ENTREVISTA

"Temos que conter a segunda onda", defende procuradora-geral de Justiça do DF

Fabiana Costa, a chefe do Ministério Público do DF e Territórios lidera uma guerra institucional contra um vírus que provoca tragédias pessoais, sociais, econômicas e de malversação de recursos. Ao Correio, a mulher descreve o trabalho desenvolvido para mitigar esses dramas

Ana Dubeux
postado em 16/05/2021 06:00
 (crédito: Ed Ferreira/MPDFT)
(crédito: Ed Ferreira/MPDFT)

A procuradora-geral de Justiça do Distrito Federal, Fabiana Costa, afirma que a tragédia da pandemia exigiu que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios se reinventasse para dar conta de múltiplas e crescentes demandas da sociedade. O processo de modernização tecnológica, de aperfeiçoamento da atividade investigativa e do atendimento on-line, deflagrado em 2019, facilitou a realização da tarefa. Os serviços são prestados, principalmente, de maneira on-line. O MPDFT não se omitiu ante o desafio e atuou em inúmeras frentes: proteção dos direitos do cidadão, fomento das políticas públicas e prevenção de crimes.

Os idosos, a saúde, o meio ambiente, a infância e a juventude e o sistema prisional estão representados. Em uma das ações públicas, a força-tarefa exigiu que o GDF divulgasse o número de leitos de UTI disponíveis para pacientes da covid-19 com precisão. A violência doméstica recebeu atenção especial por meio de uma ampla campanha nas redes sociais para informar os canais de acolhimento para as vítimas.
Fabiana destaca que, graças a um trabalho de articulação e colaboração entre as instituições, o DF teve um dos menores índices de mortes em presídios no Brasil, apesar do elevado número de contaminações. O desafio mais próximo é barrar a segunda onda do coronavírus e garantir que o maior número de pessoas sejam vacinadas.

Ela prevê que o pós-pandemia no DF será um momento delicado que exigirá uma ação conjunta da sociedade civil organizada, do setor público e do setor privado, pois os recursos são escassos. Será preciso olhar, principalmente, para a população desvalida, que perdeu emprego e necessita de atendimento das necessidades essenciais. Fabiana também sofreu o impacto das transformações dramáticas impostas pela pandemia. Ela procurou permanecer mais perto das filhas e dar apoio emocional em um momento dramático. Fabiana acredita que, apesar de todas as dificuldades, a tragédia é um momento para apurar os valores e evoluir “no sentido da solidariedade e da compaixão”.

As demandas da sociedade ampliaram a necessidade de o Ministério Público se modernizar, principalmente diante da pandemia. Como o MPDFT pode contribuir no esforço para reduzir os
impactos sociais da covid-19?
A modernização dos sistemas do MPDFT e o uso de recursos digitais têm sido nossa grande prioridade desde o início de 2019. Neste ano, reforçamos os investimentos em tecnologia, com foco no aprimoramento da atividade investigativa e no atendimento ao cidadão, que passou a ser essencialmente on-line. Desenvolvemos ferramentas de Business Inteligence e intensificamos o compartilhamento de dados com outros órgãos públicos. Isso permite mais celeridade no trabalho do MPDFT, melhor compreensão dos problemas sociais e efetividade na apresentação de respostas à sociedade. O uso desses recursos tecnológicos, reforçado pelo aprimoramento da comunicação com a sociedade, vai permitir a melhor compreensão dos problemas sociais provocados pela pandemia. Assim, será possível atuar de forma mais intensa no fomento de políticas públicas, na prevenção de crimes e na proteção dos direitos do cidadão.

