Crônica da Cidade

Carta a Biden

Severino Francisco
postado em 21/04/2021 22:35

Caro Biden, desculpe a intimidade, mas não dispensarei a você o tratamento oficial de envelope. Porque você tem se posicionado em favor de questões essenciais para nós brasileiros e se tornou nosso aliado: em defesa das florestas, em defesa da democracia, em defesa dos direitos dos povos indígenas e no combate ao racismo.

E já que todos estão escrevendo cartas, esta coluna se vê compelida também a participar do debate internacional que se trava sobre o aquecimento global, em que as florestas brasileiras ocupam um lugar de destaque. O governo brasileiro ignorou todos os alertas, mas esse canal aberto pela coluna com a Casa Branca pode fazer a chapa esquentar.

Meu pai era um sertanejo pernambucano que não ficava um dia sem se embrenhar nas matas. Na década de 1950, nos tempos em que era estudante do ginásio, ele escrevia versos pungentes contra o desmatamento de nossas florestas. Naquela época, não havia motosserra, as derrubadas de árvores eram feitas com machados: “Primeiro uma machadada/e a árvore bela e copa/continua resistindo/depois começa rangindo/feito cana na esteira/e na hora derradeira/ainda se ouve o estalo/a morte, a queda e o abalo/e adeus mata brasileira”.

Biden, veja que, há 70 anos, meu pai escreveu um poema intitulado O fim da Amazônia, com versos que parecem ter sido escritos em 2021: “SOS para quem?/onde está a consciência?/onde andam os governantes/o que é feito da presidência?/A fauna, a flora o clima/ninguém olha com clemência/é o maior atentado/de homem sem coração/quem comete tal delito/terá um nome maldito/pela próxima geração”.

Desde aquela época, a situação das florestas só piorou, com exceção de dois períodos, em que Marina Silva e Carlos Minc foram ministros do Meio Ambiente. Eles conseguiram frear a devastação. Mas o novo governo tem uma clara agenda de destruição. No momento, não temos ministro do Meio Ambiente; temos ministro da Devastação ou do Desmatamento. Na semana da Cúpula do Meio Ambiente, esse ministro defendeu os madeireiros que derrubam as florestas e exonerou o servidor da Polícia Federal que combatia os criminosos.

Em nome da soberania nacional, promove o desmonte sistemático da fiscalização, a desregulamentação das normas de proteção ambiental, o estímulo à derrubada das florestas e à invasão de garimpeiros em terras indígenas. Claro, se já deu certo em Mariana e Brumadinho, por que não seria bem-sucedido na Amazônia e na Mata Atlântica?

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil editou um vídeo em inglês dirigido a você, Biden, criticando o nosso presidente: “Não deixe esse homem negociar o futuro da Amazônia. Ele declarou guerra contra nós. Contra os povos indígenas. Não dá para conciliar os dois. De que lado você está?”

O presidente não ouve ninguém. Já disse que quando acabar a diplomacia, será preciso usar a pólvora, que, por sinal, vem da China. Cuidado, Joe, ele tem um general que é um gênio em logística. Esse governo acha que pode resolver qualquer problema disparando fake news.

Mas não dê dinheiro, o problema desse governo não é falta de recursos; é pobreza de espírito. É por isso que se tornou um pária e um mendigo no mundo. Espero que esse texto abra um canal direto da coluna com a Casa Branca, que facilite as relações diplomáticas entre os nossos países. Saudações brasilianas.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação