Entrevista Romeu Gonzaga Neiva / Presidente do TJDFT

"Divergências ideológicas devem ficar em 2º plano", diz presidente do TJDFT

Em entrevista, o desembargador Romeu Gonzaga Neiva fala sobre o cenário atual da pandemia da covid-19

Ana Dubeux
postado em 23/05/2021 06:00 / atualizado em 23/05/2021 16:50
 (crédito: Samuel Figueira/Divulgação TJDFT )
(crédito: Samuel Figueira/Divulgação TJDFT )

É como um “otimista incorrigível” que o desembargador Romeu Gonzaga Neiva observa este momento de pandemia. Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) desde 2020, ele inaugurou uma forma inédita de funcionamento do tribunal. Desde a posse, que ocorreu por videoconferência, o tribunal funciona remotamente.

“Tivemos um início completamente novo, inusitado, diferente, mas, por obra de administrações anteriores, nosso tribunal já estava muito bem aparelhado no ponto de vista de ferramentas tecnológicas, que permitiram a entrega da prestação jurisdicional sem descontinuidade”, destaca. Segundo ele, o TJDFT ganhou em produtividade e em redução de custos.

Para o desembargador, a pandemia há de deixar lições. “Espero que, assim como a pandemia abreviou os caminhos da nossa Justiça para a modernidade, que ela também abrevie o caminho da humanidade, no sentido de que o homem evolua mais rapidamente, em especial, nos valores da solidariedade.”


Como a Justiça e o direito se adaptaram para as novas demandas da sociedade diante da pandemia?
Eu vou me permitir responder tendo em vista o tribunal que presido, o TJDFT, pois é de onde eu tenho melhores condições e melhores elementos para poder emitir uma opinião. No nosso tribunal, desde o primeiro momento — e aqui quero lembrar da minha posse e de minhas colegas, que foi a primeira vez que foi feita por videoconferência — nós soubemos, na primeira quinzena de abril, que haveria um confinamento/fechamento ordenado. Tomamos posse por videoconferência e, no dia seguinte, já estávamos trabalhando sem condições de ir presencialmente ao tribunal, até porque, sendo eu, do grupo de risco, fui aconselhado pelo serviço médico a não ir às instalações.

Veja, tivemos um início completamente novo, inusitado, diferente, mas, por obra de administrações anteriores, nosso tribunal já estava muito bem aparelhado no ponto de vista de ferramentas tecnológicas, que permitiram que a entrega da prestação jurisdicional, a atividade judiciária, em seus vários níveis, não sofressem nenhuma solução de descontinuidade.
O tribunal continuou funcionando normalmente, os juízes de primeiro grau também. Claro que há de se dar o desconto de pequenas intercorrências, algumas situações de perplexidade, pois tudo era novo. Mas, com menos de 30 dias, a Justiça do Distrito Federal tomou o seu ritmo normal, continuou trabalhando e evoluindo — e isso é que é o importante. Aproveitamos o momento e começamos a evoluir dentro do contexto para que, daqui para frente, a Justiça possa ser exercida independentemente da existência, ou não, de uma situação de pandemia, como a que estamos vivendo agora. No nosso caso, nós nos adaptamos muito bem e antecipamos o caminho da digitalização, dos atendimentos por videoconferência, das reuniões remotas, etc. Estão funcionando até hoje, inclusive com ganhos de produtividade expressivos, e com uma economia de recursos muito grande.

Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
Bem, como sou um otimista incorrigível, talvez até por uma questão de autodefesa, tenho sempre a esperança, nesses meus mais de 70 anos de idade, de que o ser humano está sempre em evolução, melhorando como ser humano. Dessa forma, espero que, assim como a pandemia abreviou os caminhos da nossa Justiça para a modernidade, que ela também abrevie o caminho da humanidade, no sentido de que o homem evolua mais rapidamente, em especial, nos valores da solidariedade.

