>> entrevista Carla Fragomeni / psicóloga e professora de mindfulness

Conheça o mindfulness, estratégia para diminuir o estresse

A diretora do Instituto Psi, em Portugal, destaca que a meditação é uma forma simples e fácil de controlar as emoções. Prestar atenção na respiração ajuda a reduzir a ansiedade, sobretudo, em tempos de pandemia

Correio Braziliense
postado em 20/05/2021 06:00 / atualizado em 20/05/2021 06:55
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press                         )
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press )

A psicóloga, professora de mindfullness e diretora do Instituto Psi, em Portugal, Carla Fragomeni, falou sobre um conjunto de práticas, teorias e técnicas capazes controlar o estresse e a ansiedade, o Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR), que em tradução livre significa redução de estresse baseada no mindfulness.

Ao programa CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília —, ontem, Carla explicou que o programa se baseia em cultivar a autoconsciência. “Meditação não é difícil, e qualquer pessoa pode fazer. Para começar, basta respirar corretamente, estando consciente do que está fazendo”, esclareceu, em entrevista à jornalista Sibele Negromonte.

O que é o mindfulness?
Mindfulness é a meditação que o Buda praticava originalmente, chamada Vipassana. Mas o nome foi dado pelos americanos que começaram a estudá-la. O próprio Dalai-lama convidou os cientistas americanos a pesquisarem o cérebro dos meditadores e descobriram que o cérebro deles é mais feliz. A partir de então, começaram os estudos sobre a felicidade. Ao invés da psicologia estudar somente as patologias, começou-se a perguntar como é o cérebro dessa pessoa feliz e descobriu-se que, com a prática de oito semanas de meditação diariamente, o cérebro começa a ter mudanças, a ter um córtex pré-frontal, à esquerda, mais desenvolvido e uma amígdala, que é sistema do reagir, menos reativos. A mudança é física, não é psicológica. É perceptível em exames do cérebro, é diferente. Hoje, fala-se muito naquilo que nós podemos fazer por nós mesmos, e a meditação é uma dessas coisas. Somente tomar remédio melhora temporariamente, eles são como uma bengala, precisamos tomar a responsabilidade. Segundo estudo de Harvard, em 47% do nosso tempo acordados, nós estamos no piloto automático. Significa não estamos presentes no aqui e agora. Estamos reagindo por condicionamento quando vamos para o trabalho, quando estamos em casa, com os filhos, quando estamos trabalhando e tudo mais.

Você tem alguma dica para quem está iniciando a meditação?
Uma coisa que nós podemos fazer, até em casa, que é muito simples, é parar e prestar atenção na respiração. Só fazendo isso, naturalmente, se desmobiliza o sistema nervoso que está cronicamente ativado para luta ou fuga. O sistema vai se acalmando naturalmente. Basta fechar os olhos e perceber o ar entrando e saindo pelas narinas, pelo peito, pelo abdômen. Fazer isso gera uma grande diferença ao longo do dia. Podendo fazer três respirações ou cinco, conscientes e prestar atenção, estando presente de forma intencional ajuda muito.

Existe alguma fórmula para a gente conseguir reduzir ou controlar o estresse e a ansiedade?
Sim, hoje, isso é uma necessidade e não uma moda. A meditação é uma necessidade diante da vida atribulada que nós temos e da quantidade de informações e decisões que nós temos que tomar a cada dia. Isso gera uma espécie de sobrecarga no nosso sistema nervoso. O Brasil é o país mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e o quinto em depressão, então, torna-se necessário que nós nos eduquemos mentalmente, e uma das grandes formas de se educar mentalmente é, justamente, meditar. A meditação mindfulness é reconhecida cientificamente. Eu sou professora do programa de redução de estresse que existe há mais de 40 anos, e essa também é a ferramenta de pesquisa na área de meditação.

