixotado foi embarcado num avião da SAS (Scandinavian Airline System) e enviado para o Brasil. Na euforia da mudança, o caixote, pesando quase 300kg, foi esquecido em um depósito do Palácio da Alvorada. Vieram as sucessivas crises políticas no Brasil. O Palácio do Alvorada mudou de morador várias vezes, e a Sereiazinha jazia tranquila e esquecida em seus subterrâneos.

Quase cinco anos depois, ninguém mais se lembrava do monumento. Seus doadores, naturalmente, sentiram-se magoados e ofendidos. Em junho de 1965, esteve no Brasil um dos membros da Sociedade dos Amigos do Brasil na Dinamarca, que veio saber do paradeiro do monumento. Sem maiores informações, o representante foi se entender com as autoridades do estado-maior das Forças Armadas do Rio de Janeiro. E então, começaram as buscas e indagações. Ninguém mais sabia onde podia estar escondida a tranquila Sereiazinha. Perguntaram ao Departamento de Turismo, à Marinha, mas nenhuma instituição tinha informações.

A subchefia da Marinha na Presidência da República assumiu o problema. Por fim, depois de sucessivas buscas, o monumento foi descoberto no Palácio da Alvorada, no canto de um depósito. No dia 10 de agosto de 1965, o caixote foi enviado para o Ministério da Marinha, e as autoridades do comando naval começaram a tomar providências para a instalação da Sereiazinha, ali mesmo, no pátio do ministério.

Com as primeiras notícias publicadas acerca do encontro da obra, o Comando Naval apressou-se em afirmar o seu desejo de instalar o monumento. Em 1965, o comando lamentou-se e pediu que as autoridades da Marinha e de Brasília oferecessem à Sereiazinha o lugar que ela merecia. “Cinco anos de esquecimento devem ser reparados. Nosso gesto foi dos mais deselegantes para com os doadores, vamos repará-lo agora. Já que o monumento foi encontrado, que seja imediatamente instalado e que, na sua inauguração, se convide o embaixador da Dinamarca”, afirmou o Comando Naval, ao descobrir o encontro da obra.

Espera
No conto do escritor Hans Christian Andersen, a pequena sereia amava um príncipe que se perdeu no mar. Com olhar triste, a sereia, que possui cerca de um metro de altura, fica sentada sob um pedestal de pedra de 0,80 centímetros de altura, à espera da volta de seu amado príncipe.

Após o esquecimento de cinco anos, a Sereiazinha ganhou, em Brasília, um espelho d’água com azulejos azuis. Atualmente, permanece abandonada e sem água no seu espelho. De acordo com o Ministério da Marinha, será realizada a manutenção do piso e da estrutura que formam o espelho d’água. “Tendo em vista as constantes chuvas no período atual, optou-se, como prevenção, deixar o local sem água. A manutenção adequada será executada tão logo diminua a precipitação pluviométrica em nossa região”, explicou a corporação, em nota.

Enquanto espera pelos devidos cuidados, a pequena sereia continua no local destinado à sua história de amor. Enquanto dá boas-vindas aos marinheiros que chegam ao Ministério, a Sereiazinha aguarda que os brasilienses relembrem sua importância, e espera a chegada de algum príncipe candango.

 


Outros presentes

Além da réplica da Pequena Sereia, a capital federal recebeu outros presentes durante sua inauguração:

Sinos da Catedral
O governo da Espanha doou os quatro sinos de bronze instalados na Catedral. Três deles — Santa Maria, Pinta e Nina — lembram as Caravelas de Cristóvão Colombo na descoberta da América. O quarto — Pilarica — é uma homenagem à Nossa Senhora do Pilar, muito cultuada naquele país. Desde 1987, são controlados eletronicamente, e tocam às 6h, às 12h e às 18h.

Monumento Solarius
Durante a construção de Brasília, o artista plástico francês Ange Falchi ficou impressionado com as notícias que recebia sobre a coragem e o espírito de aventura dos trabalhadores brasileiros que erguiam a nova capital. Ele resolveu, então, homenageá-los com uma escultura que chamou de Solarius. Depois de pronta, o governo da França a doou para Brasília.

Loba Romana
Réplica da Loba Capitolina, estátua-símbolo da lenda de criação de Roma. A loba amamenta os gêmeos Rômulo (que fundaria Roma) e Remo, filhos do deus da guerra, Marte. Abandonados pelo pai, os dois meninos acabaram encontrados e alimentados pelo animal. A obra foi doada pelo governo da Itália.

 


Minervino Júnior/CB/D.A Press - A obra encontra-se em frente ao prédio principal do Comando da Marinha.
Minervino Júnior/CB/D.A Press - Fundida em bronze espelhado, a obra simboliza boas-vindas aos marinheiros
Minervino Júnior/CB/D.A Press - A estátua foi doada durante a inauguração da cidade, e é praticamente desconhecida pela população brasiliense