Áreas como saúde, educação e também a questão da violência doméstica se tornaram ainda mais críticas durante a pandemia. Como o Ministério Público atua para mitigar esses problemas?
Várias áreas demandam atenção especial neste momento. A situação de pandemia exige atuação articulada. No MPDFT, foi instituído um Gabinete de Crise onde as decisões são tomadas em equipe e com o acompanhamento direto da Procuradoria-Geral de Justiça. Também foi instituída uma força-tarefa para acompanhamento das ações de combate e prevenção ao coronavírus. Esse grupo tem mais de 40 integrantes, que representam as áreas da saúde, patrimônio público, idoso, meio ambiente, infância e juventude, consumidor, direitos humanos e sistema prisional, entre outras. Foi a partir de uma ação civil pública da força-tarefa, por exemplo, que a Justiça determinou ao GDF a divulgação mais precisa da disponibilidade dos leitos de UTI. Importante frisar que, além da força-tarefa, as demais promotorias continuam atuando no âmbito de suas atribuições, inclusive o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que já deflagrou diversas operações, algumas em âmbito nacional, para investigação de crimes no sistema de saúde. Há também um grande esforço na área de combate à violência contra a mulher. Atualmente, o MPDFT conta com 44 promotorias com atuação no combate à violência doméstica e seis promotorias de apoio operacional designadas para atuar nessa matéria. Os Núcleos de Proteção à Vida e de Direitos Humanos também atuam com olhar voltado especialmente a esse tipo de crime. Recentemente, realizamos uma ampla campanha nas redes sociais para informar sobre os canais de atendimentos às mulheres vítimas de violência.

Como ficam as grandes questões de Brasília no pós-pandemia?
O pós-pandemia será um desafio para todos os governos. O momento ainda é delicado, a prioridade é atuar para conter esta segunda onda e assegurar a vacinação para o maior número de pessoas possível. A única certeza que temos é a de mudança. Teremos que lidar com a escassez de recursos, com orçamentos limitados no setor público e com a necessidade de voltar olhares para a população mais carente, que é a que mais sofre com a perda de emprego e atendimento das necessidades básicas. Essas questões precisarão ser enfrentadas por meio de um esforço conjunto da sociedade civil organizada e dos setores público e privado.

Como vê a perda de tantos brasilienses na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
Com muita tristeza. A perda de uma vida é irreparável. Hoje, já são mais de 430 mil óbitos no Brasil e 3,3 milhões no mundo. A celeridade é sim um fator essencial, principalmente na tomada de decisões, na compra de equipamentos e na contratação de serviços. Por isso, os governadores passaram a contar com a flexibilização das regras de licitação durante o estado de calamidade pública da covid-19. Mas é importante frisar que, em nome da celeridade, não se deve descuidar dos recursos públicos. Essa preocupação é constante entre os membros do Ministério Público e o trabalho de fiscalização se intensificou neste período.

Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
Nestes tempos difíceis, somos instados a refletir sobre sentimentos comuns ao ser humano. Amor, tristeza, saudade, distanciamento, medo e solidão ganham um novo significado. A percepção da igualdade se amplia diante da possibilidade de morte. Neste aspecto, não há mais distinção de raça, classe social ou faixa etária. Acredito que nossos valores estão mais apurados, evoluímos no sentido da solidariedade e da compaixão.

A união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
É possível e necessária. Mas é importante ressaltar que essa preocupação não pode ficar para depois. A gestão e o acompanhamento responsável das iniciativas e dos recursos públicos que temos hoje podem mitigar uma grave crise no futuro. No âmbito do Ministério Público, é preciso fortalecer nossa atuação na defesa dos direitos individuais e coletivos, com atenção especial para os direitos sociais, que estão relacionados à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança e à assistência aos desamparados, entre outros.

É possível ter um olhar poético diante desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Sempre é possível. Basta fazer um resgate das produções literárias ao longo dos anos. As obras de Shakespeare durante a peste negra, O amor nos tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marques, os poemas de Manuel Bandeira e as obras de tantos artistas vítimas da tuberculose. A arte educa os sentidos e estimula a criatividade. A partir dessa compreensão, optamos por dar continuidade ao calendário do Espaço Cultural do MPDFT. As exposições passaram a ser organizadas virtualmente. Também estimulamos a produção literária entre os servidores por meio de projetos que já resultaram na publicação de livros. Durante as comemorações dos 60 anos do MPDFT, tivemos apresentações da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, que estão disponíveis em vídeo no Youtube. Sabemos que a arte também aproxima. Por isso ela se tornou, para o MPDFT, uma importante ferramenta de integração e conforto dos estados emocionais suscitados pelo contexto de crise.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia? Passou a integrar um grupo que investiga a criminalidade. Do que trata?
Procurei ficar mais perto das minhas filhas, acompanhar as atividades escolares e oferecer maior apoio emocional. A rotina de trabalho tem sido muito intensa para todos nós do Ministério Público, mas é gratificante ver que estamos cumprindo o nosso papel, apesar deste momento tão difícil. Em abril deste ano, fui eleita presidente do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG) e passei a acumular este cargo com as atribuições da Procuradoria-geral de Justiça do DF. O grupo tem a missão de planejar a atuação do MP na esfera criminal e formular estratégias para o combate à criminalidade em todo o Brasil. A ideia é buscar consenso sobre um modelo de atuação mais adequado à realidade do sistema de Justiça e às necessidades da sociedade.

