Coronavírus

UnB busca apoio para pesquisas sobre coronavírus

UnB tem mais de 150 trabalhos voltados ao combate à covid-19, nas diferentes áreas de atuação. Para facilitar o acesso ao que está sendo produzido — e, assim, conseguir meios de financiamento —, a universidade reuniu os projetos em um portfólio

O setor de pesquisas se tornou essencial durante a pandemia da covid-19, principalmente no combate e prevenção ao novo coronavírus. Na Universidade de Brasília (UnB), por exemplo, existem mais de 150 projetos e estudos em desenvolvimento voltados para essa área, com pesquisas para a produção de fármacos, vacinas e sanitizantes, além de pensar formas para amenizar os impactos sociais e na saúde mental da população. No entanto, os recursos são limitados e, para dar continuidade à produção, são necessários novos incentivos financeiros. Com o objetivo de facilitar o acesso ao que é produzido na universidade, o Comitê de Pesquisa, Inovação e Extensão de Combate à Covid-19, da UnB, criou um portfólio que reúne todos os projetos aprovados relacionados à doença.

“Temos propostas de grandes áreas, todas olhando a covid-19 de várias formas diferentes”, destaca a decana de pesquisa e inovação da universidade, Maria Emília Walter. De acordo com ela, a UnB tem financiamento para pesquisa, mas abarca poucos projetos se comparado à quantidade de propostas existentes. “O portfólio é uma grande oportunidade para mostrar ao governo, iniciativa privada e à sociedade o que a universidade faz. Não se pode falar em inovação sem as pesquisas, e precisamos de apoio”, afirma.

A estimativa é que o portfólio resulte em apoio na casa dos R$ 70 milhões em investimentos. Algumas das propostas foram financiadas pelo Ministério da Educação (MEC) com recursos da ordem de R$ 10 milhões. Outras 23 serão apoiadas pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), com aporte em torno de R$ 20 milhões.

Os valores destinados às pesquisas têm caído nos últimos anos. De acordo com dados do orçamento discricionário constantes na Lei Orçamentária Anual para investimento e custeio (ODC), na Fonte do Tesouro, na Universidade de Brasília, em 2015, foram liberados R$ 197,5 milhões. No ano seguinte, houve um aumento significativo, com o quantitativo de R$ 263,6 milhões. Porém, em 2017, os recursos caíram, passando para R$ 161,2 milhões. Em 2020, o valor foi de R$ 147,3 milhões.

“Vale destacar que boa parte da pesquisa nas universidades públicas é financiada por agências de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)”, informou a universidade em nota encaminhada ao Correio. “Nesses casos, os docentes e/ou grupos de pesquisa se inscrevem, de maneira independente, em editais para concorrer aos recursos. Não há um levantamento institucional exaustivo a respeito do tema, mas essas agências também têm sofrido dramática redução dos recursos para a execução de suas finalidades”, acrescenta o documento.

Segundo a UnB, no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2021, somando os valores previstos nas duas unidades orçamentárias (UOs) — a da UnB e uma outra, com recursos sob supervisão, que dependem de nova aprovação legislativa para serem utilizados —, o valor total para despesas discricionárias na fonte do Tesouro é de R$ 143,9 milhões.

Iniciativas

O projeto de sequenciamento do novo coronavírus desenvolvido pelo virologista, biólogo e professor da Universidade de Brasília Bergmann Morais Ribeiro está entre os estudos presentes no portfólio. A proposta analisa o genoma do Sars-Cov-2 e busca entender como o vírus se comporta, o que possibilita criar fórmulas de combate à doença. “Além do sequenciamento, temos outros estudos, como o do Departamento de Química que está trabalhando para detectar a presença do vírus no esgoto. Tem outra pesquisa que está produzindo anticorpos em laboratório para ser usado no tratamento e inibir a replicação do vírus”, enumera Bergmann.

Na avaliação dele, toda a população está condicionada ao conhecimento científico: tudo que temos hoje começou com trabalho de pesquisadores. “Imagine se não tivesse o Butantan ou a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Estaríamos dependentes do mundo. Inclusive, poderíamos ter a nossa própria vacina, mas não tivemos esse investimento lá atrás para a produção de insumo”, ressalta.

