A pandemia de covid-19, que se estende há mais de um ano no mundo, influenciou não apenas o número de óbitos no Distrito Federal, mas também o de nascimentos. De acordo com o portal Infosaúde, da Secretaria de Saúde, em 2020, 52.514 crianças vieram ao mundo em hospitais do DF. Na comparação com o ano anterior, quando foram registrados 56.018 nascimentos, houve uma redução de 6,25%.
A explicação pode estar na mudança de planos dos casais. A advogada Munize Gonçalves, de 31 anos, por exemplo, está casada há seis anos e programava uma gravidez para 2020, mas, com o avanço da pandemia, decidiu deixar para depois. “Nosso planejamento era ter filhos no ano passado, porque terminei a faculdade em 2019, e estávamos só aguardando isso. Concluí em dezembro de 2019 e, logo quando começamos a planejar, veio a pandemia, daí resolvemos esperar passar. No fim do ano passado, chegamos a pensar que tudo estava passando, mas não”, lembra.
A moradora do Gama diz que sentiu medo de ter que ir ao médico para realizar o pré-natal, porque teria que sair de casa todos os meses. Também temeu por seu companheiro, Wéverton Nogueira, 34, que é da área da saúde. “Meu esposo é técnico de enfermagem, trabalha no hospital, esse é o nosso medo, do contágio, de ele trazer para mim e ter complicações na gravidez”, relata.
Hoje, Munize trabalha em esquema de home office e só sai de casa para ir ao mercado e à igreja. Ela afirma que ficou desanimada quando teve que adiar o planejamento para engravidar, mas aproveitou o tempo “para refletir muito sobre tudo”: “Aprendi a dar muito valor à minha família, mais do que eu já dava e pensar nos meus valores, pensar na saúde e mudar os hábitos”. Em meio aos pensamentos, veio a decisão de não mais esperar o fim da pandemia e tentar engravidar — sonho que já dura dois anos — a partir de junho. “Não vamos esperar a pandemia, ele (marido) já se vacinou. Resolvemos não esperar, porque, se não, nunca teremos nosso filho.”
Limitações
A publicitária Luísa Amorim, 23, descobriu que estava grávida em janeiro de 2020, ou seja, antes de a covid-19 chegar ao Brasil. Assim, ela pôde celebrar a notícia da gravidez de Maya — que nasceria em setembro — com a família e os amigos. “Consegui contar para eles e comemorar essa descoberta presencialmente. Quando aconteceu o ‘lockdown’, em março, foi um choque, mas eu confesso que não estava com tanto medo, era tudo muito novo e diferente. A gente estava se cuidando, não saiu de casa em nenhum momento, mas na minha cabeça ia ser só 15 dias, no máximo 40, depois tudo voltaria ao normal, o que não aconteceu”, pontua.
Com o avanço da covid-19 na capital, Luísa começou a sentir medo da doença. “Passavam coisas muito ruins na minha cabeça. Apesar de ter sido uma gravidez muito tranquila, graças a Deus eu não tive nenhum risco na minha gestação, foi um momento muito doloroso, porque eu não pude estar perto das pessoas que amo”, lamenta. Por conta da pandemia, a avó da publicitária lamentou não ter tido a oportunidade de tocar a barriga da gestação de sua primeira bisneta: “Lembro disso até hoje e é uma coisa que me dói muito. Não tinha muito o que fazer e não tem o que fazer”.
A mãe da Maya enfatiza que as pessoas da sua casa seguem a quarentena à risca desde o início da pandemia. “A gente só sai em momentos de necessidade. Então, na minha gestação, só saía para consultas com a minha obstetra e para fazer os exames que toda grávida faz. Mas, mesmo assim, toda vez que eu tinha que sair de casa era uma tensão muito grande, ficava com muito medo”, afirma.
Por ter vivido uma gravidez com limitações impostas pela disseminação do vírus, a publicitária conta que gostaria de ter uma outra experiência fora da pandemia: “Foi a minha primeira gestação e ainda foi em uma pandemia. Hoje, tenho a curiosidade de ficar grávida em um mundo normal para saber como é, passear, poder comprar as coisas da minha bebê na rua, comprar berço e tudo mais, porque tudo isso eu fiz on-line”, revela. Para ela, o momento mais feliz da gestação foi quando fez um “chá-drive” — chá de fraldas no estilo drive-thru, onde as pessoas entregam o item dentro do carro. “Apesar de não poder abraçar, tive o carinho das pessoas de longe.”
Medo
O presidente da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Distrito Federal (Sgob), Vinicius Medina Lopes, recorda que alguns tratamentos de reprodução assistida — por meio dos quais nascem cerca de 1% dos bebês do Brasil — ficaram suspensos no país por um período em meio à pandemia. Ele explica que entidades como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Sociedade de Reprodução Humana orientaram que as pessoas adiassem a gravidez por alguns meses.
“Além dessas recomendações, as próprias pacientes tiveram essa percepção de que seria um momento inadequado de engravidar, com medo do que aconteceu na época do zika vírus. As pessoas tinham medo de ter má formação. E existia um desconhecimento muito grande a respeito do coronavírus, ao que poderia levar, tanto do começo quanto no meio e no fim da gravidez”, elenca o presidente da Sgob.
De acordo com o especialista, não há comprovação científica de má formação do feto, mas, no final da gravidez, existe uma incidência maior de complicações para mãe e para a criança por causa da covid-19. “Isso também assusta as mulheres para engravidar, porque as mães que pegam o coronavírus na hora da gravidez têm incidência maior de parto prematuro.”
O médico acrescenta que, quando uma mulher grávida tem pneumonia causada pelo novo coronavírus, o útero comprime o pulmão, o que, consequentemente, traz dificuldades para respirar. “Por isso que, às vezes, para melhorar o quadro da mãe, é necessário fazer uma cesárea para tirar o bebê prematuramente. Então, isso assustou muito as mulheres, que deixaram de querer engravidar pelas incertezas de talvez haver chance de abortamento, má formação do feto e medo delas mesmo terem complicações por conta da covid-19 na gravidez”, conclui.
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