Crônica da Cidade

Ameaça ao parque

Severino Francisco
postado em 27/04/2021 18:55

O Parque Olhos d’Água é o meu preferido numa cidade, que é, em si mesma, um grande parque pontilhado de árvores. Ele é pequeno, acolhedor e agradável. Em primeiro lugar, tenho especial simpatia pelo Parque Olhos d’Água porque a história dele é muito bonita. Não foi um parque concedido; foi um parque conquistado pelos brasilienses.

Tudo começou com as expedições de Mateus e Diogo, filhos da jornalista e cineasta Maria Maia pela quadra. Eles viviam soltos, brincando pelas quadras 400 do final da Asa Norte. Em uma dessas aventuras, descobriram algo precioso no terreno baldio: nascentes de água límpida. Havia um valioso ecossistema, com inúmeras espécies do cerrado inteiramente preservadas.

Maria convocou a comunidade em ritmo de urgência e criou o movimento chamado Sociedade de Amigos do Parque Olhos d’água (Sapo). Os moradores exerceram uma ação educativa de conscientização ambiental e de mobilização em defesa do espaço.

O movimento se expandiu, cresceu, repercutiu e venceu a articulação dos imperadores da especulação imobiliária, que cobiçavam aquele espaço maravilhoso. Eles queriam derrubar tudo para construir uma quadra residencial, sem deixar nenhum rastro da natureza nativa.

Mas, dessa vez, prevaleceu o espírito coletivo e comunitário. O parque tornou-se um espaço sagrado, um santuário ecológico encravado na cidade, com muitos devotos. É um privilégio descer do bloco e estar em um parque como se ele fosse o quintal da casa.

É impressionante a diversidade encontrada em um espaço relativamente pequeno, que abrigaria duas superquadras. Lá, é possível encontrar pequenos fios d’água, árvores retorcidas, uma lagoa, uma mata de galeria e uma revoada de pássaros que acompanha ambientes como esses. A tesourinha, o tiziu, o papa-capim, o anu-preto, o anu-branco, o bem-te-vi, o quero-quero e a coruja buraqueira povoam o território.

Plantas de áreas destruídas foram transplantadas. Naquele pedaço de cerrado, a gente encontra a embaúba, a copaíba, o barbatimão, o pau-terra, o pau-jacaré e o angico, entre outras espécies nativas. Além da vegetação, o parque é vizinho do Lago Paranoá, que oferece grande quantidade de alimento.

Eu imaginava que a pandemia fosse durar menos tempo. Mas, com a extensão da crise sanitária, é preciso cuidar da saúde física e mental. As caminhadas cotidianas são essenciais. Na semana passada, estranhei a notícia de que as nascentes do Parque Olhos d’água estão ameaçadas por invasores. Imagens mostram as cercas de proteção cortadas e as fontes sujas de lixo.

Se a gente quer cuidar do planeta, precisa começar pelo nosso quintal. É inaceitável que o poder público não consiga preservar sequer um espaço tão pequeno, encravado no Plano Piloto. Ainda bem que, pela própria história do parque, os moradores da vizinhança tenham uma relação de pertencimento e de vigilância com o Parque Olhos d’água.

Fiz muitas caminhadas e, se morasse perto, frequentaria muito mais aquele território tão agradável do Plano Piloto. É inaceitável que, mesmo com a denúncia dos moradores, as nascentes permaneçam ameaçadas por invasores. O Parque Olhos d’água é um dos patrimônios mais preciosos de Brasília.

As instituições responsáveis ficam em um absurdo jogo de empurra e dizem que estão “monitorando”. Não tem de monitorar; tem de impedir a invasão de nascentes. Se a gente não consegue resolver um problema pequeno como esse, como é que vamos preservar a floresta amazônica?

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