Crônica da Cidade

por Severino Francisco severinofrancisco.df@dabr.com.br (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

Correio Braziliense
postado em 07/04/2021 21:20

Os gurus da destruição

É difícil entender como, no Brasil e no mundo, governantes com uma clara agenda de destruição das instituições, dos direitos dos cidadãos, das relações internacionais, da imigração, da educação, da ciência, das florestas e da democracia conseguiram eleger-se e, mais do que isso, manter-se no poder. É a servidão voluntária jamais sonhada por qualquer tirano.

Os aspectos políticos do fenômeno têm sido estudados por muitos cientistas sociais. Mas no livro Guerra pela eternidade — O retorno do tradicionalismo e a ascensão da direita populista (Editora Unicamp), o etnólogo norte-americano Benjamin R. Teitelbaum nos dá uma pista das ideias que estão por trás e animam o caos do mundo pós-moderno.

Benjamin usa os métodos da etnologia e do jornalismo. A narrativa se desenvolve quase como uma trama de suspense policial em torno de três ideólogos da extrema direita: o norte-americano Steve Bannon, o russo Aleksandr Dugin e o brasileiro Olavo de Carvalho. O mistério que Benjamin quer desvendar é o liame do tradicionalismo que une os três ideólogos ultraconservadores.

O tradicionalismo é uma vertente filosófica e espiritual formulada pelo francês René Guénon e pelo italiano Julius Evola. Coloca-se frontalmente contra a modernidade. Ela é alvo de uma guerra pela conquista da eternidade, situada no passado e não no futuro.

E, para se alcançar a eternidade, a destruição é um instrumento fundamental: “Além disso, a ciclicidade atribui uma importância incomum à história, porque nela o passado não deve ser superado, nem se deve escapar dele; ele é também o nosso futuro”, comenta Benjamim.

Olavo de Carvalho se recusa a ocupar cargos no governo, mas indicou discípulos para as vagas estratégicas de ministros da Educação (Abraham Weintraub) e das Relações Exteriores (Ernesto Araújo). Dujin influi na política de Putin na Rússia e participou de uma conspiração no conflito entre a Geórgia e os ossétios, que levou ao reconhecimento da independência separatista da Ossétia do Sul pela Rússia. Segundo Benjamim, em jogo estava o confronto entre tradição e modernidade.

Bannon planejou a campanha que levou à vitória de Donald Trump nas eleições americanas de 2016 e, com apoio dos bilionários americanos Robert e Rebeka Mercer, usou as redes sociais para manipular dados que levaram ao desligamento do Reino Unido da União Europeia.

É pena que Benjamin não explore as relações entre o tradicionalismo e as redes sociais. Sem elas, essa vertente do pensamento permaneceria uma excentricidade de meia-dúzia de lunáticos. No entanto, o livro tem o mérito de revelar a aura mística das ideias que conferem um caráter de cruzada salvacionista às ações da extrema direita. Como se vê, são ideias alopradas que atentam contra a democracia.

Eu lembrei dos personagens alucinados de Os demônios, de Dostoiévski, que cometem atrocidades em nome da ideologia revolucionária de esquerda. O tradicionalismo é o desejo de lutar pela eternidade em vez de imaginar um futuro melhor e mais promissor, define Benjamin. É o que distingue um tradicionalista de alguém meramente conservador.

Pena que, somente no fim do livro, Benjamin faça a pergunta essencial: “O que aconteceria se um grande número de líderes mundiais fosse aconselhado por pensadores que têm o objetivo de colocar tudo abaixo, que valorizam a estagnação em vez do progresso, que desejam que nosso universo resgate o que éramos, e não que conquiste o que sonhamos ser?”

 

 

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