Crônica da Cidade

A Brasília de Bracher

Severino Francisco
postado em 04/05/2021 20:06

A família do artista plástico Carlos Bracher é de Diamantina, a cidade em que nasceu Juscelino Kubitschek, o criador de Brasília. A avó de Bracher morava em frente à casa da mãe de JK. Desde os tempos de criança, ouvia histórias do Nonô, apelido de JK na família. Corria a fama que era muito inteligente, acordava cedo, desde os 6 anos, para ler.

Depois, Bracher acompanhou pelas revistas as matérias sobre a construção de Brasília, quando era adolescente. Em 1962, visitou Brasília pela primeira vez e sentiu a vontade de pintar a cidade. No entanto, esse desejo só se realizaria em 2007. Ele passou um ano na cidade, pintou próximo aos monumentos, no meio das praças, em meio aos passantes brasilienses.

Foi uma experiência inesquecível. Bracher pintou 66 quadros, e a série foi registrada no documentárioÂncoras aos céus, dirigido pela filha Bluma Bracher. Carlos é impregnado do barroco de Minas. Embora a arquitetura de Niemeyer seja forjada no concreto, ele tem uma alma barroca, que se manifesta na Catedral Metropolitana, no Congresso Nacional, no Palácio Alvorada ou no Supremo Tribunal Federal.

Mas a porta de entrada da pintura de Bracher foi a beleza do céu de Brasília. Mesmo quando ele pinta os monumentos, a esfera celeste se mistura ou se infiltra inapelavelmente nos monumentos: “Os criadores de Brasília inventaram prédios com espaço para nuvens”, escreveu Clarice Lispector. Bracher estabeleceu um contraste dramático com a arquitetura de Oscar Niemeyer.

Niemeyer propõe-nos a leveza, o sentido musical da arquitetura, observa Bracher em catálogo sobre a Série Brasília. Não poderia ir pela beleza, propriamente, mas pela percepção de uma certa tragicidade: “Os céus e os abismos me assinalaram a vereda expressionista da força da cidade. É como eu poderia expressá-la. Não pela doçura das faces e dos brancos intangíveis, mas pela intensidade viril dos negrumes, da energia que move as cores escuras”.

A Catedral Metropolitana, o Museu da República, a Igrejinha da 308 Sul e a Ponte JK são transfiguradas pelas pinceladas convulsivas e dramáticas de Bracher: “Niemeyer é o branco, a pureza das formas que se saltam no espaço em busca da liberdade; eu sou o quase-negro das coisas que se assentam bruscas, como aquela tonalidade fatal, quando a revelação dos enigmas se toca pela tempestuosidade do gesto, pela frondosidade da oposição da beleza em si, em minha estética”.

É como se Bracher quisesse registrar, não a descrição formal dos prédios, mas “a essencialidade imaterial de cada lugar”. Em vez de aferrarem-se a frases feitas e lugares comuns, os artistas interagiram com a cidade e foram os que compreenderam melhor Brasília. A série produzida por Bracher enriqueceu o acervo iconográfico da cidade e imprimiu uma alma dramática, densa, barroca e convulsiva a Brasília, subterrada embaixo da placidez das formas da arquitetura de Niemeyer.

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