PANDEMIA

Covid-19: Fercal segue com os menores índices de infecção no DF

Desde o início da pandemia, a região administrativa acumula pouco mais de 300 infectados pela covid-19 e quatro mortes. Correio visitou a cidade para descobrir por que a doença teve pouca dispersão. Concentração de áreas rurais e baixo deslocamento contribuem

Ana Isabel Mansur
postado em 25/04/2021 06:00
 (crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)
(crédito: Breno Fortes/CB/D.A Press)

Em pouco mais de um ano e um mês desde a chegada da covid-19 ao Distrito Federal, uma região administrativa chama a atenção pela baixa quantidade de registros relacionados à doença. A Fercal — que, até sexta-feira, tinha um total de 319 infectados e quatro mortes — é a região administrativa com os menores indicadores pandêmicos do DF. Números da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) mostram que a cidade tem 8.687 habitantes, mas essa quantia se refere apenas à população urbana. Com base nos dados cadastrais do sistema de abastecimento de água, a Administração Regional da área calcula que essa população passe de 32 mil pessoas.

Para tentar entender o que transformou a Fercal em um ponto fora da curva, o Correio percorreu as ruas da cidade, bem como ouviu moradores, médicos, professores e gestores locais. Entre os fatores apontados como impactantes para esse cenário estão a baixa circulação de moradores de outras partes do DF nessa região — e vice-versa, além da concentração de famílias em áreas rurais.

A cidade é composta por 14 comunidades, das quais seis são rurais, e o restante, urbanas. Para Fernando Gustavo Lima da Silva, administrador da Fercal, a justificativa para a baixa quantidade de mortes e casos da covid-19 estaria no caráter industrial da região. As duas maiores fábricas da área pertencem às empresas Ciplan e Votorantim. Juntas, elas empregam cerca de 1.050 pessoas, direta e indiretamente. “Há duas fábricas de cimento, quatro usinas de asfalto e duas pedreiras. Então, boa parte da população trabalha na própria cidade, o que torna o deslocamento das pessoas para outras partes do DF muito menor”, avalia Fernando Gustavo.

A segunda cidade com menos registros está em situação pior: o Varjão tem praticamente a mesma população que a Fercal, mas tem mais do que o dobro de casos e quase cinco vezes mais mortes por covid-19 (leia Regiões administrativas). A Secretaria de Saúde (SES-DF) afirma que as equipes que atuam nas duas áreas adotam o mesmo modelo de assistência e que a densidade populacional do Varjão é maior que a da Fercal. “Ambos os locais são servidos pelo mesmo modelo, a estratégia em saúde de família. Os dados de óbitos por região dependem única e exclusivamente do comportamento da população local em relação às medidas sanitárias e de distanciamento social”, ressalta a pasta.

Circulação

Epidemiologista e professor do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB), Walter Ramalho destaca como fator preponderante o baixo fluxo de pessoas entre a Fercal e outras partes do DF. “Há pouca demanda de transporte público para ir ao trabalho; afinal, as pessoas já moram lá e, por isso, circulam menos em outras cidades, tornando menor o risco de infecção”, analisa.

O professor Tarcísio Marciano, do Núcleo de Altos Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento do Instituto de Física da UnB, concorda com o colega. Os dois especialistas integram um grupo formado por pesquisadores de todo o Brasil e de Portugal que monitoram a situação da covid-19. “Pela configuração da Fercal, as pessoas, provavelmente, ficam mais tempo ao ar livre. Assim, a chance de contágio acaba sendo menor”, acrescenta.

Para o administrador regional Fernando Gustavo, a conscientização dos habitantes também tem contribuído para a contenção da pandemia na Fercal: “A população tem adotado e seguido muito bem todos os protocolos de segurança. Fomos a última RA (região administrativa) a ter o primeiro caso de covid-19 no DF”, lembra.

Moradora de Engenho Velho, maior comunidade da Fercal, Adriana de Carvalho, 37, percebe uma adesão considerável aos protocolos de segurança sanitária. Além de morar na cidade há 18 anos, a nutricionista é dona de um restaurante na região. “Aqui, o pessoal contribuiu muito, aquietou-se em casa, e o comércio respeitou as ordens de fechamento. Pelo que eu tenho visto, o movimento nas ruas está baixo. Observo todo mundo de máscara o tempo todo, e as pessoas pegam no pé umas das outras sobre isso”, relata Adriana, que teve covid-19 em fevereiro, com sintomas leves.

Suspeitas

Apesar dos fatores que explicam os dados contidos da doença na cidade, há quem desconfie dos números. Jeferson Silva, 43, nascido na Fercal, mora na comunidade Alto Bela Vista. Ele levanta algumas suspeitas para a pequena quantidade de casos e questiona o registro de endereços — até 2012, a cidade não era oficializada como região administrativa e fazia parte de Sobradinho. “Acho que nem todos os domicílios foram atualizados. Pode ser que a pessoa infectada esteja registrada como moradora de Sobradinho”, sugere o líder comunitário, que também é agente comunitário de saúde.

A SES-DF, porém, afasta a hipótese. Renata Mercêz da Silva, diretora de Atenção Primária da Região Norte — que engloba Planaltina, Sobradinho 1, Sobradinho 2 e Fercal — explica que houve atualização de todos os logradouros. “Tínhamos esse problema nos endereços logo que a cidade passou a ser uma região administrativa separada. (Lidamos) com dificuldades para contagem dos casos de dengue, que têm notificação compulsória, por exemplo. Hoje, não há mais isso. Independentemente de (um paciente da covid-19) ter falecido em outro lugar, o dado entra na estatística da região (onde a pessoa morava). Não há falha nesse sentido”, afirma a gestora.

Para Renata, a alta concentração de comunidades rurais é fator importante para os baixos níveis de infecção da população na cidade. “A Secretaria de Saúde usa o dado da Codeplan, de (população com) pouco mais de 8 mil moradores. Com isso, há 100% de cobertura com as quatro equipes de saúde da família (que atuam) na Fercal”, comenta. “Outro aspecto é que há grande extensão de área territorial e, pelas próprias características de fazendas e sítios, as pessoas ficam mais afastadas umas das outras. São cidadãos com comportamento de vida mais isolado”, acrescenta a diretora.

Por fim, ela pontua que o senso de comunidade entre os habitantes da Fercal torna a comunicação mais efetiva, apesar das distâncias. “As orientações de segurança contra a covid-19 foram rapidamente divulgadas pelas equipes de saúde e conseguiram alcançar a população. A Fercal é diferente de Sobradinho ou do Plano Piloto, regiões mais urbanas. Não há shoppings nem feiras; por isso, as oportunidades de aglomeração são muito menores. É uma região administrativa mais isolada, que recebe, em grande parte, apenas os próprios moradores. Há poucas pessoas de fora. Esse somatório de fatores gera mais proteção à população”, enfatiza Renata.

 

 

 

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