RELIGIÃO

Arcebispo de Brasília: "Celebrar a Páscoa nos ajuda a vivermos com esperança"

Em entrevista ao Correio, Dom Paulo Cezar Costa, aborda o real significado da Páscoa entre os cristãos e a importância da data diante do colapso da saúde pública no Distrito Federal.

Ana Maria da Silva
postado em 04/04/2021 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press             )
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press )

A vivência da Páscoa, celebrada hoje, será novamente diferente, devido às exigências sanitárias impostas pelo avanço da covid-19 no Distrito Federal. As igrejas também foram alcançadas pelas restrições, e precisaram retirar ritos para resguardar a vida dos fiéis. Diante do colapso na saúde pública, a Arquidiocese de Brasília enfrenta, também, um momento de instabilidade religiosa, uma vez que a fé dos católicos é colocada à prova diante das dificuldades sociais impostas pela pandemia.

Para o arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa, nestes momentos, é importante reforçar o espírito de ressurreição que vem com a Páscoa. “A vida venceu a morte na ressurreição de Cristo, e isso é uma mensagem de esperança. É preciso esperar em Cristo. Quem espera, vive, vence a crise e as dificuldades”. Para o religioso, em meio ao caos na saúde pública, as indeléveis feridas no corpo de Cristo, tornam-se frestas de esperança para católicos brasilienses. “O tempo de crise é sempre um tempo de possibilidade".


Para o senhor, qual o verdadeiro significado da Páscoa?
Páscoa significa passagem. A primeira definição que o judaísmo tem é a passagem da natureza, das estações. Depois, a passagem do povo hebreu que passa da escravidão para a libertação. E para nós, cristãos, a Páscoa é a passagem de Jesus. O Jesus que morreu e ressuscitou, que venceu a morte. Então é vida nova, ressurreição. A Páscoa tem muito a dizer nesse tempo que estamos vivendo, neste tempo difícil de pandemia. Porque é a certeza de que nós não estamos sozinhos. O Senhor ressuscitado é uma presença na nossa vida, na história, significa vida nova. Em um contexto difícil na nossa vida, de tantas mortes que estamos vivendo, a Páscoa nos dá a certeza de que o princípio da vida é muito maior do que o da morte.

Estamos vivendo mais um ano atípico nessa Páscoa. Como os católicos foram chamados a viver esse período?
Quem pode ir à igreja, sem estar em situação de risco, respeitando o isolamento e distanciamento, que vá. Mas quem não pode, que viva em sua casa. Que faça essa experiência de vivenciar a Páscoa em família, assim como os judeus viviam. Esse sentido de festa familiar deve ser retomado. Que como homem ou mulher de fé, saibamos celebrar isso. Acompanhe a celebração como pode, mas viva essa experiência da ressurreição na sua família, no seu coração. Celebre, com aqueles que estão com você, a vitória da vida sobre a morte, do ressuscitado na sua vida, na vida da sua família. É importante, em tempos de crise, não perdermos a sensibilidade de festejar e de celebrar. Nos ajuda a vencer a crise e vivermos com esperança esses tempos difíceis.

Parece que, a cada ano, a sociedade moderna está se distanciando do verdadeiro sentido da Páscoa. Como o senhor avalia essa situação?
Nós vivemos um tempo de mais indiferença religiosa. Ao mesmo tempo, se vive um tempo de puro florescimento religioso. Talvez seja um pouco de crise das instituições, não só a igreja. É o tempo de subjetividade acirrada, em que vale o que o sujeito pensa. E isso é visualizado também na forma de vivência da fé, da religião. Mas, ao mesmo tempo, se percebe que as pessoas recorrem muito à religião. Eu vou às paróquias e percebo que as pessoas que vão à igreja, tem fé no coração. O papel da igreja é de alimentar, de fazer com que as pessoas possam ter, nesse mundo pós moderno, cheio de possibilidades, uma experiência com Deus. E que através disso, que possam viver com fé, com esperança, que possam ter um sentido de eternidade mais profundo. Que as pessoas possam se abrir também ao outro. É enxergar que ali existe um irmão, alguém que precisa de mim. A fé dilata o meu coração, a minha existência para ir ao encontro do outro. Ela indica um sentido novo para a existência e a vida em sociedade.

Além da ressurreição, o que nós devemos recordar de modo especial na Páscoa?
A Páscoa tem uma dimensão cristológica e antropológica. A dimensão cristológica é a Páscoa de Cristo, que morreu e ressuscitou. É o grande fato que toca a nossa vida. Como? Nos fazendo ressuscitar como ele. Isso acontece quando também acontecem passagens em nossas vidas. Como passagens do egoísmo para o amor, situações de morte para vida. Quando você entra na dinâmica da Páscoa, sua vida é transformada nas relações com os outros. A vida se torna dom e a Páscoa toma forma no seu dia a dia, porque te ressuscita, te faz passar do desamor ao amor. É a Páscoa de Cristo, mas também de cada um que segue Jesus Cristo.

A campanha da Fraternidade não foi recebida com bons olhos por alguns católicos. Qual a importância de trabalharmos essa temática em nosso dia a dia?
A campanha da fraternidade focou na questão do diálogo, algo fundamental na vida de uma sociedade, na vida de uma família e nas instituições. Faz a diferença na vida, no mundo político. A campanha, há alguns anos, vem tendo problemas com pessoas que combatem a campanha por questões diversas. Neste ano aconteceu o mesmo. A campanha é ecumênica, e tocou em um tema fundamental. Em uma sociedade polarizada, onde a tendência, muitas vezes, é de grupos enrijecerem suas posturas e ideias, e criarem uma sociedade fechada, onde as pessoas não são capazes de conversar. O diálogo é fundamental. É uma saída, um caminho para a vida da sociedade. O papa Francisco fala da cultura do encontro, diz que uma sociedade cresce quando diversos atores dela são capazes de dialogar, de juntos encontrarem saídas nos pequenos e grandes problemas. O diálogo precisa acontecer na família, na igreja, entre as religiões, nos diversos setores da vida em sociedade.

Como nós podemos associar a Páscoa com a Campanha da Fraternidade de 2021?
Quando nós falamos que Páscoa é ressurreição, que é vida nova, o Jesus ressuscitado implica essa abertura ao diálogo, essa necessidade de perceber o outro, não como uma ameaça, como um inimigo, mas sim como um irmão, como alguém que pensa diferente de mim, mas que eu devo respeitar, amar e acolher. Eu acho que a data pede isso de nós. Ressuscitar implica ter medidas nas pequenas e grandes coisas da vida em sociedade. Implica nessa abertura ao diálogo, de perceber que o outro é um irmão. Pelo que o papa Francisco fala, nós somos todos irmãos, seja de outras religiões ou de outros partidos políticos. O diálogo implica no respeito da postura do outro. Implica que o outro respeite a minha leitura. A sociedade hoje passa por uma crise antropológica, que defino sempre como uma medida baixa das coisas, do humano. É uma crise, onde perdeu-se atitudes bonitas com o próximo. A Páscoa pede que ressuscitemos para posturas e atitudes novas.

Como o senhor avalia a pandemia que vivemos? Como a Igreja Católica observa esse fenômeno?
É um vírus que atacou a vida da sociedade de uma forma generalizada. Todos sofrem essa realidade. A igreja está sempre atenta à questão sanitária, ao respeito às normas, às regras sanitárias. É a preservação da vida que está em primeiro lugar, a igreja é sempre a favor da vida, isso implica estar atento às normas sanitárias. É exercer nossas atividades com todos os cuidados. Nós já estamos há mais de um ano de pandemia, tantas vidas já foram ceifadas. Isso causa dor para nós religiosos. A pandemia foi esgarçando o tecido social, afetou os diversos setores e aspectos da vida em sociedade, onde a igreja busca ter uma atitude de trazer esperança, de fazer com que as pessoas tenham ânimo para viver. E busca fazer isso como alimento da fé, da esperança, da autoestima das pessoas. Com mais de um ano de pandemia, a questão precisa ser enfrentada de forma mais inteligente e interdisciplinar. Não basta mais só o mundo da saúde, é preciso que essa parte fale, seja respeitada, mas que o mundo da economia, da antropologia, sociologia, geografia também falem. Que os diversos saberes se encontrem para percebermos como conduzir a sociedade preservando a vida, as normas sanitárias em um momento difícil de crise. A pandemia afetou outras dimensões da vida. Na minha percepção, é preciso um olhar interdisciplinar.

E o que falta para vivermos a união dos saberes?
Falta capacidade de diálogo, de atores que sejam capazes de congregar os saberes. Isso é papel dos homens e mulheres na decisão da vida em sociedade. Eu penso que falta a cultura do encontro, a capacidade dos diversos atores da vida em sociedade buscarem soluções, juntos, que respondam à complexidade do momento. Quem se propõe a assumir qualquer cargo precisa ter diálogo, escutar, criar redes, buscar saídas para uma sociedade complexa. E isso só escutando, vendo, colocando os diversos atores em movimento, tendo essa visão interdisciplinar.