Nós precisamos reaprender a respirar? Este processo é importante?
Não é necessário que nós modifiquemos a respiração na prática da meditação mindfulness, basta colocar a atenção. Se você está respirando de forma ofegante, é um sinal de ansiedade, com isso, apenas prestando atenção, naturalmente, a respiração já vai se tornando mais tranquila, e a pessoa vai saindo do sítio do sofrimento, de pensamentos e emoções que se retroalimentam o tempo todo dentro de nós.

Como isso nos ajuda a superar este momento de perdas que estamos passando?
É um sofrimento coletivo. Não há o que fazer para modificar esses sentimentos, mas nós podemos, de alguma forma, buscar uma autorregulação dentro disso. Buscar estarmos mais lúcidos, buscar estarmos mais calmos. Isso vai nos levar a tomar decisões mais hábeis, mais inteligentes e respondermos em vez de simplesmente reagimos. Podemos estar mais equilibrados, ter comunicações melhores e dar respostas melhores a tudo o que acontece, causando menos dano possível. Só de ser uma presença um pouco mais lúcida, um pouco mais calma tem um efeito no ambiente, tem um efeito nas pessoas que convivem conosco.

E qualquer pessoa pode fazer? Até mesmo crianças?
Nas crianças, estão a nossa esperança de um mundo melhor. Se elas já crescerem mais conscientes de tudo isso, imagine quanto de sofrimento pode ser evitado. Na Sociedade Vipassana, temos vários programas direcionados para a meditação de crianças. Tem-se falado tanto em relação às crianças com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), porém não são só as crianças. Somos toda uma sociedade com hiperatividade mental, e é isso que nos coloca nessa situação de ansiedade. É o excesso de informação que as crianças lidam, hoje, e o excesso de estímulos também cria essa agitação e essa dificuldade de parar. Por incrível que pareça, nós precisamos fazer um curso para aprender a parar para respirar. Diria até que todas escolas deveriam ter um pouco de prática de mindfulness para crianças, porque com cinco minutos de prática, uma criança já consegue relaxar e sair de alguma forma dessa agitação.

Na sociedade Vipassana, existem programas para outras idades?
Nós oferecemos o programa de redução de estresse. Esse é o programa de oito semanas de redução de estresse, o tempo necessário para que haja mudanças no cérebro e mudanças de comportamento. Depende, também, da pessoa fazer. Não adianta ela frequentar uma aula por semana, é preciso que ela se engaje na prática da meditação, diariamente, da forma como é orientado.

De que forma o exercício físico ajuda nesse processo?
No exercício físico, pelo menos, nós podemos descarregar toda energia acumulada nessa reatividade. Nós mantemos a reação primitiva de luta ou fuga, como se fosse aparecer um leão, aqui e agora, porém o que aconteceu é que eu vi um e-mail. Então, a energia mobilizada, que seria para eu sair correndo, não vai ser gasta e vai se acumulando no organismo, sobrecarregando os órgãos e piorando a situação de estresse. Se exercitar é importante porque, assim, pelo menos, nós gastamos essa energia que foi despendida no organismo.

Como o mindfullness pode ajudar os jovens?
Os jovens têm sido muito prejudicados com essa questão do isolamento, e a meditação pode trazer um centro, uma possibilidade de introspecção e equilíbrio que, para os jovens, é muito importante. Se eu, quando jovem, tivesse acesso a essa informação, teria sido bem melhor, teria feito coisas muito melhores.

Há muito preconceito com psicoterapia, de que forma a terapia pode se tornar mais acessível à população?
É uma luta muito grande nossa, e esse é um ponto que, por incrível que pareça, a pandemia e o isolamento favoreceram enormemente. Pelo complexo da TV Psi vamos fazer um aplicativo de atendimento, como o Uber, com atendimento psicológico. Então, a tendência é de que se torne cada vez mais acessível, e isso é muito importante. Falo, aqui, como psicóloga, e algumas pessoas podem discordar de mim, mas eu não conheço ninguém que não se beneficiaria desse movimento em que nós entramos em uma sala, fechamos a porta e pensamos: “como eu estou?” e “o que está acontecendo em minha vida agora?”.

*Estagiária sob a supervisão de Guilherme Marinho

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