Meus pronomes fora do lugar
Me peguei pensando nos detalhes da língua. Calma, amigo ou amiga revisor ou revisora, a próclise inadequada é de propósito. Dia desses, uma pessoa me corrigiu; disse que eu não sabia como usar a ênclise. Na verdade, agora mesmo, o editor de texto do computador me sugere uma mudança para o início desta crônica. Ele quer que eu escreva peguei-me. Me recuso (de novo) e vou tentar explicar por quê.
Acho até chique quem usa com precisão e pompa a norma culta. Encantar-me-ia, por que não, com isso se ainda tivesse 16 anos e fosse purista como era. No meu tempo de leitor fanático pelos portugueses, mesóclises bem usadas eram razão de regozijo. Felizmente ou não, mudei e entendi que algumas regras podem ser quebradas em nome do estilo, da fluidez e da naturalidade do texto.
Até acho que a ênclise pode ter razão de ser. Mas, o pronome após o verbo em expressões coloquiais cheira a mofo. É démodê, um pouco brega e, ouso dizer, pedante. No caso da abertura deste texto, imagine um “peguei-me”. Desculpem-me (olha aí, acertei) os gramáticos mais radicais; neste caso, vou insistir no erro.
Confesso que acho até engraçado escrever sobre esse tema em 2021. Os modernistas falavam sobre isso no início do século passado. Oswald de Andrade escreveu em Pronominais: “Dê-me um cigarro/ Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/Dizem todos os dias/Deixa disso camarada/ Me dá um cigarro”. Acho lindo, e parece que não aprendemos nada de lá para cá.
Na minha adolescência, tempo de empáfia, eu pensava que vocabulário era sinal de qualidade. Um texto com palavras raras e difíceis me parecia superior. As construções, para mim, também deveriam ser complexas. Então, abusava de inversões e me metia até a escrever sonetos cheios delas com decassílabos heroicos e sáficos.
Hoje, sei que estava enganado. Palavra é necessidade, e o melhor é deixar a perfumaria de lado. Também é preciso espantar o preconceito linguístico e mandar pastar quem usa a linguagem como forma de opressão, sobretudo contra quem não teve acesso aos livros e a esse tipo específico de conhecimento como nós que escrevemos e lemos isto aqui.
Fico um pouco encabulado com a pessoa que perde tempo para se irritar com o lugar dos meus pronomes e outros erros (será?) gramaticais. Entre uma notícia e outra, entre uma indignação com o presidente e uma crise de ansiedade por medo do vírus, alguém se dispõe a se importar seriamente com isso. Há um problema, pode acreditar. O mundo desabando e o sujeito preocupado com ênclise... Faça-me o favor.
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