DIREITO DO CONSUMIDOR

Como proceder quando a corrida por aplicativo é cancelada e cão-guia barrado

Especialistas em direito do consumidor explicam como proceder caso o motorista por aplicativo recuse viagens de deficientes visuais acompanhados do animal

Jéssica Cardoso*
Alice Dias*
postado em 26/04/2021 06:00
 (crédito: Rodrigo Nunes/Esp.CB/D.A. Press)
(crédito: Rodrigo Nunes/Esp.CB/D.A. Press)

O incômodo de ter a solicitação de uma corrida cancelada faz parte da rotina dos usuários de transporte por aplicativo. Geralmente, o consumidor não sabe o motivo que levou o motorista a não aceitar a viagem. Diversas razões podem explicar essa decisão. Mas o que acontece quando a solicitação é cancelada porque o condutor se recusa a transportar um deficiente visual por ele estar acompanhado de seu cão-guia?

Ricardo Rubenich, de 27 anos, passou pela situação. O servidor público conta que estava na saída de um shopping falando ao telefone com o motorista da Uber para que ele pudesse ser localizado quando foi informado que a viagem não aconteceria. O motivo era porque o prestador de serviço não aceitou transportar o cão-guia. “Eu disse para ele que ela era treinada, mas ele não ligou. Até avisei que era obrigatório, por lei, mas o motorista afirmou que o carro era dele e que não ia levar. Ameacei denunciá-lo para a Uber e ele não se importou”, relata. Segundo o funcionário público, o mesmo problema aconteceu com ele cerca de 15 vezes.

“No ponto de vista do consumidor, a Uber está errada. No caso, o seu motorista conduziu de maneira equivocada porque ele deveria levar o passageiro independentemente do porte do cão”, afirma o advogado especialista em direito do consumidor Felipe Borba, de 34 anos. Em situações como essa, a juíza Marília Sampaio, 54, aconselha que o cidadão entre em contato com órgãos de proteção ao consumidor antes de procurar a Justiça. “A primeira coisa a se fazer é ir ao Procon. Ele vai intimar a empresa a prestar esclarecimentos, fará uma avaliação e dará direito de resposta. Conforme a legislação, o órgão aplicará a penalidade necessária. Mas, se o consumidor não concorda com a decisão do Procon, pode ir direto à Justiça. A gente deve estimular ao máximo esse meio de conciliação, de solução de conflitos, mas a escolha deve ser sempre do consumidor”, alega.

Assim como orienta a especialista, Ricardo fez uma reclamação no próprio aplicativo da Uber, mas alega que a empresa sempre dá uma resposta genérica, em vez de conscientizar os motoristas sobre o problema. O servidor público chegou também a ganhar ação civil ajuizada contra a empresa por danos morais, mas considerou que o valor da decisão não faria muita diferença na questão de resolver o problema. “Eu ganhei, mas o valor dado pela Justiça era muito baixo, portanto, para mim não resolve e não resolve para a Uber porque ela continua fazendo vista grossa, permitindo que isso aconteça”, alerta o deficiente visual.

Após saber que um caso semelhante ao seu ocorreu em Santa Catarina e, na ocasião, o Instituto de Defesa do Consumidor foi acionado, Ricardo decidiu procurar o Procon-DF em busca de uma solução. O órgão, depois de tramitar o processo, decidiu pela aplicação de multa no valor de R$ 26 mil à empresa. “No caso em questão, o motorista da empresa se recusou a transportar o passageiro, o que é uma falha grave na prestação do serviço e uma violação à lei. Proibir esse acesso da pessoa com deficiência, além de descumprir o Código do Consumidor, se caracteriza como uma afronta às garantias de inclusão social”, disse o diretor-geral do Procon-DF, Marcelo Nascimento, sobre a decisão.

Para Ricardo, a penalização do órgão acaba tendo mais impacto, mesmo que o valor da indenização seja considerado simbólico pelo servidor. “Eu ainda entendo que é um valor baixo porque a Uber é uma empresa gigantesca. Provavelmente, para ela, vale mais a pena continuar pagando esse tipo de multa do que orientar os motoristas e efetivamente desligar aqueles que descumprem a lei”, analisa.

O especialista Felipe Borba explica que a multa é uma maneira de avisar à empresa que ela errou e que precisa se corrigir, tendo uma função educativa. “É uma multa administrativa, e esse valor não vai para o bolso do consumidor que denunciou. O Procon multa de uma maneira educativa e essa multa vai para o próprio Estado”, diz Felipe. O especialista ainda informa que, por ser uma questão educativa, a empresa deve, a partir do momento que foi notificada, mudar a postura e orientar seus motoristas para que situações como a que Ricardo passou não se repitam.

O que diz a Uber

Em nota ao Correio, a Uber respondeu que lamenta a situação e que a empresa tem como política que os motoristas parceiros cumpram a lei e acomodem cães-guia. “A Uber defende o respeito à diversidade e reafirma o seu compromisso de promover respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o nosso app”, afirma. Ainda segundo a empresa, os motoristas parceiros devem cumprir todas as leis federais, estaduais e municipais que regem o transporte de passageiros com deficiência.

“A violação, por um motorista parceiro, de leis que regulam o transporte de passageiros com deficiência, inclusive quanto ao uso de animais de serviço, constitui um descumprimento dos Termos de Uso da Plataforma acordado entre as partes”, explica. Dessa forma, a Uber alega que qualquer denúncia de discriminação resultará na desativação temporária da conta, enquanto a empresa analisa o incidente, e que denúncias confirmadas de discriminação relativas à violação de lei relacionada ao transporte de passageiros com deficiência poderão resultar na perda permanente do direito de acesso à plataforma.

Serviço público

A juíza Marília Sampaio acentua que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não trata especificamente de cães-guia, no entanto, tem como principal objetivo proteger o consumidor e favorecer usuários de serviço público. Mesmo que o carro por aplicativo seja um meio de transporte privado, ele oferece um serviço que equivale ao espaço público. “Privado mesmo seria eu no meu carro. Se eu estou no meu carro, eu posso dizer que o cachorro não vai entrar, porque não estou oferecendo nenhum tipo de serviço, então não sou obrigada. Agora, na medida em que o particular está prestando um serviço público, seja a que título for, é obrigado a respeitar a legislação que assegura a entrada do cão-guia em qualquer espaço público ou privado”, aponta. Portanto, se o espaço privado oferece serviço público, precisa estar atento ao que a lei diz.

* Estagiárias sob supervisão de Adson Boaventura

 

 

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Lei do cão-guia

A Lei n. 11.126/2005 assegura ao deficiente visual, acompanhado de seu cão-guia, a entrada e a permanência do animal em qualquer ambiente. Assim como a norma, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (nº. 13.146/2015), em seu artigo 117, garante que a pessoa com deficiência visual, acompanhada de cão-guia, tem o direito de ingressar e de se manter com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público, de uso público e privado e de uso coletivo.

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