Antes de tudo, gostaria de registrar, mais vez, que sinto-me insuspeito para falar sobre o Museu da Bíblia porque o meu pai era pastor presbiteriano e a minha mãe uma cristã fervorosa. Cresci ouvindo e lendo os textos da Bíblia:Gênesis,Cantares,O livro de Jó,Os salmos,Carta aos Corinthose oApocalipse de São João.
Causa-me espanto o projeto de construção Museu da Bíblia no Eixo Monumental, com orçamento de R$ 80 milhões, sob apoio da bancada de deputados distritais evangélicos. Não faz o menor sentido edificar uma obra dessa magnitude em um período dramático como o que nos estamos mergulhados. Ainda mais se considerarmos que o nosso estado é laico. Um museu do texto sagrado seria mais pertinente e apropriado.
No entanto, se as excelências insistem em fazer investimentos na área cultural, a prioridade, sem dúvida, seria a reforma da pirâmide do Teatro Nacional Claudio Santoro, fechado desde 2014 para reformas nunca realizadas.
É um dos monumentos mais inspirados de Niemeyer e de maior força simbólica em Brasília. O arquiteto imaginou a pirâmide futurista em perfeita conexão com a espacialidade de Brasília: “As pirâmides do Egito talvez não fossem tão belas e monumentais sem os espaços horizontais sem fim que as realçam e modificam conforme a luz do dia”, escreveu Niemeyer. “Lembro de uma fala do poeta Rainer Maria Rilke: a planície tudo engrandece.”
O teatro toca o céu como se isso também fosse planejado por Niemeyer. É uma obra aberta, em parceria com o sol, pois se renova a cada instante pela incidência da luz nos relevos inventados por Athos Bulcão, que cria efeitos cinéticos surpreendentes. A integração da arquitetura com os jardins de Burle Marx é primorosa.
Independentemente das convicções e dos compromissos religiosos, as excelências parlamentares precisam ter a consciência de que representam uma cidade que é tombada como patrimônio cultural da humanidade pela Unesco.
É uma distinção, mas, ao mesmo tempo, impõe responsabilidades aos nossos representantes. Ao longo de vários governos, de direita e de esquerda, a pirâmide ficou esquecida e se reduziu a um monumento do descaso, que se deteriora a cada dia.
Em si mesmo, o prédio é uma obra de arte. Mas, além disso, na curta história de 61 anos, a pirâmide foi sacralizada por performances memoráveis de Claudio Santoro, Caetano Veloso, João Gilberto, Gilberto Gil, Cássia Éller, Rosa Passos, Dulcina de Moraes, Antonio Gades, Kazuo Onno e Legião Urbana, entre outros. Eles injetaram a alma da arte no concreto.
O abandono a que está relegado o Teatro Nacional causa indignação. Por que os governantes e os parlamentares nunca fizeram uma articulação para reformar o Teatro Nacional, como a que fazem em favor do Museu da Bíblia? É um dever inalienável do mandato, compromete a imagem de Brasília. Imagine um turista que chega à cidade para ver a pirâmide de Niemeyer e se depara com o monumento depredado que é um patrimônio cultural da humanidade.
O que pensará? Quanto mais tempo permanecer fechado, a catástrofe será maior e o custo da reparação mais elevado. Restaurar o Teatro Nacional deveria ser ponto de honra para os governantes e os parlamentares.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.