A igreja sempre teve uma atuação forte nas questões políticas. Um dos objetivos do senhor ao iniciar sua transição para Brasília foi que tentaria manter a relação amigável e comunicativa com o GDF. Como está essa relação?
A Arquidiocese de Brasília já tinha um diálogo, seja com o DF, seja com os poderes constituídos da República. Temos buscado, com tranquilidade, manter esse diálogo. E quando digo isso, quero dizer encontrando os diversos atores políticos da vida do GDF. Queremos mostrar que a fé tem algo a dizer ao mundo político, ao mundo da sociedade, que ajuda na construção de um mundo mais justo, humano e fraterno. Eu creio que o diálogo acontece na medida em que nos comprometemos com o bem de construir uma igreja que esteja atenta ao seu valor de evangelizadora, e missionária, de atender bem o nosso povo, de fazer presença. Como Arcebispo, eu tenho um papel social e a fé tem um papel social. Ela não pode ignorar quem passa fome, quem está necessitado. E nós queremos uma igreja que viva bem, que celebre bem, que pratique bem a caridade. A caridade tem uma forma de diálogo também com os poderes, com as diversas instituições e é isso que temos buscado fazer.

Para o senhor, a religião e a política podem se misturar?
São dois elementos fundamentais na vida de uma sociedade, que é religião. O ser humano é por excelência um ser religioso e político. Então, religião e política cabem na vida de uma sociedade. Hoje, ambas têm o seu papel e não são relações de oposição e sim de complementaridade. Quero dizer que a igreja não se envolve na política partidária, e sim na busca do bem comum. Quando se envolve nisso, a política e religião se tocam, onde a política é a busca do bem comum e a religião olha para o bem comum, para a promoção do bem. A religião tem uma contribuição a dar para a política, a nível ético, de princípios, de presença da caridade e da ajuda aos mais necessitados. Então eu diria que religião e política devem estar sempre conversando, trabalhando em conjunto para a construção do bem.

Quando se trata de pandemia, a maneira como o governo do DF tem conduzido toda a situação que temos vivido é questionada por muitos cidadãos. Qual a opinião do senhor sobre a gestão da crise na saúde pública do DF durante a pandemia?
Eu não gosto de emitir juízo, porque isso é muito fácil quando não está gerenciando. Gerir momentos de crise é muito difícil. Eu fui um dos bispos que geriu a jornada mundial da juventude e sei o quão difícil é. Acho que os governos estão buscando o que podem. Creio que estão dando o melhor de si, mas é uma situação complexa, um momento complexo, que exige que o poder público faça sua parte, mas que também a população faça a sua. É uma equação muito complexa.

Como a ciência, a gestão política e fé podem se equilibrar nesse período de pandemia? Tendo em vista que foram alvo de críticas e ataques vindos de diversos setores?
São três pilares fundamentais na vida de uma sociedade. A ciência é fundamental. É preciso pautar-nos pela ciência, pelos princípios. Não se pode ignorar. A política deve sempre escutar a ciência. Na minha percepção, isso implica escutar toda a ciência médica, todas as pessoas comprometidas nesse momento com a manutenção e preservação da vida. Mas é preciso também escutar os outros setores da ciência, e juntos encontrarem soluções para a vida da sociedade. Quando digo juntos, é esse olhar interdisciplinar que volto a dizer e que é tão importante nesse momento. A religião tem o papel de dar esperança. Estamos em um tempo em que as pessoas estão desesperançadas. Tem muita gente sofrendo com problemas psicológicos. A religião é fundamental. Te faz ter esperança, perceber que não está sozinho e saber que a presença do Senhor que nos sustenta. São pilares que devem trabalhar juntos, não separados.

Qual mensagem gostaria de deixar nessa Páscoa?
Quero desejar a cada um uma feliz e santa páscoa, que a ressurreição de Cristo esteja presente na vida de cada pessoa, de cada família. Que a presença do ressuscitado no meio de nós traga, acima de tudo, esperança nos nossos corações, e nos faça vencer esse momento difícil de pandemia. Que nos faça perceber que a vida venceu a morte, que somos chamados a viver a vida em sociedade de uma forma mais humana, onde o ser humano esteja mais no centro. Que a ressurreição de Cristo nos ilumine nesse momento.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação