>> entrevista José Sarney Filho / secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal

Críticas à gestão federal

Para o chefe da pasta, promessas feitas por Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre o Clima não têm mais efeito. "Discurso foi muito bom, mas a prática não corresponde ao que foi dito". Intenção de Sarney Filho é de que Brasília seja referência ambiental

Ana Maria da Silva
postado em 26/04/2021 19:37 / atualizado em 26/04/2021 20:07
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press                            )
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press )

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Em entrevista ao programa CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília, o secretário de Meio Ambiente do DF, José Sarney Filho (PV), criticou a postura do governo do presidente Jair Bolsonaro em relação ao meio ambiente. Para o secretário, as promessas feitas na Cúpula dos Líderes sobre o Clima já não têm mais efeito.

“Todos nós desejamos que o governo mude, que siga aquilo lido no discurso do presidente, de voltar a cuidar do meio ambiente e preservar os biomas, em vez de incentivar o desmatamento, como tem sido feito”, ressaltou. O secretário apontou, ainda, que, pela primeira vez na história do Brasil, o governo adota medidas que vão contra a defesa do meio ambiente.

Sarney Filho também falou que a intenção é de que Brasília seja uma referência na diminuição de emissões de gases do efeito estufa. “É um longo caminho a percorrer, mas os primeiros passos foram dados. Aqui também estamos fazendo recuperação de nascentes, de áreas degradadas. Isso tudo é em favor do clima. À medida que plantamos, introduzimos agroflorestas para recuperar nascentes e começamos a absorver gases do efeito estufa, além de recuperar as nascentes”, avaliou. Confira trechos da entrevista:


O que podemos esperar dessa cúpula do clima, onde o presidente fez várias promessas?
É importante ressaltar que essa cúpula foi muito bem-vinda. Significou o retorno do protagonismo dos Estados Unidos depois do governo do ex-presidente Donald Trump. É necessário, porque a questão climática estava descontrolada globalmente, embora os efeitos estivessem cada vez mais presentes. Todos nós estamos sentindo isso nos últimos anos. Então, é preciso que um país com a liderança e o poder como os EUA tome a iniciativa e a frente nesse processo. Quanto ao governo brasileiro, é evidente que o discurso foi muito bom, mas a prática não corresponde ao que foi dito. Todos nós desejamos que o governo mude, que siga aquilo lido no discurso do presidente, de voltar a cuidar do meio ambiente e preservar os biomas, em vez de incentivar o desmatamento, como tem sido feito.

Há muita pressão pela saída do ministro do Meio Ambiente. O que ele precisaria mudar para fazer cumprir as promessas?
Mais de 95% do desmatamento da Amazonia é ilegal. Então, é preciso que haja órgãos de fiscalização com estrutura para fiscalizar. Que os órgãos de monitoramento por satélite tenham estabilidade e autoridade para detectar, e o governo precisa sinalizar que não vai aceitar esse tipo de atitude, de conduta. Pela primeira vez, na história do Brasil recente, temos um governo que, na área ambiental, sinaliza ser contra o meio ambiente. Como, por exemplo, enfraquecendo o Ibama, dizendo que unidades de conservação e terras indígenas, que são importantíssimas no combate ao desmatamento, precisam ser fragilizadas. O desmatador ilegal, o madeireiro contrabandista, o garimpeiro ilegal entendem como sinal verde para continuar suas atividades. É preciso que o governo sinalize que, nesse estado, as coisas não vão continuar. Não acho que ao trocar de ministro, algo mudará. O problema está acima.

A gente teve um corte de recursos nessa área. No dia seguinte à cúpula,
teve a sanção do orçamento em que vimos o governo cortando verbas
essenciais para a proteção ambiental. Como será possível
recompor essas verbas, especialmente para fiscalização?
É uma decisão política do governo, e depois do discurso do presidente, acredito que ele tenha obrigação de reforçar esses recursos para a área ambiental. Não só recompor, como aumentar. Da última vez que fui ministro, o nosso orçamento era baixo para fiscalização, mas conseguimos orçamentos do Fundo da Amazônia, que hoje já não fornece mais porque o governo atual questionou a governança do fundo. Ao longo desses anos, vários governos e diversas ideologias surgiram, mas nunca deixaram de defender o meio ambiente. Havia divergências, mas era algo continuado.

O que é preciso fazer para reduzir os efeitos das mudanças climáticas?
Nós fizemos uma atualização dos inventários das nossas emissões de gases do efeito estufa aqui no quadradinho. As maiores emissões são veiculares. A partir dessa atualização, nós temos um diagnóstico. E, a partir dele, já estamos começando audiências públicas com o intuito de buscar soluções para diminuir essa taxa. A nossa intenção é que Brasília seja uma referência nessa área. Estamos em busca de energia eólica e solar, incentivando a mudança dos combustíveis fósseis nos nossos veículos, principalmente com os governamentais, nos veículos de transporte coletivo. E isso tudo vai fazer com que comecemos a diminuir nossas emissões. É um longo caminho a percorrer, mas os primeiros passos foram dados. Aqui também estamos fazendo recuperação de nascentes, de áreas degradadas. Isso tudo é em favor do clima. À medida que plantamos, introduzimos agroflorestas para recuperar nascentes e começamos a absorver gases do efeito estufa, além de recuperar as nascentes.

Um outro problema que tivemos no DF foi a crise hídrica. Esse risco está afastado?
Não está. Os prognósticos que temos das mudanças climáticas apontam que vamos ter menos chuva e mais período de estiagem. Com as mudanças climáticas que estão aí, evidentemente ainda podemos, em algum momento, ter uma crise hídrica. Mas, com essas ações que estamos fazendo de recuperação de áreas degradadas, recuperação de bacias, poderemos ter uma resiliência grande, que pode ser de grande importância. Esse prognóstico, que nós já temos, indica que teremos de ter novas posturas.

Quais posturas, por exemplo?
No que diz respeito à água, poderemos ter barramentos, que hoje são difíceis de serem aprovados. Poderemos ter plantios de árvores que tenham mais possibilidades de absorver gases do efeito estufa e que tenham mais possibilidade de colocar essa água no nosso subsolo. Então, há uma série de possibilidades que temos que cogitar. Teremos que repensar vbnossa cobertura vegetal, talvez até tendo que procurar árvores e plantios de plantas que não são do cerrado.

Isso não pode prejudicar mais? O cerrado tem suas árvores próprias.
Tem sim, mas depende das áreas e da emergência do caso e dos estudos que serão feitos. Nós temos estudos sobre prognósticos, que é um recorte do que foi feito pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Temos um recorte só sobre o DF, e isso já está disponibilizado no site da secretaria.

E qual a conclusão desse estudo?
É que realmente temos que cuidar das áreas de nascente, de preservação, de bacias hidrográficas, porque os prognósticos são preocupantes. Teremos muito mais secas do que chuva, a temperatura vai aumentar e teremos períodos de estiagem muito maiores.

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