Este será o segundo Dia das Mães em meio à pandemia da covid-19. Para muitas delas, é um momento de comemorar com a família; para outras, embora a ocasião tenha significado especial, será mais uma data de trabalho intenso e longe dos filhos. Assim tem sido a realidade de boa parte das profissionais da saúde que atuam na linha de frente de combate à crise sanitária. Os sentimentos se misturam entre a alegria pela recuperação de um paciente, a exaustão pelos longos plantões e a saudade pela distância de quem se ama.
Coordenadora de enfermagem no Pronto-Socorro do Hospital Santa Helena, Fabiana Marques, 38 anos, deixou a filha, Sophia Gomes, 8, na casa dos avós maternos desde o início da pandemia. De lá para cá, precisou ficar longe da menina diversas vezes. O período mais longo ocorreu quando a enfermeira recebeu uma das notícias mais tristes: a morte do pai, aos 72 anos, em decorrência de complicações da covid-19.
Depois disso, avó e neta se mudaram para uma pequena cidade, próxima à Luziânia (GO). A partir disso, foram três meses de encontros apenas virtuais entre Fabiana, a mãe e a filha. “No começo, ela (Sophia) sofreu bastante. Ligava chorando, e eu explicava que precisava cuidar das pessoas. Eu não a abandonei, mas precisei fazer essa escolha, porque lido diretamente com pacientes com essa doença. Na verdade, não fui eu que escolhi a enfermagem, ela me escolheu”, relata a moradora de Samambaia.
Há muitos anos na profissão, Fabiana vive a situação mais complexa e dolorosa da carreira. Não apenas como gestora do setor de enfermagem, ela também acompanha os dias difíceis de colaboradores, pacientes e acompanhantes. “Vejo alguns (colegas) chorando no banheiro, com medo, mas logo voltam ao trabalho, com plenitude, porque não podem desabar na frente dos pacientes e das famílias. Não é fácil. Para mim, toda essa dor começou quando me afastei da minha filha. Ela é meu melhor pedaço. Espero poder passar o Dia das Mães com ela e minha mãe. Quero estar presente com as duas”, conta.
» Palavra de especialista
Apoio psicológico
A sociedade e a cultura, cada vez mais, ditam padrões e regras que as mulheres deve seguir para serem respeitadas e honradas. A luta delas é diária e constante para quebrar estereótipos e ter mais liberdade sobre as próprias escolhas. Quando a mulher não corresponde ao padrão imposto pela sociedade, ela é julgada e massacrada. Além disso, existe a cobrança pessoal, que também gera pressão, danos emocionais, ansiedade, depressão, estresse. Na pandemia da covid-19, mulheres de todo mundo têm sido parte essencial na linha de frente da luta contra a doença. E é desafiador para elas, por estarem em um ambiente de estresse, onde as condições de vulnerabilidade são físicas e emocionais. O medo da contaminação e de levar o vírus para a casa estão presentes no dia a dia. Muitas mães não têm tido contato físico com os filhos, o que as deixa extremamente abaladas. Algumas não se alimentam direito e perdem até a noção dos dias dentro do hospital. É de grande importância que essas profissionais tenham apoio psicológico e psiquiátrico, bem como uma rotina que inclua tempo de descanso, relaxamento, lazer, uma terapia alternativa, além de contato com a família e filhos, nem que seja por chamada telefônica ou de vídeo. Isso ajuda a diminuir os impactos negativos que a pandemia traz à vida delas.
Roberta Castelo Branco, psicóloga clínica
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"E se fosse eu?"
Médica do Pronto-Socorro do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), Jordana Marcolino, 39 anos, relata que o diálogo com o filho, Igor Lopez, 6, foi um dos caminhos para fazê-lo entender a importância do trabalho desempenhado por ela. No começo da pandemia, tive de tomar uma decisão: voltar para casa e expô-lo ou ficar longe, mas sem saber por quanto tempo. Eu imaginava que a pandemia não seria algo passageiro. Por isso, decidi ficar, porque me afastar dele deixaria tudo mais difícil”, relata.
Em agosto, Jordana teve covid-19. Apesar de não ter desenvolvido sintomas graves da doença, o filho ficou preocupado. “Ele me perguntou se no céu tinha brinquedo, estava com medo de algo acontecer comigo. Agora, entende mais toda a situação. Às vezes, ele me pergunta por que escolhi ser médica e se eu não podia ter escolhido outra profissão para podermos ficar mais tempo juntos. Eu explico que gosto do que faço, mas que, quando estou em casa, ele é minha prioridade”, conta a médica.
Nos hospitais, Jordana também encara momentos difíceis, em que precisa tomar decisões: “Na última semana, tive de intubar uma mãe, mas ela gritava para não passar pelo procedimento, porque tinha uma filha de 11 anos e precisava cuidar da menina. Nessas horas, a gente pensa: ‘E se fosse eu?’. Mas o jeito é engolir o choro e seguir em frente”, desabafa.
Jordana acrescenta que a pandemia despertou força entre as equipes dos hospitais e que as pessoas estão mais unidas. “Antes, a importância ficava sobre o médico. Hoje, as pessoas entendem o quanto cada profissional e cada setor é fundamental para a recuperação dos pacientes. Afinal, lutamos todos pelo mesmo objetivo”, ressalta.