O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva — a distância?
Eu participei de várias campanhas dos Ministérios Públicos estaduais voltadas ao apoio de pessoas que perderam o emprego e à viabilização de respiradores. No MPDFT, os servidores se organizaram em campanhas para coleta de cestas básicas e agasalhos, uma iniciativa voluntária e louvável. O momento é de união e solidariedade. Tenho conversado bastante sobre isso com minhas filhas.

Que ensinamento este momento nos deixa?
Humildade, solidariedade, coragem e o quanto estamos vulneráveis.
Como o senhora vive em Brasília há muitos anos, como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?
Foi chocante ver a cidade fechada. O sentimento que tive, principalmente durante o lockdown, foi de muita estranheza. Vivenciar o Congresso Nacional e outros órgãos públicos trabalhando em meio a restrições, corredores vazios, luzes apagadas. É uma sensação desoladora. Mas é preciso manter a esperança e entender que este momento vai passar e fazer a nossa parte.

Como o MP pode reagir mais rápido às demandas da sociedade?
Olha, essa pandemia foi um desafio para todo o setor público. No MPDFT, foi preciso reformular toda área de atendimento e concentrar esforços nos serviços on-line. O volume de registros subiu de 9.473 manifestações em 2019 para 11.932 em 2020. O crescimento percentual foi de cerca de 26%. Nossa atuação se ampliou e fomos compelidos a trabalhar ainda mais. Fizemos adaptações, migramos de um atendimento presencial para o virtual em todas as promotorias de Justiça. O número de manifestações em processos cresceu 118% em 2020 durante a pandemia, quando comparado ao mesmo período de 2019. Tudo isso foi possível porque já estávamos em estágio avançado de implantação do Processo Judicial eletrônico e na modernização dos demais sistemas.

Existe um acompanhamento contínuo da atuação de todos os membros do MPDFT, inclusive com estabelecimento de prazos. A instituição trabalha continuamente por uma maior aproximação com a sociedade. Acreditamos que este é o caminho para entender e responder rapidamente aos anseios da sociedade.

A tecnologia é também uma ferramenta cidadã. Como é possível reduzir os gargalos burocráticos do MP?
Há grandes avanços nessa área. Nos últimos anos, foram desenvolvidos diversos sistemas que dão autonomia aos membros do MPDFT para consulta de dados que compartilhados por instituições parceiras. Esses sistemas garantem agilidade no trabalho e segurança nas investigações. Poucos sabem, mas o Ministério Público do DF e Territórios é premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público pelo desenvolvimento de vários projetos na área de tecnologia. Temos um sistema de votação, por exemplo, que já foi adotado em diversos MPs estaduais. É uma ferramenta que permite a realização de eleições internas com apresentação do resultado em poucas horas.

A crise sanitária tem cobrado respostas rápidas de instituições, mas, às vezes, equivocadas. Quais ações o MP pode fazer para fiscalizar e orientar gestores e órgãos públicos?
O diálogo é sempre o melhor caminho. O trabalho da força-tarefa tem esse desafio de não apenas fiscalizar, mas também colaborar para a busca de melhores respostas à sociedade. Um bom exemplo a ser mencionado foi o trabalho desenvolvido pelo Núcelo de Controle e Acompanhamento do Sistema Prisional. Graças a uma ampla articulação e colaboração entre instituições, o DF registrou um dos menores índices de mortes em presídios no Brasil, não obstante o elevado índice de contaminação. Os promotores do Nupri atuaram intensamente na fiscalização e na busca de soluções para os problemas próprios do sistema prisional. Uma das iniciativas mais louváveis foi a criação de um projeto que permitiu o contato virtual entre presos e familiares no dia das mães. Ações como esta demonstram um Sistema de Justiça humanizado e sensível às angústias do cidadão.

 

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