Violência

Submundo do Comboio do Cão: polícia fecha cerco à maior facção do DF

Responsável por articular grande volume de drogas na capital federal e ordenar assassinato de rivais, Comboio do Cão operava com esquema complexo. Grupo criminoso teve líderes presos nos últimos dias

Darcianne Diogo
postado em 08/05/2021 06:00 / atualizado em 10/05/2021 22:18
Policiais prenderam Wilian após o criminoso estar foragido desde 2017 -  (crédito: PCDF/Divulgação)
Policiais prenderam Wilian após o criminoso estar foragido desde 2017 - (crédito: PCDF/Divulgação)

A mais de 1.500km de Brasília, o chefe da maior facção criminosa do Distrito Federal, o Comboio do Cão (CDC), Wilian Peres Rodrigues, 36 anos, instalou-se em uma residência luxuosa em Paranhos (MS), divisa com o Paraguai, para tentar se esconder da polícia e, de lá, articular a entrada de armas e drogas na capital e encomendar assassinatos de rivais. Wilinha, como era mais conhecido, atuava na cúpula como “atacadista”, uma tarefa que exigia jogo de cintura para investir capital nas mercadorias ilícitas e planejar as rotas que os produtos deveriam seguir para evitar as fiscalizações. Foragido desde 2017, o criminoso foi preso em uma operação do Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado da Polícia Civil (Decor/PCDF) na semana passada (veja o vídeo abaixo do momento da prisão de Wilian).

Na última quinta-feira, outro duro golpe contra o crime organizado. Em nova fase da operação Judas, que reuniu 50 policiais civis, prendeu quatro membros do Comboio do Cão. A PCDF cumpriu seis mandados de busca e apreensão no Gama, Recanto das Emas, Riacho Fundo II e Samambaia. Com as detenções, os investigadores acreditam ter desarticulado o núcleo financeiro da facção. Segundo a corporação, os suspeitos eram responsáveis pelo fluxo do dinheiro da organização, obtido, principalmente, com o tráfico de drogas.

Em 2019, o Decor deflagrou uma das maiores ações contra o Comboio do Cão, a Operação Rosário. Mais de 300 agentes e delegados concentraram os esforços e conseguiram prender 46 membros do Comboio acusados de uma série de crimes violentos, como homicídios e organização criminosa. Wilinha era um dos alvos, mas os policiais não o encontraram em nenhum dos endereços à época, e ele encontrava-se foragido desde então.

Para despistar a polícia durante esse período, o chefe da facção viajou por diferentes estados do país, como São Paulo, Maranhão e Piauí, utilizando documentos de identidade falsos e mudando de aparência. “Ele (Wilian) é investigado por crimes de homicídio, tráfico de drogas e organização criminosa. Além disso, há outros processos que estão suspensos em que ele responde”, detalhou o delegado titular da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco), Adriano Valente.

Articulação

No mapa das maiores facções do país, inclusive do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) — oriundas de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente—, Mato Grosso do Sul é um dos estados mais visados quando se fala em rota do tráfico. No livro A guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, os pesquisadores Camila Nunes Dias e Bruno Paes Mans afirmam que os motivos são claros ao se dar conta da posição geográfica da região em relação à fronteira com o Paraguai, principal porta de entrada para o tráfico de armas e drogas.

Foi para articular a entrada de armas e drogas no Distrito Federal que Wilian se instalou em uma residência de alto padrão em Paranhos (MS), cidade dividida com o Paraguai por uma rua. Na casa, alugada nas mãos de um traficante local, o chefe do Comboio do Cão morava com a namorada. Na função de “atacadista”, Wilinha precisava dispor de alto investimento de capital para financiar o envio de drogas e armas à capital, de modo que chegasse até aos pequenos traficantes das mais diversas cidades de Brasília.

