Crônica da Cidade

por Severino Francisco
postado em 18/05/2021 22:26 / atualizado em 18/05/2021 22:26

Estação Cine Brasília

Enquanto o mundo explode, sem me alienar da tragédia sanitária, cuido de coisas pequenas para manter a sanidade. Uma amiga me mandou uma série de fotos sobre a Estação Cine Brasília, inaugurada em 2018. Ela é composta de um lindo painel de azulejos azuis, alaranjados e brancos, diretamente inspirado nos projetos de integração da arte com a arquitetura criados por Athos Bulcão.

Na década de 1990, escolhi a 206 Sul para morar por duas razões: tinha uma escola para a minha filha embaixo do prédio e bastava atravessar o Eixão para estar no Cine Brasília. Eu ia aos domingos porque o trânsito fica interrompido no Eixão. Existem vários brasilienses que consideram o Cine Brasília um templo do cinema, riscado por Oscar Niemeyer, com recortes coloridos de Athos Bulcão e cadeiras de Sérgio Rodrigues (essas foram substituídas em uma reforma infeliz).

Quem gosta de cinema viveu grandes emoções por lá. Mais recentemente, com o crítico e professor de cinema Sérgio Moriconi no comando da programação, o Cine Brasília viveu um período de renascimento, de 2013 a 2019. No entanto, com a pandemia, as fotos enviadas por minha amiga me fizeram devanear sobre a cidade.

A Estação Cine Brasília da 106 Sul é um exemplo bem-sucedido de recriação inventiva do legado de Brasília. É inspirada na identidade visual criada por Athos Bulcão e Oscar Niemeyer, que todos reconhecem, mas não incorre em mera repetição. É uma recriação dentro dos mesmos princípios de integração arte-arquitetura.

Daniela Diniz, a autora do projeto da Estação Cine Brasília, integra uma geração de arquitetos e designers que se interessam pela arquitetura e pela história de Brasília. Eles querem trabalhar dialogando com os fundadores da cidade. Seria interessante que projetos como esse se estendessem para as passagens subterrâneas das asas Sul e Norte, que clamam há muito tempo por uma revitalização e por medidas de segurança.

Cruzar o Eixão na condição de pedestre é uma travessia dramática. Todo brasiliense tem uma história de sufoco ao atravessar aquela via de alta velocidade. Recentemente, o Ministério Público resolveu participar do debate e do encaminhamento de soluções. Diariamente, milhares de trabalhadores, de pedestres e de ciclistas se expõem ao risco no Eixão. Além disso, as passagens são degradadas, sujas e perigosas.

Elas pedem uma ação conjunta que incluam reformas na estrutura e medidas de segurança. Quem passa por elas corre o perigo de ser assaltado e, se não for, enfrenta a avalanche de carros. Os artistas plásticos poderiam ser convocados por meio de concursos para promover a integração arte-arquitetura com painéis de azulejo.

As passagens seriam lugares públicos agradáveis de transitar e de visitar. Um projeto com essas características que realçaria e renovaria a identidade visual de Brasília. A ameaça quase que permanente de agressões contra a arquitetura da cidade provocou uma postura defensiva. Mas, além de preservar, a cidade precisa se revitalizar, alinhada com as linhas-mestras traçadas pelos criadores. A Estação Cine Brasília mostra que essa utopia é plenamente viável.

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