No trabalho com os filhos
Além de assumir o papel de médica, a nefrologista Maria Letícia Cascelli de Azevedo Reis, 61 anos, é dona de uma clínica e mãe de quatro filhos: Maria Fernanda, 36; Thiago de Azevedo Reis, 34; Fábio de Azevedo Reis, 32; e Maria Beatriz, 23. Os dois do meio seguiram o caminho dela e se especializaram na mesma área. Hoje, ela divide o ambiente de trabalho com eles, que atuam no cuidado direto de pacientes em estado gravíssimo internados nas unidades de terapia intensiva (UTIs) com covid-19.
Mesmo compartilhando a rotina profissional com Thiago e Fábio, o sentimento de preocupação da mãe é grande: “Minha filha primogênita estava grávida da segunda filha, contraiu a doença e ficou grave na UTI. A bebê estava em outra unidade intensiva. Foram momentos de muita tensão, o que, geralmente, compartilhamos com muitas pessoas (ao tratá-las)”, diz Maria Letícia.
No início da pandemia, a médica teve de se afastar da família para se voltar, integralmente, ao ofício. “Foi difícil, mas me coloquei em intercessão, em oração, a qual atravessa fronteiras e alcança realidades em que a presença física não se faz possível. Na nefrologia, em tempos de pandemia, não existe lockdown para os pacientes renais que dependem da diálise para sobreviver. Assim como na maternidade, em que uma mãe não pode parar de cuidar dos filhinhos”, compara a médica.
Cinco meses de saudade
Enfermeira e coordenadora do posto de vacinação do Parque da Cidade, Camila Gaspar, 40 anos, tem três filhos: Valentina, 12, Bernardo, 11, e Santiago, 6. A profissional ficou 45 dias sem vê-los e mais de cinco meses encontrando-os apenas em alguns fins de semana. “O pai das crianças e eu somos divorciados. Ele estava em home office e, com tudo o que estava acontecendo (na pandemia), os meninos foram para a casa dele. Eu precisei ficar longe. Estava com muito medo de pegar a doença e transmitir para eles”, diz a moradora da Asa Norte.
Passados os dois primeiros meses, e com novas informações sobre a doença, Camila começou a buscar os filhos de 15 em 15 dias. “Eu fazia o teste, para conferir se não estava contaminada, pegava-os no sábado, mas, no domingo, tinha de levá-los de volta. A saudade era imensa. Havia dias em que o coração doía lá no fundo. Quando peguei covid-19, em novembro, parte do risco de eu contaminá-los diminuiu. Então, eu os trouxe de volta para minha casa. Agora, estamos um pouco mais tranquilos, porque estou vacinada”, afirma.
Mesmo assim, os momentos extenuantes persistem. “A situação não é fácil. Tem hora em que acreditamos que não vamos dar conta. Tem o cansaço físico e mental, o número de casos da doença. Tudo isso mexe conosco, porque somos seres humanos. Havia dias em que eu só queria acordar daqui a alguns anos, depois que tudo isso tivesse passado”, recorda-se Camila.
Medo ao voltar para casa
Edna dos Santos, 59 anos, é chefe da equipe do Pronto-Socorro do Hospital Regional de Ceilândia (HRC) e considera não existir receita para lidar com os desafios do novo coronavírus. O marido dela, Synval Santos, 53, e o filho do casal, Daniel Alves, 22, são do grupo de risco. “Existe todo o medo de levar a doença para casa. Quando chego do serviço, não toco em nada e vou direto para o banho”, conta. “Mas trabalhamos nos hospitais com muito amor em tudo o que fazemos. Esse é o único jeito de conseguir vencer as dificuldades”, completa.
Além da preocupação em ajudar os outros, Edna se agarra à fé: “Se não estivermos muito apegados com Deus, a situação fica pior, porque lidamos com muita morte todos os dias. Há dias em que saio do hospital muito chorosa com toda a situação. Sofremos com a morte de cada paciente e, muitas vezes, não é só um integrante da família que morre, mas pai, irmão, primo. Isso torna a dor pior”, lamenta.
Na volta para casa, a preocupação também acompanha Daiana Azevedo dos Santos, 36. Moradora de Santa Maria e lotada no Hospital de Campanha da Polícia Militar, a enfermeira reforça que a pandemia tem sido uma fase delicada. Mãe de duas filhas — Rebeca, 9, e Raissa, 17 —, ela convive com a angústia de saber que pode levar a doença para a família. “Passamos o dia inteiro no enfrentamento da covid-19; às vezes, 24 horas fora de casa. Seguimos todos os protocolos, porque o objetivo é preservar o bem de nossa família, mas o medo sempre está presente”, ressalta.
Daiana enfrenta, ainda, os desafios de ser mulher, mãe e trabalhadora da linha de frente: “É muito difícil conciliar tudo, porque, muitas vezes, chegamos cansados (ao hospital ou em casa), sem forças para dar atenção às pessoas. Mas esperamos que a crise sanitária acabe logo e que, nesse processo, consigamos salvar o maior número de vidas possível com nosso trabalho”, acrescenta a enfermeira.