É possível ter um olhar poético diante desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Pessoalmente, a primeira coisa que fiz foi me conscientizar de que, apesar do tamanho e da seriedade do problema, ele não poderia ser maior do que minha ação, do que aquilo que eu, como ser humano, devo fazer. Então, procurei nitidamente me desligar de agruras, de sofrimento, e procurar tirar proveito, no dia a dia, das coisas boas que continuam acontecendo com cada um de nós. Para aliviar minha tensão, eu trabalho mais! O computador, eu ligo na hora que levanto e desligo meia-noite. Para dizer a verdade, nós não temos nem muito tempo para ficar pensando nos males, embora, por infelicidade, tenhamos sofrimento com servidores e colegas que acabam sendo alcançados pela infecção e padecendo. Mas, ainda assim, a tensão é aliviada com o trabalho.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Eu e minha família somos pessoas muito simples. Eu e minha mulher não somos de badalação e, como bons mineiros, desde que saímos de Minas Gerais — assim que casamos e viemos fazer concurso em 1979/1980 — nunca perdemos o contato com as pessoas de lá, onde temos minha família e os familiares da minha esposa. Nossa rotina mudou porque, como somos do grupo de risco, nós não saímos de casa. Antes da pandemia saíamos para ir a Minas, para encontrar com os parentes, com os amigos e ter alguma diversão. Assim, aqui em Brasília, não alterou muito não, embora seja bastante penoso conviver da forma como estamos atualmente.

Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?
Bem, nós temos um exemplo para quem vê história, quem gosta, quem, por ventura, viveu aquela época da gripe espanhola, no início da segunda década do século 20. Foi uma situação parecida com a de hoje, muitas mortes, muita dor, não havia remédio, muita incredulidade, não havia vacina e eu não sei o que a humanidade aprendeu com aquilo, porque nós tínhamos acabado uma guerra e, suprimida a pandemia, nós entramos na Segunda Guerra. Mas, como disse, sou otimista. E acho que alguma coisa de bom surgirá, depois dessa pandemia, na humanidade.

O momento exige resiliência e ativismo solidário. Pessoalmente, se engajou em alguma atividade coletiva, mesmo a distância?
Nesse aspecto, quero dizer que, de fato, não ingressei em qualquer atividade a distância, mas porque, desde antes, eu já pertencia a uma entidade — já estou nela há 30 anos — que desenvolve ações solidárias, independentemente de pandemia ou não. E, na pandemia, a coisa fica mais dinâmica. Continuo apenas dentro dessa minha entidade e, por meio dela, prestamos solidariedade. Mas sempre que posso, converso e incentivo outras pessoas do meu relacionamento para que procurem ações dessa natureza, e algumas têm se despertado para isso.

Que ensinamento este momento nos deixa?
Acho que um pouco de reflexão, ou muita reflexão, quanto ao que é o ser humano, cheio de defeitos, cheio de coisas que realmente não levam a bom lugar, como, por exemplo, vaidade e orgulho. E espero que tiremos ensinamentos desses momentos difíceis, tristes e dolorosos, e tenhamos a clareza e a iniciativa de repensar alguns defeitos que todo ser humano tem.

O senhor vive em Brasília há 41 anos, como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?
Eu sempre participei da cidade, mas, com o advento da pandemia, por questões de saúde, questões sanitárias, nesse mais de um ano, devo ter saído da minha casa uma ou duas vezes. Então, pessoalmente, não tenho como fazer qualquer avaliação, qualquer juízo de valor de como está a nossa cidade. Tenho ouvido e visto, por meio da imprensa, queixas e reclamações de pessoas que necessitam sair de casa por um motivo ou outro. Porém isso faz parte, é um dos ingredientes que esse mal está trazendo para nós, que é sofrer com as dificuldades cotidianas de grandes cidades.

Como vê a perda de tantos brasilienses na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo, no mundo, poderia ser usado no Brasil?
Vejo essa situação com muita tristeza, tanto na questão familiar — em que tivemos perdas realmente tristes — quanto de amigos, que também os perdi. Também no trabalho, nós perdemos um dos maiores desembargadores do tribunal, que era George Lopes, além de alguns servidores e pessoas próximas, que infelizmente sucumbiram. Quanto ao exemplo que o Brasil poderia ter seguido do mundo, acho que o melhor exemplo para nós é a Inglaterra. O primeiro-ministro de lá, nos primeiros dias, parece que não acreditava no alcance da pandemia. Mas depois se rendeu ao próprio vírus e, a partir daí, aquele país virou um exemplo de como lutar e ganhar uma guerra. Parabéns para eles.

A união em torno de um projeto suprapartidário para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos é possível?
Esse é o melhor dos mundos: que nós, como sociedade, nos conscientizássemos que as divergências ideológicas e político-partidárias, neste momento, teriam que ficar em segundo plano e, no primeiro plano, teria que existir um olhar para o ser humano. Acho que, com o possível reconhecimento dos efeitos da pandemia que alguns dizem que ainda podem vir, ou com a permanência deles nos próximos anos, muita gente vai ter consciência que temos que fazer uma certa revisão em nossas ações. Assim esperamos.


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