Castanha de caju

Outro projeto em desenvolvimento na Universidade de Brasília está usando o líquido da casca da castanha de caju para combater o novo coronavírus. A pesquisa é coordenada pelo professor Luiz Romeiro, do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências da Saúde e do Núcleo de Medicina Tropical (NMT) da Faculdade de Medicina da UnB. Romeiro explica que o lipídio (gordura) da castanha é capaz de desestabilizar a proteção do vírus, inativando-o. A substância já é utilizada em tratamentos para outras enfermidades, como alguns tipos de câncer, Alzheimer, dengue e chikungunya.

“Trabalho com a castanha de caju há 20 anos. Quando veio a pandemia, iniciei o projeto voltado para a aplicação à covid-19. Em maio, já mandamos as moléculas para a Universidade de São Paulo (USP) para a realização de teste”, relata Luiz Romeiro. A ideia da pesquisa é criar duas formas de atuação com a castanha: uma para ser utilizada na produção de sanitizante mais potente que barra o vírus e a outra para a elaboração de um medicamento para o tratamento da doença. “Uma questão interessante é que as variantes também são suscetíveis ao insumo, porque ele mexe na estrutura do vírus e independe da modificação viral que ele passou”, pontua.

A escolha pela castanha de caju foi simples. O pesquisador buscou uma forma de resolver um problema brasileiro com a biodiversidade nativa do país. “Fomos um dos maiores produtores de castanha de caju no mundo. Atualmente, estamos em quinto lugar na produção mundial. Temos a matéria-prima e, com isso, a produção de medicamentos se barateia”, ressalta o docente.

Para dar início ao projeto, a universidade destinou R$ 30 mil para a aquisição de agentes e reagentes. Porém, de acordo com o Romeiro, para se ter uma produção ideal, o custo aproximado seria de R$ 300 mil — em função dos gastos com a aquisição de equipamentos e de outros aparatos necessários. Na avaliação dele, a iniciativa pioneira da UnB de criar o portfólio vai ajudar muito no avanço das pesquisas produzidas na universidade. “Isso é só o começo. E quem ganha é a população.”

No momento, o projeto utilizando o líquido da casca da castanha de caju aguarda parecer técnico da USP em relação às 65 amostras encaminhadas. A partir dos resultados, serão feitas melhorias e adaptações para se chegar a uma maior segurança da atuação do insumo. Além de Luiz Romeiro, a equipe conta com o trabalho da doutoranda Andressa Oliveira e da mestranda Natália Monteiro.

Proteína

Uma das grandes complicações da covid-19 é o agravamento no quadro respiratório, responsável pela maioria das internações. Com o intuito de diminuir os riscos de se chegar ao comprometimento do pulmão, uma pesquisa em desenvolvimento na UnB busca elaborar um medicamento que vai inibir a infecção. O projeto utiliza a proteína alfa-1-antitripsina (A1AT), que tem poder anti-inflamatório, antiviral e anticoagulante. “A atuação principal é no pulmão, protegendo das complicações da covid-19. Estou apostando bastante neste medicamento, porque não sabemos a eficiência da vacina e, com a aparição de novas variantes, vamos precisar de tratamentos que atuem para evitar quadros mais graves da doença. Quanto mais alternativas terapêuticas, melhor”, afirma o doutor em virologia molecular e docente do Departamento de Farmácia da UnB Enrique Argañaraz.

De acordo com ele, a proteína A1AT não inativa o vírus. Ela bloqueia a ação da célula que o vírus utiliza para atuar no organismo. Dessa forma, o tratamento pode se tornar eficaz independentemente da mutação da covid-19. Enrique destaca a importância de apoio financeiro para o prosseguimento do estudo: “Estamos tirando dinheiro do próprio bolso e os reagentes são caros. Tudo depende do recurso. Quanto mais apoio a gente tiver, mais rápido é o processo.”