Chefe da maior facção do DF foi preso em MS
Chefe da maior facção do DF foi preso em MS (foto: PCDF/Divulgação)

O criminoso não agia sozinho. Braço direito e vice-líder da facção, Fabiano Sabino Pereira, preso desde 2017 no Complexo Penitenciário da Papuda, após a polícia encontrar 155kg de maconha e carregador de arma na casa dele, em Ceilândia, continuou comandando as ações da cúpula de dentro do presídio, com o auxílio de familiares e advogados. Na cadeia, o CDC ganhou força e controlava atividades de tráfico e jogos de azar. “As informações chegavam ao grupo por demais integrantes e pelo substituto (Fabiano). No geral, a organização está sendo bem desarticulada com o avanço do trabalho investigativo da PCDF”, frisou o delegado Adriano Valente.

Assassinatos

Concentrados em regiões como Riacho Fundo 2, Recanto das Emas e Taguatinga, o Comboio do Cão participou de assassinatos, tráfico de drogas e armas, lavagem de dinheiro e roubos de veículos. A facção se instalou na capital em meados de 2013, fruto de uma disputa de gangues por pontos de drogas no DF. A polícia estima que o grupo esteja envolvido em mais de 500 ocorrências criminais e cerca de 30 homicídios.

Um dos crimes praticados pelos faccionados aconteceu em outubro do ano passado. Em plena luz do dia, um homem, de 27 anos, levou tiros de rajadas de pistola calibre 9mm na praça do DI em Taguatinga. Outras duas pessoas que passavam pelo local acabaram sendo atingidos. O crime foi elucidado pelo Decor e os envolvidos acabaram presos no âmbito da operação Judas.

Em fevereiro deste ano, um interno do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) foi baleado e morto ao sair do presídio, no SIA, para trabalho externo. Constatou-se que os dois acusados de matar o detento são integrantes do Comboio do Cão, e o homicídio estaria relacionado a uma possível guerra por tráfico de drogas. Outro caso de repercussão foi o assassinato de um casal no Riacho Fundo 2. Thiago Duarte Neto, 24 anos, e Talita Souza Mendonça, 23, foram mortos dentro do carro, na rua. O cachorro que a jovem carregava chegou a ficar machucado, mas recebeu os primeiros socorros e recuperou-se.

No ano de 2016, um dos integrantes do Comboio do Cão, identificado como Rafael Otaviano, foi executado com mais de 30 tiros no estacionamento do Fórum de Santa Maria, na QR 211. A vítima seria julgada como ré de um processo no mesmo dia. Segundo as informações da época, o rapaz chegou ao local por volta das 8h. Ao estacionar o carro, três homens chegaram em outro veículo e alvejaram o automóvel de Rafael até o momento em que a PM compareceu ao local. Houve troca de tiros entre os bandidos e a corporação, mas o trio acabou fugindo. Como consta no processo, Rafael foi morto por um grupo comandado por "Helinho", que integra uma organização rival do Comboio do Cão. 

“Uma característica que chama a atenção é a violência com que atua na eliminação de desafetos e traficantes rivais, fazendo uso de pistolas de grosso calibre e última geração, com acessórios que aumentam o poder de fogo, como seletor de rajadas e carregadores estendidos”, finalizou Valente.

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  • Casa onde chefe do grupo se escondeu em Mato Grosso do Sul, próximo à divisa com o Paraguai
    Casa onde chefe do grupo se escondeu em Mato Grosso do Sul, próximo à divisa com o Paraguai Foto: PCDF/Divulgação
  • Chefe da maior facção do DF foi preso em MS
    Chefe da maior facção do DF foi preso em MS Foto: PCDF/Divulgação
  • Prisão de Wilian Peres Rodrigues
    Prisão de Wilian Peres Rodrigues Foto: PCDF/Divulgação
  • Arma apreendida com o líder do Comboio do Cão
    Arma apreendida com o líder do Comboio do Cão Foto: PCDF/Divulgação
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